Panorama do SUS: a realidade no RN

21 de junho de 2012

O Sistema Único de Saúde, o SUS, é conhecido pela população como sistema que tem o objetivo maior de cuidar e promover a saúde de toda a sociedade, independente de raça, credo, classe social e local de moradia.

O SUS foi criado em 1988, a partir da insatisfação existente em relação aos direitos de cidadania e ao precário acesso de serviços e formas de organização do sistema de saúde. Foi assim, que a Constituição Federal determinou ser dever do Estado a garantia à saúde, e em 1990, o Congresso Nacional aprovou a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080/90), que detalha o funcionamento do Sistema. Um dos princípios do SUS é a democratização nas ações e nos serviços de saúde que deixam de ser restritos e passam a ser universais, passando também de centralizados para descentralizados. O Sistema Único de Saúde tem seus serviços administrados pelos governos federal, estaduais e municipais e por organizações sociais. Antes disso, apenas os trabalhadores com carteira registrada podiam ser atendidos nas unidades públicas de saúde.

Maior parte da população e dos gestores conhece apenas o SUS que ainda não funciona, como por exemplo os corredores lotados e desabastecimento nas unidades de saúde. Porém, poucos sabem que SUS constitucional concorre ao mérito internacional de ser um Patrimônio da Humanidade, referenciado pelos países desenvolvidos (Foto: José Aldenir)

Nos locais onde faltam serviços públicos, o SUS realiza a contratação complementar de serviços de hospitais ou laboratórios particulares, para que não falte assistência às pessoas. Deste modo, esses hospitais e laboratórios também se integram à rede SUS, tendo que seguir seus princípios e diretrizes. O SUS é composto por uma hierarquia, que engloba os centros de saúde, que podem ser procurados diretamente pela população, depois as policlínicas e hospitais, que oferecem serviços mais complexos e para onde as pessoas são encaminhadas, mas devem ser referenciadas pelos centros de saúde. Já os prontos-socorros são para casos de urgência e emergência. Respectivamente, estas assistências são chamadas de atenção básica, média complexidade e alta complexidade.

Mas o papel do SUS vai além de medicar doentes e realizar cirurgias. A partir do princípio da integralidade, é obrigatória a realização de todas as ações necessárias para a promoção, proteção e recuperação da saúde de todos, como a garantia de vacinas à população, combater às doenças, entre outras ações.

A professora e diretora do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Maria Arlete de Araújo, reforça que dentro da estruturação do SUS, o Governo Federal é responsável pela fiscalização e desenvolvimento das políticas de saúde, já os municípios atuam na execução da política de saúde e o Estado aparece como ente articulador, também resolvendo os casos que os municípios encontrem dificuldades. Dentro da estrutura dos mecanismos de participação do SUS, as Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde têm um papel fundamental, pois agem na construção do sistema “Os Conselhos Municipais, por exemplo, têm o poder de deliberar sobre contas, plano de gestão, agenda de saúde, mas nem sempre são capacitados para isso. No Brasil buscou-se criar conselhos em quase todas as políticas públicas, mas isso não significa dizer que eles cumpram este papel. Já nas Conferências de Saúde nem sempre que o que é discutido é aplicado nas políticas públicas. Quando se trata de saúde é preciso pensar de maneira interligada com as questões sociais. Se não for de forma articulada, não resolve. No Brasil há uma grande dificuldade de implantação de políticas intersetoriais, pois acabam sendo estabelecidas disputas entre os programas”, observa.

Segundo Maria Arlete de Araújo, o tema SUS deveria ser repolitizado, isto é, entrar na Agenda, conjunto de temas que se transformam em políticas públicas. “Acredito que os maiores problemas do SUS estão em questões como financiamento, gestão, renúncia de receita, capacitação dos conselhos e na desigualdade dos municípios, que tem níveis de desenvolvimento econômico distintos. Outro questionamento é que o Ministério de Saúde implementa a política de saúde através de programas, só que programas não são política de estado e sim de governo”.

