Saber que um produto respeita o meio ambiente nunca foi um fator tão decisivo na decisão do consumidor. Diante do potencial desse mercado crescente, empresas dos mais diversos ramos têm trocado o modelo de produção convencional pelo orgânico. Mesmo que timidamente, o Rio Grande do Norte avança no sentido de certificar negócios como ambientalmente sustentáveis. O processo demanda tempo e preparo, porém as experiências comprovam o quanto a adoção de práticas de responsabilidade ambiental pode fazer a diferença em aspectos como inovação, credibilidade e qualidade de um produto.
No Brasil, o mercado de produtos orgânicos movimenta em torno de R$ 400 milhões, valor que pode dobrar até 2014. No território potiguar a certificação orgânica começa pelas hortaliças do município de Nísia Floresta, viaja até o Seridó na produção de cachaça artesanal, desce até a fruticultura da cidade de Serra Negra do Norte, mas também sobe em direção ao Vale do Apodi, onde estão bem sucedidas produções de arroz vermelho. “Basicamente a diferença do orgânico para o convencional é a não utiilização de produtos químicos na produção. Isso é o que vem mais à tona quando o consumidor vê o produto”, explica a analista técnica do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/RN), Honorina Eugênia de Medeiros.Adquirido junto a empresas certificadoras como o Instituto Biodinâmico (IBD), o selo orgânico é um investimento motivado tanto pela tomada de consciência das empresas quanto ao respeito pela natureza, quanto pelo crescimento no consumo de produtos saudáveis. “Quando uma empresa certificadora acompanha o processo ela não vê só a parte produtiva, como toda a questão de responsabilidade em relação ao meio ambiente e no respeito ao ser humano”, afirma Honorina, detalhando que por trás do selo estão também questões trabalhistas e de preocupação com o funcionários.
Apesar de considerar baixo o número de empresas potiguares com a certificação, a analista técnica do Sebrae/RN tem perspectivas animadoras para um futuro próximo. ”O que percebemos é o mercado aberto. Existe uma demanda por esses produtos”, comenta. Mesmo encontrando bem seu público, a produção orgânica ainda tem desafios para se disseminar. O custo dos produtos ainda fica acima dos convencionais, o que apesar de representar uma barreira, é totalmente justificável na avaliação de Honorina Medeiros. A diferença de preço encontra explicação nos custos mais elevados para se manter uma produção orgânica. O valor financeiro para se adotar práticas sustentáveis nos negócios se apresenta como empecilho, sobretudo para pequenos produtores adotarem as práticas ambientalmente sustentáveis. Como forma de amenizar essas dificuldades, instituições como Sebrae/RN, o Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RN), o Ministério Público Estadual, entre outros parceiros, têm estimulado a atividade com apoio técnico e financeiro.
Selo leva cachaça potiguar ao exterior
Quando decidiu encarar o desafio de certificar a cachaça Extrema, o engenheiro agrônomo e empresário Anderson Faheina pensou em inovação. “A fim de diversificar os itens da fábrica viu que seria interessante investir em um produto orgânico certificado”, explica. O processo não foi dos mais simples. Apesar da cachaça àquela altura já ser produzida sem produtos químicos, foram necessários dois anos para que a Extrema pudesse estampar o selo do IBD em seu rótulo.
Anderson não se arrependeu nem um pouco do esforço. “O benefício maior é a diferenciação, alcançamos novos mercados com a certificação e isso melhorou o faturamento”, acrescenta. Com o selo do IBD a Extrema lançou um novo produto do mercado, diferenciado até mesmo no design. “Potencializamos o fato de ser orgânico”, observa. Atualmente a comercialização de 10% da produção no mercado externo é totalmente creditada à cachaça certificada. O produto também encontra apreciadores dentro do Brasil.
De acordo com o empresário, esses consumidores estão em nichos específicos e podem ser encontrados, por exemplo, em feiras especializadas. O destaque no mercado externo surge devido a maior consolidação da “cultura orgânica” no exterior. Entretanto, o produto também tem o custo diferenciado. É 30% mais caro que o tradicional, se igualando ao preço da cachaça envelhecida, a mais nobre no mix de produtos da Extrema. “Uma garrafa de meio litro da orgânica custa R$ 22, enquanto a tradicional fica por R$ 14”, detalha.
