Sem armas de fogo, ameaças ou ferimentos físicos. O horário escolhido deixou de ser a calada da noite e a roupa preta com capuz já não é mais a indumentária característica. Escondido por trás de uma tela cintilante e com conhecimento especializado, o criminoso já não precisa se expor para furtar, extorquir ou fraudar. Através da internet, tudo isso é possível. Sob uma aparência menos agressiva, mas talvez igualmente prejudicial, o autor de crimes cibernéticos por vezes não possui consciência da gravidade dos delitos cometidos e continua a praticá-los. Sem distinção de cor, classe social ou religião, o criminoso pode fazer de qualquer internauta a próxima vítima.
Para se precaver de ataques e encontrar os autores dos crimes, os órgãos de segurança pública têm procurado especializar os seus agentes e torná-los capazes de combater esses delitos. Reflexo disso foi a deflagração de duas operações pela Polícia Federal recentemente. Na quinta-feira, 28 de junho, a PF cumpriu mandados em 11 estados do país em combate a uma quadrilha que utilizava a internet para divulgar imagens de pornografia infantil.
Na segunda-feira, 2, a superintendência da PF-RN deflagrou a operação “Pichadores Virtuais”. Por trás de ataques contra mais de 40 websites no RN, estavam dois adolescentes de 14 e 16 anos de idade. “Eles não tinham noção dos delitos que estavam cometendo. Não sabia que se configurava como crimes e quais eram as repercussões para as vítimas”, disse a delegada Carmen Marileia da Rocha, chefe do Grupo de Repressão a Crimes Cibernéticos da PF no RN. “A estrutura atual da Polícia Federal é suficiente para a demanda apresentada no RN. Entretanto, em razão da realização de grandes eventos no Brasil, como exemplo a Copa do Mundo de 2014, estamos com projeto para transformar esses Grupos em Delegacias Especializadas”.
Em novembro do ano passado, caminhando na mesma direção, a Polícia Civil criou o Núcleo de Investigação dos Crimes de Alta Tecnologia (Nicat), que dá apoio, mesmo que incipiente, às investigações conduzidas nas delegacias distritais. A delegada Carmen Rocha chamou atenção para a necessidade de constante atualização sobre as novas tecnologias. “É necessário ter conhecimento técnico para investigar esse tipo de crimes. Mais que isso. É preciso estar em constante treinamento para acompanhar o desenvolvimento das novas tecnologias. Aqui no RN temos uma equipe de peritos federais que nos dão todo o apoio nessa área”, disse.
Para a chefe do Grupo de Repressão a Crimes Cibernéticos, o cidadão pode participar sem medo de mídias sociais, desde que se resguarde determinadas informações pessoais. “O cidadão deve tratar o computador da mesma forma que trata sua casa, ou seja, ninguém sai de casa e deixa a porta aberta. Entendo que as pessoas podem participar de redes sociais sem medo, desde que configurem seus perfis de forma a não expor a família, seus amigos ou fotos que possam ser acessadas indevidamente”, esclareceu.
Ela chamou atenção ainda para o acompanhamento dos pais nas atividades virtuais desenvolvidas pelos filhos. “É fundamental que os pais acompanhem a forma como os filhos utilizam a internet. Os adolescentes não têm maturidade suficiente para discernir sobre os perigos e ameaças existentes na rede mundial de computadores”.
Estrutura de investigação da Polícia Civil é incipiente
É em uma sala do antigo prédio da Delegacia-geral de Polícia (Degepol) que funciona o Núcleo de Investigação dos Crimes de Alta Tecnologia (Nicat). A denominação, no entanto, não reflete a precariedade em que o serviço é prestado. Três agentes dispõem de um computador para auxiliar investigações abertas em todo o Rio Grande do Norte. E a demanda não para de crescer. De novembro do ano passado, quando o Nicat foi criado, até o mês de maio já havia 50 solicitações de investigações de crimes cibernéticos.
A metodologia de investigação funciona da seguinte forma: o cidadão que se sentir vítima de crime procura qualquer delegacia distrital para registro da ocorrência; a partir daí, o delegado solicita apoio do Nicat para solução dos casos envolvendo alta tecnologia. No Rio Grande do Norte, há predominância dos crimes contra honra praticados através do meio virtual. “O meio não importa para a consumação do crime. Nosso objetivo é tentar identificar o autor da ofensa e auxiliar as investigações da delegacia distrital”, disse Érico César, chefe de investigação do Nicat.
Além disso, o Nicat se envolve em investigações de casos de homicídio, furto ou estelionato, que mesmo não sendo praticados na internet, encontram no meio virtual indícios e provas de autoria. De acordo com Érico César, os criminosos estão cada vez mais se especializando e buscando a internet para encobrir seus atos. “O telefone hoje em dia já está ‘malhado’. Os criminosos estão migrando para as tecnologias”, afirmou.