RESPONSABILIZAÇÃO
Os gestores têm que atender o órgão de controle, dar satisfação de seus desempenhos, com informações precisas e transparentes. Esta responsabilização vai  além de uma “prestação de contas”, pois têm que ser resolvidos os problemas da comunidade.

CONTROLE SOCIAL
Sobre o controle social, Maria Arlete reforça ser necessário que a população esteja mais presente na cobrança por melhorias. “Quando se aproxima o cidadão de uma tomada de decisão, aumenta o controle social. Os cidadãos que têm plano de saúde acabam ficando numa zona de conforto – até porque os gastos são deduzidos do Imposto de Renda – e não brigam pela saúde pública. O ideal é que nós participemos desde o início do processo até o controle. O SUS deve ser um valor de todos nós”.

RN NO SUS
De acordo com a ex-secretária municipal de Saúde e professora da UFRN, Ana Tânia Lopes Sampaio, o Rio Grande do Norte só se habilitou no SUS em 2002, quando a Secretaria de Estado da Saúde Pública (SESAP), por não estar habilitada em nenhuma modalidade de gestão do SUS, perdeu a possibilidade de receber os recursos da alta complexidade do município de Pau dos Ferros, que foi o único município no Estado a se habilitar aos moldes da Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS). “E mesmo assim se habilitou sem apresentar o Plano Diretor de Investimento-PDI, o que fragilizou a estruturação dos 28 módulos assistenciais previstos no Plano Diretor de Regionalização no RN. Em 2006 tivemos a publicação da Portaria GM 399/06 do Pacto da Saúde (acordo consensual dos entes públicos para tentar cumprir a lei), que é a atual instrução normativa a qual possibilitou a todos os municípios a condição de plenos do sistema, ou seja, gerir a totalidade de seus recursos (Atenção Básica, Média e Alta Complexidade), além de proporcionar avanços significativos nos instrumentos de gestão”.

Segundo Ana Tânia, o Pacto tem três dimensões: Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão. “São muitos os avanços possibilitados juridicamente pelo pacto no SUS, no entanto se repete a fragilidade em não se fazer cumprir a Lei. Mais recentemente tivemos o Decreto Presidencial 7508/11 que regulamenta e avança em vários aspectos da Lei 8080/90. Percebe-se claramente que temos um SUS excessivamente cartorial e pouco operacional. No papel tudo é perfeito, mas posso garantir que tudo seria diferente se conhecêssemos e aplicássemos os conteúdos infraconstitucionais do SUS”.

FRAGILIDADES
Para a ex-secretária municipal de Saúde, a maioria dos gestores desconhece a legislação do SUS, bem como grande parte dos cidadãos brasileiros. “Creio que é por isso que hoje o SUS concorre ao mérito internacional de ser um patrimônio da Humanidade, os países desenvolvidos reverenciam os princípios do SUS, penso até que os estrangeiros conhecem mais sobre o SUS do que nós brasileiros. As vezes que mais me orgulhei de ser brasileira, foi quando representei o Brasil em eventos internacionais da saúde. Eles conhecem a legislação do SUS mais do que nós e sonham com isso, e claro, não podemos defender o que não conhecemos. O SUS que é mostrado é o dos corredores cheios de maca, Unidades Básicas sem condições mínimas de estruturas, usuários sofrendo em filas e muitas outras tristezas que nos partem o coração, mas este não é SUS constitucional, este é o SUS que os brasileiros estão permitindo que se viabilize, mas não sai do papel”.