Também produzida em uma cadeia produtiva totalmente orgânica, a cachaça Samanaú, produzida na cidade de Caicó, no Seridó, adota uma estratégia diferente da Extrema. O selo orgânico é colocado em todas as garrafas sem diferenciação. “Desde nossa fundação, há oito anos, nuca utilizamos produtos químicos na plantação ou composição. Usamos apenas leveduras naturais”, conta o proprietário Vidalvo Dadá Costa. Com seis anos de produção, veio a ideia de transformar o produto em cachaça orgânica com selo do IBD. “No mundo inteiro eu vi a valorização dos produtos orgânicos em vinhos, conhaques e outros. Isso me despertou”, lembra. Os custos pesam? “É insignificante diante do benefício que traz para a população e para o empreendimento”, conclui o empresário.
Pioneirismo nas hortas
“O convencional se preocupa com a planta, se utilizando de adubos químicos que aumentam a produção, mas provocam desequilíbrio e ficam suscetíveis às pragas. O orgânico está preocupado com o solo. A planta se desenvolve de maneira equilibrada e a praga não consegue quebrar essa cadeia”. Assim, o empresário Marcos de Sena explica a opção adotada para suas hortaliças. Enquanto a produtividade das hortaliças cresce com o tempo, a do convencional despenca com o uso de agrotóxicos.
Pioneiro na produção orgânica dentro do setor de hortaliças, o empresário Marcos de Sena, proprietário da Hortaviva, se interessou pelo assunto em 1995, quando assistiu a uma palestra sobre como tornar o sítio lucrativo. “A proposta era fazer algo diferenciado, além do convencional e sem precisar de grandes áreas. Ninguém tinha muito conhecimento, nem mesmo as certificadoras”, recorda.
Quando adotou a produção orgânica na Hortaviva, o empresário tinha os produtos devolvidos pelo antigo supermercado Sirva-se. “O norte-rio-grandense e nordestino não tem muito hábito de comer orgânico. Eu mandava cinco rúculas e voltavam três ou quatro”, afirma. O natural crescimento de Natal aos poucos foi trazendo as hortaliças para a alimentação diária. Foi quando as perspectivas melhoraram e o produto orgânico começou a se encontrar no mercado. “Era uma alternativa para quem queria consumir um produto saudável e sem agressão ao meio ambiente”, explica.
Enquanto isso, a Associação de Agricultura Orgânica montada por ele no RN morria pelo desinteresse dos produtores. Foi nesse mesmo ano, em 2004, que a Hortaviva decidiu iniciar o processo de certificação com o IBD. “É um investimento no qual é preciso pesquisar e ter paciência. Não é receita de bolo”, diz. As mudanças no mercado consumidor desde então criaram uma inversão no negócio de Sena. Se antes as hortaliças voltavam, hoje não são suficientes para atender à demanda.
O empresário reforça que o clima do estado não favorece a produção, uma das razões pelas quais a Hortaviva não consegue aumentar a produção. “Abrimos um mercado, mas o mercado também se abriu. Se conseguíssemos produzir um mix maior atenderíamos”, comenta Sena, que produz em dois pólos, nos municípios de Nísia Floresta e Jandaíra. De lá saem alface, almeirão, escarola, alho poró, berinjela, entre outros produtos que abastecem o mercado potiguar.
Sustentabilidade se dissemina
Por demandarem uma transição mais simples em direção ao orgânico, as hortaliças são maioria entre os produtos orgânicos encontrados no Rio Grande do Norte. Nos municípios de Touros e Mossoró, cooperativas de agricultores já adotaram a prática em suas pequenas lavouras. Nas duas cidades os produtores se utilizam da Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (PAIS), tecnologia social que se utiliza de uma horta circular para produzir diferentes tipos de hortaliças dentro de um modelo de agricultura sustentável.
As famílias se apropriam da tecnologia prioritariamente para uma produção de subsistência. Entretanto, o excedente da produção é comercializado em feiras agroecológicas, gerando renda para aos pequenos produtores. Embora não tenham um selo do IBD, os agricultores familiares se certificam junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento (Mapa). Para isso passam por todo um processo de capacitação e acompanhamento.
