Saúde pública é o princípio fundamental do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecido pela Lei nº 8.080/90, complementar a Carta Magna de 1988. Em Natal, especialistas, profissionais de saúde e sindicalistas apontam que a Saúde Municipal precisa fazer o resgate da gestão pública e impor qualidade e eficiência ao sistema. Hoje, o gargalo está exatamente na Atenção Básica que, para todas as fontes ouvidas, deve ser a prioridade número um do novo gestor.
A saúde municipal é o tema da quarta e, penúltima, reportagem da série “Os desafios da nova administração municipal”, que se iniciou no último domingo, 01. Amanhã, a TRIBUNA DO NORTE encerra a série com abordando o tema Funcionalismo Público. Para a presidente do Conselho Municipal de Saúde, Rita de Cássia Dantas, “o SUS deixa bem claro” que a gestão do sistema deve ser pública e que o privado entra apenas em caráter complementar.
Em Natal, especialistas, profissionais e sindicalistas apontam que a Saúde municipal precisa fazer o resgate da gestão pública e impor qualidade e eficiência ao sistema. (Foto: Alberto Leandro)
“Esse caminho atual que a gestão tomou de privatizar o SUS, terceirizando serviços é equivocado e precisa ser revisto porque se entregou unidades para gestão de organizações sociais a um custo muito algo para o erário público”, disse a presidente do CMS. Para Rita de Cássia “essa forma de gestão abre espaço para fraudes, para sangria do dinheiro público”.
As terceirizações de gestão das Unidades de Pronto-Atendimento (UPA Pajuçara) e dos Ambulatórios Médicos Especializados (AMEs) está sendo alvo de questionamentos e investigações por parte do Ministério Público Estadual, que deflagrou a Operação Assepsia, por suspeitas de irregularidades e desvios de recursos nos contratos. “Enquanto as gestões fizerem a escolha política pela gestão privada vamos estar desperdiçando recursos”, disse Rita de Cássia.
Segundo o representante do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Júnior, o novo gestor deve trabalhar para preservar o SUS. “Em se tratando do Sistema Único de Saúde não temos direito de errar mais. Não errar mais, pra mim, significa, dentre em outras coisas, não estabelecer especificamente na gestão, modelos que facilitem os desvios, que facilitem a corrupção”, afirmou Júnior.
Para o presidente do Sindicato dos Médicos do RN, Geraldo Ferreira, “o novo gestor tem que dar freio na privatização do SUS e recuperar a máquina do Estado para, a partir daí, começar a definir modelos de eficiência, para desafogar os hospitais de urgência e eliminar possibilidades de fraudes”. A seu ver “não é que o processo de terceirização não possa existir, mas na saúde, ele tem um nível de contaminação muito exagerado, quando deve estar restrito apenas aos serviços de apoio”.
Para a presidente do Sindsaúde, Sônia Godeiro, sem dúvida a saúde precisa ter prioridade número um porque foi a mais afetada, junto com a parte do lixo que também é saúde. “É preciso resgatar o serviço público na saúde e qualificar o atendimento”, afirmou a sindicalista. Os profissionais de saúde, defendem, entre outras prioridades, a reestruturação do programa de Saúde da Família e das unidades básicas, a implantação da gestão pública nas AMEs e UPA Pajuçara, a reestruturação da assistência odontológica, da saúde mental, com ampliação dos Núcleos de Atenção Psicossocial (CAPS). No caso da odontologia, “em muitas unidades, tem a equipe mas não tem o instrumental”, acrescentou a sindicalista Sônia Godeiro. Rita de Cássia, defende a ampliação dos CPAS para “dar efetividade à reforma psiquiátrica e dar conta da demanda reprimida”.
Outras prioridades que elencam são: o enfrentamento do sucateamento das unidades e a implantação do hospital municipal de Natal. “Não é possível, imediatamente, assumir atendimentos como os de ortopedia, marcapasso, hemodinâmica, mas, inegavelmente, mas o novo governo municipal precisa começar a trabalhar a ideia desse hospital próprio, que possa oferecer alguns serviços de alta complexidade”.
“Hoje, a rede de Natal está abarrotada porque atende todo o Estado”, disse Geraldo Ferreira, salientando que, no momento inicial do governo, é preciso pensar na reestruturação do Saúde da Família, ampliando novas equipes e alocando médicos para as equipes. Hoje, pelo menos, 30 equipes não possuem médico da Família. A segunda necessidade, disse ele, é a reestruturação físicas das unidades básicas que estão em condições precárias e a interligação da rede básica com o nível de média e alta, assegurando a continuidade do tratamento.
Para gestora, setor precisa de mais investimentos
A saúde municipal precisa de mais qualificação e de uma busca por maiores investimentos. O desafio foi apontado pela secretária interina de Saúde, Ariane Rose de Macedo Oliveira. Quando fala de “mais qualificação”, a secretária frisa que “o município teve um crescimento da composição da rede, ao longo desses anos de municipalização, e o que temos é uma estrutura organizacional e administrativa insuficiente para dar conta do que temos”.
