Notícia publicada no caderno de Cidades do Novo Jornal:
O motorista Gilvamar Azevedo Mariz, 57, era um homem bastante ativo até maio do ano passado. Percorria o Rio Grande do Norte inteiro com seu caminhão de transportes. Um dia, logo após o banho, achou estranho não ter mais forças para se vestir. Os braços não tinham mais agilidade e passou a sofrer dificuldades para caminhar. As pernas estavam rígidas. Por conta da família, procurou um médico. Descobriu ser portador de Esclerose Lateral Aminiotrófica (ELA), uma doença rara e sem cura, que atinge apenas 104 pessoas em todo o Rio Grande do Norte.
O caso de Gilvamar é ainda mais grave. Ele também possui uma doença associada: a demência fronte-temporal. Todo dia apresenta lapsos de memória e mudanças súbitas no humor. “Ele é muito teimoso. Ainda acha que não está doente”, conta a filha, a técnica de enfermagem Maria Aparecida Dantas, 31.
“Eu não estou doente. Não tenho nada. Só me esqueço um pouco das coisas, e só. Eu não queria ficar em casa. Sinto falta do trabalho”, rebate Gilvamar, repetindo o que disse no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL) durante uma consulta de rotina.
Ele tem consciência do diagnóstico, mas prefere não aceitar. É que a doença que possui não tem causa conhecida e nem tratamento definitivo. A ELA é neurodegenerativa e leva ao enfraquecimento muscular de forma progressiva. Pode levar à morte devido às complicações respiratórias.
Apesar de a doença ser conhecida e estudada, embora rara, a medicina condiciona apenas serviços paliativos aos que sofrem deste tipo de enfermidade.
Após debilitar braços e pernas, atinge o aparelho respiratório e toda a deglutição. Os músculos do peito e da mastigação param de trabalhar. A pessoa não consegue respirar ou comer por conta própria. Por conta disso, necessita de acompanhamento permanente.
Gilvamar ainda não apresenta estes problemas. Possui dificuldades para caminhar e movimentar os braços. Crê que isso seja resultado dos anos em pilotava o caminhão. “Eu sei o que vai acontecer. Estou preparada, mas já meu pai, não; este é nosso maior drama”, relata Maria Aparecida.
Mas uma iniciativa criada pelo Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS), do Hospital Universitário Onofre Lopes, pode significar avanço na qualidade de vida daqueles que já apresentam um quadro avançado. Um grupo de cinco pesquisadores criou uma máquina capaz de ler e interpretar as informações dos respiradores mecânicos. Estes equipamentos são ligados aos pacientes de acordo com o avanço da degeneração muscular.
Ricardo Valentim, coordenador do LAIS, explica que os estudos foram iniciados quando lhe foi pedido um projeto de monitoração da apneia. “Aí, um médico neurologista me falou sobre essa esclerose. Ele me pediu uma solução mais eficiente para melhorar a qualidade de vida e aumentar a sobrevida do paciente”, disse Valentim.
Paciente tem cuidado em tempo integral
A iniciativa foi deflagrada em março de 2012, com uma ideia, e hoje já conta com o protótipo de um sistema inteligente para o prognóstico no avanço da Esclerose Lateral Amiotrófica. O projeto foi batizado de “Um Anjo para Ela”. “A explicação é simples. A ideia é monitorar e cuidar do paciente em tempo integral. Com este equipamento, nós garantimos isso. É uma forma de automatizar para humanizar”, contou.
“A doença afeta a deglutição, mastigação e a respiração dos pacientes. Cada um deles deve ter acompanhamento constante de uma equipe médica, mas, por conta das falhas da rede pública de saúde, estes profissionais não estão sempre disponíveis. Por isso, nós criamos um sistema de monitoramento à distância”, comentou.
A ideia do projeto é utilizar as informações do aparelho chamado de Pressão Positiva Bifásica nas Vias Aéreas (Bilevel), os populares ventiladores mecânicos, através de um sistema de computação móvel capaz de monitorar de forma on-line o equipamento.
Um programa faz a leitura dos dados e, a partir da verificação de alguma anormalidade, como a diminuição da frequência respiratória, envia os resultados para uma unidade hospitalar. As informações, de forma simultânea e automatizada, são enviadas à equipe médica responsável por meio de mensagens celulares.
