Daniel Turíbio

Daniel Turíbio é jornalista da agência Smartpublishing Mídias em Rede. Já trabalhou com mídia impressa, rádio e assessoria de comunicação. Reside em Natal/RN.

Cruzamentos: um novo endereço de trabalho em Natal

9 de julho de 2012

A mudança de cor do sinal marca a hora de começar o trabalho. Basta o semáforo passar do verde para o vermelho e uma multidão pedindo e oferecendo toda sorte de produto, serviço e até entretenimento, ocupa os espaços entre os veículos. Mais que interseções entre vias públicas, os cruzamentos em Natal se transformam em endereço de trabalho. É lá – em meio ao movimento de vidros que se fecham apressados para se livrar do incômodo e mãos estendidas pela janela para ajudar – onde artistas com malabares, pedintes, vendedores ambulantes, limpadores de parabrisas e entregadores de panfleto ganham a vida. A maior parte chegou aos canteiros por estar desempregado. E o que era bico virou profissão.

Em geral, são pessoas com idade entre 25 e 32 anos, moradoras de bairros periféricos, com baixa escolaridade que encontraram nas ruas trabalho e renda fixa. Como o vendedor de frutas Boanerges Nunes de Abreu Júnior, 33 anos, que desde os 18, trabalha nas ruas. Após 12 anos de lida, somente no cruzamento entre as avenidas Alexandrino de Alencar e a Prudente de Moraes, se orgulha em ter construído a casa e comprar um carro financiado. E, não se engane,   ter “emprego de carteira assinada” está fora dos planos. Contudo, Boanerges se programa para começar a pagar previdência privada. “Esta é a desvantagem. Quando adoece, se acidenta ou mesmo tiver que parar, vai viver do que?”, questiona.

Josinaldo Tavares tem 15 anos dedicados à arte dos malabares. (Foto: Adriano Abreu)

O rendimento mensal por uma jornada diária de 12 horas de trabalho, de segunda à sábado, chega a R$ 2 mil. A rotina é puxada.. É preciso acordar às 3h30 para ir a Ceasa, escolher e comprar frutas e chegar  no sinal a tempo de embalar tudo e “pegar os primeiros clientes, que passam para o trabalho”, explica ele, enquanto corre para a outra ponta da avenida, gritando: “Vai levar uma frutinha hoje, amigo?”

A clientela o chama pelo nome e o ajuda em algumas situações. “Semana passada, ganhei de uma cliente antiga um enxoval quase completo do meu segundo filho, que vai nascer semana  esse mês”, conta sorridente o morador de Felipe Camarão, na zona Oeste, que sustenta esposa e dois filhos com a venda.

Logo a frente, no cruzamento com a Hermes da Fonseca, o sinal vermelho abre espaço para a arte do malabarista Marcelo Andrade, de 22 anos. Depois de percorrer cruzamentos no Alecrim, Lagoa Nova e Tirol, foi ali que ele  se “estabeleceu”, nos últimos seis anos. A arte foi aprendida com outro artista de canteiro e fez do antigo flanelinha, o ‘malabarista da Alexandrino’. As bolinhas laranjas lançadas ao ar fazem, por um instante, o trânsito menos angustiante para motoristas que agradecem com um sorriso, um aplauso ou moedinhas que juntas, ao final do mês, são suficientes para  pagar a mensalidade da moto. Por dia, ele lucra entre R$ 40 e 50. “O melhor é o reconhecimento. Quando eu era flanelinha, não só ganhava menos, como não era respeitado”, disse.

Marcelo mora com a família e não tem despesas em casa. “O que ganho com a minha arte, me ajuda  a não depender da minha mãe”, disse. Mas, para ele, a arte e o canteiro têm prazo de validade. “Vou voltar a estudar e buscar um emprego”, planeja.

A rotatória da Via Costeira, na Avenida Roberto Freire, Ponta Negra, é onde o flanelinha Heriberto Carvalho de Araújo, de 30 anos, segue todas as manhãs, nos últimos oito anos. Beto, como é mais conhecido, já trabalhou como pintor, mas foi com as moedas apuradas lavando parabrisas, que mobiliou e consertou a casa recebida pela Prefeitura. “A gente depende é da boa vontade. O mais difícil é encarar o preconceito de quem sobe o vidro do carro e acha que todo o  mundo que trabalha na rua, é ‘noiado'”, disse em referência a  usuários de droga.

Ao contrário do vendedor de frutas, Beto  gostaria da segurança do trabalho formal. “Mas não estudei, não me preparei, tive que correr atrás logo cedo para sustentar mulher e filho”, disse.

Rotina dos cruzamentos é pesquisada

Se o trânsito é fator de estresse para quem passa nos veículos, para quem está às margens dele oferece  riscos ainda maiores e exige uma preparação para se adequar aos intervalos do semáforo e intempéries. A  estudante de jornalismo Ana Paula Andrade, que trabalhou em campanha de marketing  na rua, conta que a adaptação exige ritmo puxado. “O tempo é curto, o trânsito perigoso e você precisa desenvolver e vender seu produto”, disse. O mais difícil, entretanto, é encarar os olhares do outro lado. “Há preconceito”.

O largo do antigo Machadão é ponto certo para panfletagem e ações de divulgação de empreendimentos. Há cerca de um ano, Fernanda Pereira, de 20 anos, trabalha em campanhas pontuais. E conta que já foi mais difícil. Quando a empresa não tem licenciamento, nem sempre oferece suporte para o trabalhador.  “Eu cumpro o horário comercial, uso fardamento, protetor solar. Mas a maioria não tem essa assistência”.

Depois que concluiu o ensino médio, ela busca emprego com carteira assinada, mas conta que a oferta informal é maior.  Em novembro do ano passado, o Ministério Público recomendou à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanização (Semurb) a adoção de medidas para  fiscalizar a distribuição de panfletos em Natal.

Além dos que comercializam ou divulgam produtos, a  “boa fé” do natalense atrai gente até de outros estados, que se soma na ocupação dos cruzamentos em Natal. Grupos religiosos, filantrópicos, com batinas ou caras pintadas vendem guloseimas, canetinhas e livretos para o sustento de instituições não-governamentais.

Uma vez por semana, integrantes da Comunidade Casa da Paz, de João Pessoa, vem a capital potiguar em busca de caridade. As ações, segundo a irmã Laís Queiroz, de 21 anos, consiste em fazer pedágios nos cruzamentos para conseguir donativos. “Peregrinamos aqui e lá (João Pessoa). E conseguimos nos manter desse jeito. Dependemos e acreditamos na providência divina”, afirma a  religiosa.

O Município, de acordo com a secretária adjunta da Semtas Verônica Dantas, não tem um levantamento de quantas pessoas atualmente vivem e sobrevivem nos canteiros da cidade. Atualmente, explica ela, as ações sociais realizadas pela Secretaria são voltadas para moradores de rua.

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