Na sala do prédio onde hoje funciona a Academia de Polícia Civil (Acadepol), há inquéritos urgentes parados por falta de estrutura. “É necessário que haja mais apoio. Temos casos classificados como urgentes e que estão parados”, informou Érico César. O chefe de investigação trabalha com o próprio computador, que traz de casa. O roteador de propriedade do colega, permite-o acessar a internet e conduzir as investigações.
Bate-papo
Rodrigo Jorge, Qualitek Tecnologia (www.qualitek.com.br)
Os ataques contra contas pessoais de redes sociais, assim como de bancos e sites comerciais têm se intensificado ultimamente?
Os ataques se intensificam a cada dia. O ritmo de crescimento é exponencial. Hoje qualquer usuário da internet pode ser vítima de crimes que vão desde o roubo da senha de email para envio de malwares (softwares maliciosos: virus, cavalo de troia, etc) a até o roubo de dados de cartão de crédito e conta bancária. Existem quadrilhas especializadas somente nesse tipo de crime. Em palestra recente que assisti com o Guilhermino, Gerente da Área de Segurança da Informação do Banco do Brasil em São Paulo, o tráfego de drogas que antes roubava bancos fisicamente, agora recruta jovens para cometerem esses crimes e com isso financiar suas práticas criminosas. O Brasil é o país com o maior número de malwares bancários, chamados de bankers, do mundo. Segundo a FEBRABAN, o prejuízo em 2010 passou dos R$ 15 milhões.
Com a intensificação do uso de smartphones, o cidadão também deve estar atento contra ataques voltado para celulares?
Através dos smartphones, os usuários também têm ficado muito expostos pois acham que não há perigo de malwares. Há muitas ameaças para os usuários desses aparelhos, como roubo da agenda, rastreamento, roubo de fotos, roubo de dados bancários, senhas, etc. Outro perigo é a utilização dos aplicativos de localização das redes sociais. Os malfeitores podem rastrear o paradeiro de suas vítimas quando elas postam informações dos locais onde vão. O Foursquare e o Facebook apresentam esta funcionalidade que recomendo não serem utilizadas.
Qual a importância de empresas buscarem profissionais especializados para proteger a sua rede e informações sigilosas?
Vejo um grande problema na área de tecnologia da informação hoje. Há uma formação de um grande número de profissionais nas faculdades, porém o assunto segurança ainda é pouco abordado. Na UFRN, por exemplo, até pouco tempo não encontrei nenhuma disciplina de segurança da informação para os alunos. Isso se repete na maioria das Instituições de Ensino. Então, as empresas estão contratando pessoas, empresas e softwares que nem sempre seguem as boas práticas da segurança da informação. Dessa maneira, é muito importante que procurem profissionais ligados a área para identificarem riscos e trabalharem na sua eliminação. Empresas vítimas de incidentes de segurança perdem dinheiro em função de ficarem com seus sistemas e serviços indisponíveis que mancha sua imagem levando à perda de competitividade. É muito importante os empresários estarem atentos aos softwares que estão adquirindo. Eles devem questionar e exigir provas de quem a empresa realize boas práticas e testes de segurança contantes.
Crimes Cibernéticos
O que fazer se for vítima de ataques virtuais?*
O cidadão deve, inicialmente, preservar os dados do computador atacado e, em seguida, procurar a entidade policial, que tenha atribuição para investigar, e registrar uma ocorrência.
A quem cabe investigar crimes dessa natureza?
As delegacias distritais da Polícia Civil são responsáveis pelas conduções das investigações. À PF cabe a investigação de crimes referentes a fraudes bancárias eletrônicas, invasões de sistemas de computação, ataques de negação de serviço computacionais e demais crimes de alta tecnologia que afetem sistemas de informação, praticados em desfavor da União ou de suas entidades autárquicas, empresas públicas, ou praticadas por organização criminosa, que tenham repercussão interestadual ou internacional.
Quais os crimes mais comuns?
No RN, há muitos casos de fraudes via internet banking e via clonagem de cartões de órgãos da administração pública indireta, que são investigados pela PF. Também há casos isolados de outros crimes cometidos pela internet (calúnia, difamação, denunciação caluniosa).
O crime praticado na internet, ou através dela, possui algum atenuante ou agravante?
Não. Atualmente, ainda é usado o Código Penal de 1940, ou seja, criado muito antes da invenção da internet. Contudo, encontra-se tramitando no Congresso Nacional um Projeto de Lei (nº 84/1999), no qual serão especificados vários crimes cometidos pela internet, com penas mais severas. Também se encontra pendente de aprovação o Marco Civil da Internet no Brasil, um conjunto de regras definindo os direitos e deveres dos usuários da internet, dos donos de sites, dos provedores de acesso à internet, etc.
*Informações do Grupo de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal e do Núcleo de Investigação dos Crimes de Alta Tecnologia (Nicat) da Polícia Civil do RN.
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