O funcionamento do equipamento é simples. Sobre o leitor do respirador mecânico existe uma câmera; as imagens são lidas e interpretadas por um autocontrolador, uma espécie de micro-computador embutido à máquina, que interpreta os dados e produz uma avaliação do estado do paciente.
“A câmera é um olho artificial. O nosso sistema utiliza a visão computacional para a leitura das informações”, informou Pablo Holanda, 22, aluno de Engenharia de Computação e um dos desenvolvedores do projeto.
A iniciativa criada no Rio Grande do Norte é inédita em todo o mundo. Institutos de pesquisa da França e Espanha já mostraram interesse no projeto. O sistema monitora o oxímetro (quantidade de oxigênio no sangue), a frequência respiratória e o fluxo dos movimentos de inspiração e expiração.
O mecanismo se vale do desenvolvimento dos estudos de telemedicina, já que a máquina monitora a capacidade respiratória do paciente de forma remota. “Nós criamos uma rede neural artificial. Nosso equipamento é capaz de ler e interpretar a informação”, afirmou Valentim.
No momento em que os músculos respiratórios são comprometidos, existe urgência para a ventilação mecânica aos pulmões sem que haja a necessidade de vias aéreas artificiais. A partir da perda de 30% da capacidade respiratória, já se faz necessário o uso do equipamento.
“Nosso objetivo foi o de desenvolver um sistema que possibilite monitorar, de forma on-line, os ventiladores mecânicos, de forma a garantir que o médico responsável seja notificado via celular assim que o paciente estiver passando por dificuldades. Estamos contribuindo significativamente para melhoria da qualidade de vida destes pacientes”, informou Marcel Ribeiro Dantas, 23, outro aluno de Engenharia de Computação e um dos pesquisadores de desenvolvimento do projeto.
O respirador mecânico é cedido gratuitamente pela rede pública de saúde, através do Governo do Estado, e o valor do equipamento varia entre R$ 10 mil e 15 mil. Já a máquina produzida pelos técnicos do HUOL ainda não possui preço definido. A ideia é que esteja no mercado daqui a dois anos.
O diagnóstico e o início precoce do tratamento são dois requisitos fundamentais para retardar a evolução da doença. No entanto, até o diagnóstico, o caminho é difícil. Este é o caso da aposentada Maria das Dores Rêgo, 80, a “Dona Dorinha”, que só descobriu a doença que a impedia de executar os afazeres domésticos após três anos de convivência com a doença.
Dona Dorinha é um caso raro na medicina. Diagnosticada há 13 anos, é uma das poucas pacientes que ultrapassaram a taxa média de sobrevida da ELA. Segundo avaliações do HUOL, os pacientes atendidos têm sobrevida média de cinco anos. Ela hoje quase não fala. A voz é um fiapo. Pés e mãos estão enrijecidos. Não possui qualquer mobilidade. Depende exclusivamente de duas filhas, que a “vigiam” 24 horas por dia. Na sexta-feira passada, elas levaram a matriarca para uma consulta com nutricionistas.
Os pacientes da esclerose costumam perder peso, tornando-se necessário recorrer a um nutricionista, dado que a doença aumenta as necessidades calóricas do indivíduo enquanto ele tem problemas para se alimentar corretamente. Quando os casos se agravam, é necessária uma cirurgia chamada de gastrotomia. Consiste na implantação permanente de uma sonda no estômago para receber alimentação adequada. Dona Dorinha tem uma dieta bem regrada; a alimentação é feita com sopas, caldos e mingau.
As filhas não quiseram falar com a imprensa. Já a senhora, não, fez questão de posar para fotos e mostrar que estava bem. “Estou feliz”, disse, demonstrando enorme força interior. “A doença debilita toda a musculatura. A pessoa vai definhando;só o que podemos fazer é tentar retardar esta degeneração”, conta Jourdan Galvão. Os cuidados multidisciplinares, afirma Galvão, são fundamentais para garantir a qualidade de vida dos pacientes. No HUOL, a equipe está sob a supervisão do médico neurologista Mário Emílio e também recebe ajuda de psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e nutricionistas.
Uma das participantes da equipe é a psicóloga Glauciana Dantas, que tem o papel de recepcionar pacientes e familiares. “Não existe medicamento para a esclerose lateral. Temos de fazer com que as pessoas entendam que o trabalho de fisioterapia e apoio nutricional é importante para ampliar, na medida do possível, a função muscular e o bem-estar do paciente”, explica.
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