Ela considera que, atualmente, a estrutura “reduzida e pouco qualificada, na parte administrativo-burocrática”. Ariane Rose está na interinidade da pasta, dado o afastamento da titular, Maria do Perpétuo Socorro Nogueira, à pedido do Ministério Público Estadual, após desencadear a Operação Assepsia, que investiga os contratos de gestão da UPA Pajuçara e das AMEs.
A gestora diz que a pasta ainda tem grandes enfrentamentos do ponto de vista da macroestrutura do sistema. No início da implantação do SUS, com a municipalização novos serviços passaram para a responsabilidade do município. Na época, os servidores lotados nas unidades municipalizadas ficaram à disposição dos municípios. “Recebemos esses recursos humanos, mas hoje essa força de trabalho está se aposentando ou retornando para seu órgão de origem”, disse ela.
De 2010 a 2011, segundo a interina da Saúde mais de 300 funcionários cedidos deixaram a saúde municipal. “Isso acarreta um déficit e como o município vai compor essa força de trabalho, diante do limite prudencial?”, questiona Ariane. O limite prudencial, estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, termina, segundo ela, empurrando o município para os modelos de terceirização de gestão e serviços.
“Como executar serviços, novos programas, novas responsabilidades e enfrentamentos que são colocados do ponto de vista de novos agravos, da violência, do aumento da população e da cronicidade, se eles necessitam de novos serviços, de aumento dessa força de trabalho?”, questiona. Esse, a seu ver, é um dos grandes entraves.
“Esses modelos institucionais de parceirização”, disse a gestora, “estão se apresentando porque a organização dá margem para isso. Se você não pode fazer o concurso público, você vai contratar a gestão do serviço e ela vai vir com recursos humanos, com a força de trabalho necessária para dar conta da demanda”.
Estrutura atende 38% da população
Dados do Ministério da Saúde (SAS/maio 2012) mostram que as 54 unidades municipais distribuídas nos quatro distritos sanitários de saúde cobrem, atualmente, menos da metade da população de Natal, ou seja, 308.100 (38%). A SMS mantém 116 equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF), o que seria suficiente para cobrir 50,70% da população natalense. No entanto, mais de 30 equipes estão sem médicos, segundo o Conselho Municipal de Saúde e o Sindicato dos Médicos do RN.
Hoje, a cobertura é de 30,81%, pouco mais de 241 mil habitantes da cidade. Considerando que cada equipe de ESF cobre, em média, 4 mil famílias, o município, com uma população superior a 800 mil, já poderia ter constituído 200 equipes de Saúde da Família. Já a assistência odontológica está no mesmo patamar com uma cobertura de 33,72%, aproximadamente, 59.340 famílias. Os dados estão no Plano Municipal de Saúde 2010-2013.
As Unidades Básicas deveriam funcionar como porta de entrada dos atendimentos, de forma a amenizar a superlotação dos serviços de urgência e emergência. Porém, por deficiências estruturais e de atendimento, as unidades básicas e as USFs não atendem satisfatoriamente.
Para as promotorias da Saúde e Conselho Municipal de Saúde os problemas começam com o baixo financiamento da saúde. No início do ano, as promotorias da Saúde denunciaram a insuficiência de recursos para ações de manutenção e estruturação da Atenção Básica, que não foram priorizados na previsão da orçamentária da SMS para o ano de 2012.
Este ano, o orçamento para a saúde municipal é da ordem de R$ 181 milhões, o que não cobre nem as despesas com a folha de pagamento. Essa previsão orçamentária foi criticada pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte, que encaminhou uma recomendação à Prefeitura de Natal, propondo elevação do valor.
O orçamento 2012 é pouco maior que o proposto em 2011, e está abaixo do ideal, segundo o Conselho Municipal de Saúde. Só a folha de pagamento soma R$ 190 milhões/ano. De acordo com o Conselho, a saúde municipal precisa de, no mínimo, R$ 220 milhões.
Solução seria investir nas unidades básicas
Para o presidente do Sindicato dos Agentes de Saúde (Sindas/RN), Cosmo Mariz, o desafio do novo gestor é investir no SUS, priorizando a reestruturação da Atenção Básica. “É preciso começar por investimentos nas unidades básicas de Saúde e no programa de Saúde da Família”, afirma o sindicalista e servidor público.
Há necessidade, segundo ele, de abertura de novas UBS e de contratar, pelo menos, 300 Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Os agentes são responsáveis pelo acompanhamento e monitoramento das famílias. Cada um responsabiliza-se por 700 pessoas, em média. “O trabalho dos ACS é importante porque evita que a população vá parar unidades de urgência e emergência”, alerta Cosmo Mariz.
