A novela Henasa ganhou ontem mais um capítulo. A comissão de procuradores do Município designada para analisar o processo que resultou num acordo para pagamento de R$ 95 milhões à Henasa Empreendimentos Turísticos entrou com uma ação civil pública para anular a decisão judicial que fixou o pagamento de indenização para a empresa. Se até agora as suspeitas do TCE estão centradas na atualização do valor da dívida, fixada em 1995, quando a Henasa teve decisão favorável da Justiça, os procuradores do Município questionam algo além: o próprio direito da empresa em receber uma indenização.
As supostas irregularidades encontradas pela comissão de procuradores não estão ligadas aos fatos encontrados e relatados pelo Tribunal de Contas do Estado. O TCE afirmou que houve erros no cálculo da atualização do valor da indenização. Essa indenização era R$ 17 milhões em 1995. Ao se atualizar o cálculo para o ano de 2009, chegou-se ao número de R$ 191 milhões, número esse considerado “superfaturado” pelo TCE. Segundo o Tribunal de Contas, a dívida atualizada seria de R$ 72 milhões. O processo que discute essa questão vem sendo conduzido no próprio TCE. Já a comissão viu um “vício insanável” na decisão judicial que reconheceu, ainda em 1995, o direito da Henasa em receber uma indenização do município de Natal.
Os procuradores, segundo o presidente da comissão, entendem que o Município foi incluído como responsável pelos prejuízos da Henasa de forma indevida. Para entender isso, é preciso relembrar como a confusão começou. O Hotel Praia Azul, de propriedade da Henasa, foi embargada no fim da década de 80 pelo Instituto de Planejamento Urbano de Natal (Iplanat). Ao mesmo tempo, e de forma autônoma, um casal que morava na residência vizinha ao local onde o hotel estava sendo construído entrou na Justiça para conseguir o embargo, alegando que o imóvel de posse dos dois sofria riscos com a construção. O embargo administrativo feito pelo Iplanat logo foi derrubado pela Justiça, enquanto que a ação dos vizinhos do hotel continuou, segundo o procurador Erick Pessoa.
A ação do casal por sua vez causou um “embargo” judicial à obra. À época, a Henasa se utilizou de uma reconvenção, instrumento jurídico que tornou réu quem antes era o acusador, no caso as duas pessoas que se sentiam lesadas pela construção. A Henasa cobrou dos vizinhos “perdas e danos a quem deram causa com a paralisação da obra”. Essa reconvenção não foi acatada pela Justiça, mas os vizinhos foram “inseridos” no primeiro processo, que derrubou o embargo do Iplanat. E dessa forma condenado, de forma solidária, ao pagamento da indenização.
Posteriormente, os vizinhos do hotel da Henasa foram eximidos de responsabilidade por decisão do Superior Tribunal de Justiça. A Prefeitura de Natal, segundo a tese dos procuradores, foi incluída como devedora a partir um pedido que, na ação originária, não tinha sido dirigido ao Município, mas às pessoas que de forma independente entraram na Justiça para embargar a obra
Com todo esse relato como pano de fundo, o procurador Erick Pessoa explica que o Município foi condenado sem nem ao menos ter sido citado no processo de reconvenção. “A ação civil pública busca desconstituir o processo por conta de um vício insanável”, explica o procurador. Além disso, foi pedida a suspensão do pagamento de qualquer valor referente à dívida anteriormente chancelada pela Justiça.
O processo será distribuído na manhã de hoje, segundo informações da Assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça, para uma das varas da Fazenda Pública.
O advogado da Henasa, Fernando Caldas, afirmou que o procedimento do Município é mais uma forma de protelar o pagamento da dívida com a empresa. “Decisão da justiça deve ser respeitada, no entanto é importante lembrar que esta é uma atitude que tenta protelar mais uma vez, uma decisão já transitada em julgado, de um processo que durou na justiça 30 anos e percorreu todas as instâncias do Judiciário. Só resta agora aguardar mais uma vez, uma decisão da justiça”, afirmou em nota.