Ana Tânia frisou que esta realidade é consequência a gestão pública da saúde é engessada, e a burocracia inviabiliza qualquer administração. “Precisamos mudar isso, precisamos nos mobilizar para modernizar e agilizar a gestão pública na saúde. A sociedade desconhece os pressupostos organizativos do SUS e por isso fica apática, não exerce seu papel no controle social, o que é amplamente possibilitado no âmbito legal”,
Mas, segundo a especialista, enquanto há um avanço considerável na legislação do direito a saúde, na prática este direito não é viabilizado, ocasionando dificuldade de acesso, pouca resolutividade e déficit na qualidade da atenção ao usuário. “Este quadro gera uma grande demanda para o judiciário, uma vez que seu papel é julgar o não cumprimento das Leis (judicialização da saúde). O que tem acontecido historicamente é a transferência de responsabilidades da União sem a compatível transferência de recursos para viabilizar estas ações”.

TERCEIRIZAÇÃO
Para Ana Tânia, o processo de terceirizar a gestão de serviços públicos na área é transferir responsabilidade da gestão pública e do patrimônio público (equipamentos e recursos humanos) é inconstitucional. “A terceirização só é legal para atividades meio, ou seja, terceirizar limpeza, manutenção, vigilância é possível, aliás, importante, pois não tem cabimento diretores de hospitais estarem perdendo energia se preocupando em consertar equipamento, providenciar uma correia que quebrou, repor oxigênio que acabou. Nosso servidor público deve dedicar todo seu tempo no foco da qualidade da atenção e assistência prestada ao usuário”.
A ex-secretária municipal de saúde ainda destacou que uma forma de incentivar a “terceirização” é confundir a opinião pública. “Basta oferecer as condições para o serviço público funcionar, taxá-lo de incompetente e ineficaz e terceirizar a gestão com contrato de valores três vezes muito maiores do que a tabela SUS (livre de algumas arestas da gestão pública)”.

DESTAQUES
Ana Tânia também conta que é preciso fazer com que a sociedade conheça os benefícios do SUS, que é considerado o modelo que alcança o maior número de pessoas em todo o mundo. “A população não conhece o SUS que funciona, porque não é mostrado, e os que sabem não divulgam. No Rio Grande do Norte, o único hospital que não é prestador do SUS é o São Lucas, todos os outros prestam excelentes serviços aos SUS. No entanto, o usuário faz o procedimento, mas não sabe que quem está pagando aquele serviço é o SUS”. Ela também completou. “Quando se pergunta a algum cidadão brasileiro se ele usa o SUS, eles dizem que não, porque vincula o SUS meramente à rede de assistência pública, aos corredores cheios e Unidades Básicas faltando tudo e com dificuldade de acesso. No entanto, eles não sabem que usam o SUS todos os dias ao beber água, ao consumir alimentos e usar cosméticos, pois todos esses serviços necessitam da liberação e análise da vigilância sanitária que é uma instância do SUS”.

O Brasil possui o melhor sistema público de transplante de órgãos do mundo, o sistema de imunização está em segundo lugar, concorrendo para o melhor do mundo, e o SUS é o único sistema do mundo que proporciona o tratamento público aos soropositivos e doentes de AIDS, com tratamento fora do domicílio (em outros estados do Brasil) e garantia de passagens áreas, inclusive para acompanhantes em hospitais de referência do Brasil. “O SUS oportuniza aos usuários de todas as classes sociais o tratamento e acesso aos medicamentos  de alto custo.

Cabe destacar, que grande parte dos usuários da UNICAT, da Liga contra o Câncer, da hemodiálise, dos procedimentos cardiológicos são pessoas de classe média alta, enfim, são muitos destaques que não se falam porque não é interessante que a população saiba disso. Quando eu fui secretária de saúde de Natal fiz uma portaria, que não chegou a ser publicada, que em todos os hospitais privados que fossem prestadores do SUS teriam um outdoor na frente dizendo ‘Aqui prestamos um serviço aos SUS de qualidade’”.

Deixe seu comentário:

© 2015 RioGrandedoNorte.Net - Todos os Direitos Reservados

O RioGrandeDoNorte.Net seleciona as notícias mais importantes da semana a partir das mais confiáveis fontes de informação setorial. Em algumas delas, agregamos o noticiário de um assunto em um só item, ressaltamos (negritando) ou até comentamos (grifando) a notícia original, caso pertinente.