Natal na era cibernética

15 de outubro de 2012

Deu no caderno de Cidade do Novo Jornal:

PRIMEIRA LEI: UM robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal. Segunda lei: um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que as ordens entrem em conflito com a primeira lei. Terceira lei: um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira e/ou a segunda Lei.

Roboeduc: robótica pedagógica para as crianças. (Foto: www.estudecei.com.br)

As três leis da robótica, elaboradas pelo escritor Isaac Asimov em seu livro “Eu, Robô” e tão bem conhecidas de qualquer fã de ficção científica, podem parecer aos incautos apenas a legislação de uma realidade bem diferente e muito mais avançada que a nossa. E isso até pode ser verdade; engana-se, contudo, aqueles que pensam que os robôs pertençam somente a um futuro distante. Atualmente, os robôs estão presentes nos quatro cantos do mundo, representam avanços para diversas áreas do conhecimento humano – e estão sendo produzidos no Rio Grande do Norte.

O Natalnet é um laboratório localizado no Departamento de Engenharia de Computação e Automação (DCA) da  Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) especializado no desenvolvimento de robôs para os mais variados fins. A cabeça por trás do Natalnet é Luiz Marcos Gonçalves, 48. Carioca de nascença, Luiz Marcos é formado em Ciência da Computação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e com doutorado em Sistemas e Engenharia da Computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele estabeleceu o laboratório da UFRN em 2002, após ter concluído um pós-doutorado na França.

Cerca de 30 acadêmicos integram a equipe do Natalnet. Além de pesquisadores da UFRN, o laboratório conta também com a participação de estudiosos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC).

Como a robótica abrange diversos setores da área das tecnologias, trabalham no laboratório graduandos e pós-graduandos de Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica e Engenharia da Computação. Sob a coordenação de Luiz Marcos, o time atualmente trabalha em 19 diferentes projetos.

Mas o que, afinal, pode ser considerado um robô? Luiz Marcos explica que é importante diferenciar um robô de uma simples máquina automatizada, como um computador ou uma porta automática. “O robô tem uma espécie de ‘inteligência’, entre aspas mesmo, porque consegue ler o seu ambiente e reagir adequadamente”, destaca.

Por exemplo: enquanto uma porta automática de shopping está eternamente fadada a repetir seu movimento de abre e fecha eternamente, não passando de uma ferramenta, um robô seria um pequeno automóvel que reconhecesse um obstáculo em sua trajetória e, para evitar um choque, desviasse sozinho seu percurso.

DEZ DÓLARES NA MÃO E UMA IDEIA NA CABEÇA

O N-Bot, desenvolvido por acadêmicos do Natalnet, é um exemplo de robô: através de sinais de som obtidos de celulares ou tocadores de MP3 acoplados em sua carcaça, o mini-triciclo é capaz de se locomover. Equipado com os sensores necessários, o N-Bot pode adquirir a capacidade de fotografar, filmar e reconhecer obstáculos.

O melhor de tudo é que o robô é uma pechincha: o N-Bot custa 14 dólares, pode ser construído com materiais facilmente adquiríveis no Alecrim e garantiu a uma equipe de quatro pesquisadores do Natalnet o segundo lugar na categoria geral do “Desafio do Robô de 10 Dólares”, lançado pela Afron (African Robotics Network, algo como Rede de Robótica Africana em tradução livre) para construção de um robô educacional barato para ser utilizado nas salas de aulas africanas. O concurso aconteceu entre os dias 15 de junho e 15 de setembro deste ano.

“Saímos na Wired e em diversas outras revistas internacionais por causa dessa vitória. Existe um kit da Lego chamado Mindstorm para construção de robôs com peças de Lego de maneira simples e didática, mas que custa R$ 1.000,00. A gente até usa esse kit no Natalnet, mas ainda é um preço muito caro. A ideia do concurso da Afron era promover um robô barato o suficiente para que cada aluno de escolas africanas pudesse ter o seu próprio”, conta Rafael Arouca, 32 anos, integrante da equipe que desenvolveu o N-Bot, cujo sistema está patenteado.

Bacharel em Ciências da Computação pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorando em Engenharia Elétrica e de Computação pela UFRN, Arouca acredita que a presença de robôs nas salas de aula é capaz de motivar os alunos a estudar, mesmo que o conteúdo da aula não tenha a ver com robótica. “Até nas matérias tradicionais, o ensino fica mais rápido e atrativo com um robô apropriado em sala de aula”, afirma.

UM APARELHO ESPACIAL PARA PROTEGER O MEIO AMBIENTE

Foto: Argemiro lima

Um dos robôs que foram desenvolvidos no Natalnet é o NatalGIS, um mini-helicóptero com autonomia para voar sem piloto, tirar fotos e fazer vídeos. Segundo Luiz Marcos, o produto final tem funções como a de filmar parrachos e fotografar as dunas da cidade. Dessa maneira, pode ser utilizado em estudos sobre a preservação do meio-ambiente.