Advogados afirmam que não conheciam valores do acordo
Em relação ao próprio acordo de R$ 95 milhões – fato que primeiro chamou a atenção no caso Henasa, após o escândalo dos precatórios no Tribunal de Justiça – uma visita do procurador-geral do Município, Francisco Wilker, ao escritório de Cândido Dinamarco, em São Paulo, trouxe um dado novo. Wilker foi até São Paulo para obter mais detalhes sobre a atuação do escritório paulista na defesa dos direitos do Município nos processos judiciais relativos ao caso Henasa. A informação passada pelo escritório acrescenta mais dúvidas à condução do acordo.
Segundo o procurador-geral, o escritório de Cândido Dinamarco não fez nenhum tipo de conferência do cálculo de atualização do valor da dívida. Os advogados paulistas deram parecer favorável ao acordo tomando como base o tamanho do desconto (50%) oferecido pela Henasa e não o valor atualizado da dívida. “Eles foram favoráveis tendo em vista que um desconto de 50% é vantajoso e não no que diz respeito ao valor da atualização”, disse Francisco Wilker. O procurador geral evitou fazer qualquer comentário acerca das implicações disso no caso. “Não estou fazendo uma caça às bruxas. Somente defendo tecnicamente os interesses do Municípío”, disse.
Um parecer por escrito do escritório de Cândido Dinamarco foi enviado à Procuradoria do Município, mas quase um ano depois da celebração do acordo. O acordo foi assinado em novembro de 2009 e a “opinião jurídica”, como está escrito no documento ao qual a TRIBUNA DO NORTE teve acesso, em setembro de 2010. O ex-procurador Bruno Macedo, um dos que assinou o acordo com a Henasa, disse em entrevista coletiva há alguns meses que foi orientado verbalmente pelo escritório a dar seguimento ao acordo.
Macedo afirma que a responsabilidade sobre a conferência dos cálculos era do próprio escritório, tendo em vista que foram contratados para atuar no caso. “A obrigação contratual era fazer o acompanhamento do caso, inclusive a conferência dos cálculos”, afirma.
O Ministério Público Estadual investiga a existência de um suposto conluio entre Bruno Macedo e a Henasa, incluindo o advogado Fernando Caldas, para “superfaturar” o precatório da empresa. Essa suspeita foi levantada pelo TCE em um dos relatórios parciais sobre os desvios de recursos no setor de precatórios do TJRN. A investigação é sigilosa.
Tribunal de Contas já apontou irregularidades
O TCE apontou, em abril, irregularidades no cálculo e acordo do precatório da Henasa com o Município de Natal e que teve o TJRN como interveniente. A base das supostas irregularidades é a correção monetária do valor sentenciado pela Justiça em 1995. À época, a Prefeitura de Natal foi condenada a pagar cerca de R$ 17 milhões à Henasa Empreendimentos Turísticos LTDA, por ter embargado a construção de um hotel em Ponta Negra em 1987.
É praxe a correção monetária em todos os pagamentos de precatórios. Nesse caso, segundo a investigação do TCE, foram identificados juros sobre juros e honorários indevidos, além de ter havido acréscimos em um período onde o processo estava parado. Todos esses critérios, embutidos nos cálculos da Divisão de Precatórios do TJRN, sob responsabilidade de Carla Ubarana e João Batista Pinheiro, elevaram, para o TCE, o valor do precatório da Henasa de R$ 72 milhões para R$ 191 milhões.
AVALIAÇÃO
A avaliação dos técnicos do TCE mostrou que no período de oito de junho de 2005 a 8 de maio de 2007 uma medida cautelar suspendeu o pagamento do precatório. A comissão afirma que, por estar suspenso o pagamento, não há porque acrescentar juros. De acordo com o relatório parcial: “a terceira irregularidade consiste em não considerar que o pagamento do precatório estava suspenso no período e que não deveria ocorrer a incidência de juros de mora, por não ser possível falar em atraso da municipalidade”. Esse fator retira da “conta” quase dois anos de juros incluídos no cálculo do valor atualizado do precatório.
As outras supostas irregularidades dizem respeito à inclusão de “juros sobre juros e honorários sobre honorários”. Com todas essas observações, o TCE chegou ao valor real de R$ 72 milhões, contra R$ 191 milhões do cálculo da Divisão de Precatórios.
Como o acordo entre Município e Henasa fixou em R$ 95 milhões o pagamento, é como se o Município tivesse concordado em pagar R$ 22 milhões a mais do que o devido à Henasa. Até agora foram pagos R$ 19 milhões pela Prefeitura. O prejuízo real ainda não aconteceu.
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