A analista técnica do Sebrae Honorina Medeiros faz a ressalva de que diferentemente da certificação com o selo, os produtores só podem comercializar as hortaliças dentro das feiras agroecológicas. A medida visa a manutenção do controle por parte do Mapa. No caso das empresas que possuem o selo IBD, a produção também é rastreada pelo Mapa, no entanto, é feita a partir do acompanhamento com as empresas, que precisam registrar todos os processos da cadeia produtiva.
Tradição em negócio Como em muitas regiões de periferia nos centros urbanos, a comunidade do Gramorezinho, na Zona Norte de Natal, é mais conhecida aos olhos de fora pela violência do que por sua tradição e história. Poucos sabem, mas é das centenas de hortas cultivadas na região que sai a maioria das hortaliças consumidas diariamente pelos natalenses. “É uma tradição passada por gerações na comunidade”, afirma Didi, apelido pelo qual é mais conhecido o agricultor José Vieira, 46 anos.
Didi é componente de uma das 120 famílias que estão sendo capacitadas para produzir hortaliças orgânicas. O projeto foi iniciado com a assinatura de um contrato no último dia 5 de junho com a Petrobras, que contribuirá com um patrocínio de mais de R$ 1 milhão. O Ministério Público, Sebrae e Emater são outros parceiros. “Ganham os agricultores e o mercado, que receberá um produto de mais qualidade”, ressalta Jarian Gomes, presidente da Associação de Amigos e Moradores do Sítio Gramoré e Adjacências (Amigs).
Estima-se que 514 pessoas sejam beneficiadas no projeto. Atualmente os produtores vendem suas hortaliças a atravessadores, que lucram cerca de 80% na revenda. Jarian Gomes conta que um “mói” – cerca de dois pés – de coentro chega a ser vendido por R$ 0,15 a terceiros. Isso quando a produção não se perde, como explica Didi. “É tanta produção que às vezes jogamos no mato”, revela o agricultor. Quando o processo de transformação das hortas for concluído, a expectativa é que a comunidade possa vender os produtos orgânicos diretamente para o mercado.
Por ser margeada por algumas lagoas, a comunidade Gramorezinho tem um alto potencial para o cultivo. No projeto os produtores foram cadastrados e as áreas produtivas mapeadas. Em breve deve ser iniciada a fase de capacitação técnica e gerencial dos agricultores. A transição do modelo convencional para o orgânico ocorrerá em etapas, voltando inicialmente 20% da produção para as hortas orgânicas.
Arroz vermelho No último dia 7 de junho a certificação orgânica chegou ao setor de fruticultura. Um grupo de pequenos produtores de goiaba e acerola da comunidade Frutuoso, no município de Serra Negra do Norte, na região Seridó, leva o selo do IBD em seus produtos. A fruticultura orgânica veio em um projeto desenvolvido pelo Sebrae para substituir o cultivo do feijão verde no vale do rio Espinhara, em Serra Negra do Norte. Foram contempladas dez famílias, que receberam consultoria tecnológica para implantação de práticas de manejo orgânico.
O engenheiro agrônomo e consultor técnico da Cooperativa de Serviços Técnicos do Agronegócio (Coopagro), José Flávio Brito, conta que foi identificado um uso indiscriminado de agrotóxico na região. Com orientação, os produtores adquiriram uma nova mentalidade, e em 2010 foi dado entrada no processo de certificação do IBD, com o selo sendo adquirido no fim do ano passado.
Do Vale do Apodi vem outro grupo de produtores certificados. Agricultores do assentamento Lagoa do Saco, na zona rural de Felipe Guerra, enxergam um futuro promissor com o cultivo de arroz vermelho orgânico. As elevadas qualidade e produtividade das variedades de arroz (MNA 901 e MNA 902) plantadas, além da perda reduzida, são alguns dos benefícios encontrados na região.
De acordo com dados do projeto, as novas variedades apresentam perda média de apenas 30%, enquanto as demais variedades cultivadas originam perda superior a 40%.
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