A iniciativa foi viabilizada através da Chamada Universal divulgada em maio deste ano pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação  (MCTI) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O projeto já foi encerrado e o robô concluído, mas suas linhas gerais agora estão servindo de base para que Thiago Oliveira, integrante do laboratório, desenvolva seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Thiago tem 24 anos e é estudante de Engenharia da Computação. A meta de seu TCC é desenvolver a programação de piloto automático para que o hardware (a parte palpável do robô) possa voar sozinho. Como o Natalnet foca mais na parte de computação, e não na construção das peças, a equipe comprou um hardware pronto e somente as adaptações necessárias foram feitas na UFRN. Ao estudante, coube a programação do software do robô.

“Antes de testar o meu piloto automático na prática, eu uso um programa de simulação chamado FlightGear. Só quando tudo dá certo na simulação é que testamos no hardware mesmo”, explica o jovem. O NatalGIS que está sendo desenvolvido pelo universitário ainda não fez seu primeiro vôo – o rapaz ainda está testando o programa no simulador.

Entretanto, mesmo um vôo sem percalços no computador não é garantia que o programa vá funcionar na vida real. Luiz Carlos ressalva que o helicóptero provavelmente cairá nas primeiras vezes e só voará corretamente à medida que Thiago for fazendo as alterações necessárias no seu programa.

ROBÓTICA PARA TODA CRIANÇADA

Apesar de ser um laboratório voltado para a pesquisa acadêmica, o Natalnet também foi o berço de uma empresa que hoje está plenamente inserida no mercado, caminhando com seus próprios pés. A RoboEduc é uma instituição que atua na área da robótica educacional- basicamente, trata-se de um curso (ou um clube, como preferem denominar seus sócios) de robótica lúdica para crianças em idade escolar.

“A RoboEduc nasceu de um projeto de extensão que existia na universidade desde 2006, tocado por pessoas que atuavam no Natalnet. A gente atuava em escolas públicas, apresentando a robótica para as crianças. Em 2008, foi lançado um edital para incubação de empresas na área de computação pela primeira vez na UFRN. Tivemos, então, a ideia de montar a empresa.

Conseguimos ser uma dos três grupos eleitos, dentre mais de 20 concorrentes. A empresa ficou sendo incubada na universidade até 2010, quando inauguramos uma sede própria”, conta Renata Pitta, uma das seis cofundadoras da RoboEduc e integrante da equipe que desenvolveu o N-Bot.

Renata era graduanda em Engenharia da Computação quando entrou na RoboEduc, que então era apenas um projeto de extensão. Hoje, ela tem um mestrado em Robótica Pedagógica e está fazendo um doutorado na mesma área. Ela explica que, embora inicialmente o objetivo do grupo fosse apresentar a robótica através de um curso convencional, a ideia acabou evoluindo para a de um clube que conciliasse entretenimento com educação.

“Não queríamos dar para a criança a sensação de que ela teria que ir para mais uma escola após ter concluído seu dia letivo, e sim de que ela iria brincar, se divertir”, explica.Por isso, em vez de uma aula didática, convencional e tediosa, os alunos participam de encontros semanais de três horas de duração divididos por etapas. No começo das aulas, os monitores levantam algum tema pertinente da atualidade – digamos, por exemplo, coleta seletiva. Depois, é lançado o desafio: que robô seria capaz de solucionar os problemas dessa área?

Somente então as crianças põem realmente a mão na massa: orientadas pelos professores, as crianças montam os robôs adequados usando o Lego Mindstorm. A programação de cada robô também cabe aos estudantes, sendo feita através de um software didático e com interface amigável desenvolvido pela equipe da própria empresa.

Para solucionar o problema da coleta seletiva, por exemplo, os alunos da RoboEduc já construíram um robô capaz de detectar e diferenciar as cores das lixeiras da coleta seletiva para poder coletar cada tipo de material separadamente. Do forno da empresa, já saíram também robôs capazes de escavar e outros que conseguem manejar bisturis, pinças e outros aparatos médicos, dentre outros tantos.

Esse sistema educacional é bastante abrangente; existem 60 crianças de quatro a 17 anos matriculadas na RoboEduc, subdividas em três grupos pela idade. A equipe da empresa – cuja sede é uma casa na Rua Doutor Lauro Pinto, na Candelária – é composta por seis monitores e três funcionários responsáveis pelos afazeres domésticos, além dos seis cofundadores. Cada monitor é aluno de graduação no setor de tecnologia da UFRN.

“O trabalho na RoboEduc quase como se fosse um estágio para eles, embora não seja considerado oficialmente um”, aponta Renata.Para a cofundadora do grupo, o papel da RoboEduc é de preparar as bases para um ensino da robótica mais abrangente no Rio Grande do Norte. A empresa foi a primeira a realizar um trabalho do tipo no estado.

“Não queremos uma coisa utópica, queremos mostrar que é perfeitamente possível integrar robôs no ensino. E isso não em ensino especializado, mas na escola tradicional. O computador, por exemplo, é uma ferramenta que foi sendo integrada aos poucos. Nós orgulhamos de ter lançados as bases para que outros grupos possam realizar trabalhos do tipo no Rio Grande do Norte”, afirma.

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