Outro desafio é garantir à população mais celeridade nas consultas das especialidades médicas, além de exames de média e alta complexidade. “Do jeito que é hoje, quando o exame ou consulta são marcados a doença tem evoluído”, comenta Cosmo Mariz. O abastecimento de medicamentos e insumos deve ser prioridade. “Hoje falta por ingerência dos gestores e isso não pode acontecer”, disse ele.
Como agente de endemias, ele disse que é fundamental e, deve estar entre as prioridades do novo gestor, a reestruturação completa dos programas vinculados ao Centro de Controle de Zoonoses, principalmente, do Programa Municipal de Controle do Dengue. “Hoje, apesar de ser um dos mais importantes, o programa carece de veículos; vale-transporte para os servidores; material de trabalho e fardamento”, acusa Cosmo.
Betim aposta em mesa de negociação
Em Betim, Minas Gerais, a instalação de uma mesa de negociação, entre gestores e servidores do SUS, para discussão das relações de trabalho e definição de ações e políticas de saúde se tornou referência nacional. Pela iniciativa, a Secretaria Municipal de Saúde de Betim (Minas Gerais) ficou com o primeiro lugar do InovaSUS, premiação criada pelo Ministério da Saúde. O diálogo entre gestores e trabalhadores resultou em avanços e resultados significativos.
Em junho de 2009, a Mesa de Negociações de Betim iniciou suas atividades e pactuou protocolos sobre as relações de trabalho no SUS, contribuindo para a democratização das relações profissionais e melhoria do serviço. A ação foi destacada pelo ministro Alexandre Padilha. “O esforço de gestores e dos trabalhadores no desenvolvimento destas ações inovadoras é uma das mostras do quanto o SUS está vivo”, elogiou Padilha.
O projeto segue os critérios da Mesa Nacional, dentre eles: promover reuniões regulares, realizar resoluções conjuntas entre a bancada do gestor e a bancada dos sindicatos, colocar em prática a descentralização administrativa, facilitar o controle social, criar o Plano de Carreira e realizar o concurso público.
“O prêmio é uma grande conquista para a saúde pública de Betim. Reforça o nosso compromisso de valorizar os servidores, oferecendo melhores condições de trabalho e mantendo o diálogo permanente com os profissionais”, destaca, no site do município, a prefeita de Betim, Maria do Carmo Lara.
Bate-papo
Francisco Júnior do Conselho Nacional de Saúde
“O desafio é superar a gestão amadora”
Quais os gargalos que o senhor vê e que precisam ser enfrentados?
Primeiro grande gargalo que percebo é a necessidade de estruturar a rede atenção primária. Hoje, a população está tendo uma dificuldade muito grande nos postos de saúde, naquilo que a gente chama de rede de atenção básica, e em consequência disso as pessoas recorrem aos pronto-socorros e a UPA, porque não tem uma porta de entrada resolutiva. E isso acontece porque não tem uma força de trabalho corretamente capacitada e uma rede realmente equipada com o que é necessário para que as respostas aconteçam. Precisa estabelecer de forma clara os serviços de referência, que possam dar respostas ao que foi diagnosticado, ao que foi encaminhado pela rede primária.
Além disso, o que deve ser enfrentado?
A questão da estruturação da força de trabalho. É comum as pessoas não encontrarem na rede básica psicólogos; é comum as pessoas com hipertensão e diabetes não encontrarem nutricionistas; é comum as pessoas não encontrarem farmacêuticos para orientar o tratamento de forma correta. Digo, que estruturar a força de trabalho da equipe multiprofissional de forma correta é extremamente fundamental. O desafio é superar a gestão absolutamente amadora e equivocadamente politizada. Em resumo, os desafios são estruturar a rede básica, com rede de referência; colocar à disposição da população equipe multiprofissional de saúde e profissionalizar a gestão pública.
Como cidadão, como o senhor gostaria que o novo gestor tratasse a cidade?
Eu gostaria muito que na saúde a gente tivesse o que a gente chama de uma gestão transparente, participativa e democrática. Uma gestão onde o gestor administra com a participação efetiva da população e isso pode acontecer fortalecendo o Conselho Municipal de Saúde. Ter o conselho seu principal parceiro. Outra forma é cumprindo a legislação e ir a Câmara Municipal periodicamente para prestar contas de tudo que tem sido feito, seja do ponto de vista estratégico, financeiro ou técnico. Terceiro, essa aproximação e co-responsabilização da população pode acontecer nos próprios serviços, através de conselhos gestores, onde a população possa dizer o que está incomodando, o que está sendo necessário. Espero um gestor que coloque em prática o que se defende sob o princípio da gestão democrática.
Como funciona o sistema de saúde no município de Natal
Atenção Básica
O município administra 54 unidades de saúde. Dessas, 37 são Unidades de Estratégia de Saúde da Família e 17 são Unidades Básicas. Ao todo, são 116 equipes de ESF (antigo PSF), distribuídas da seguinte forma: 13 equipes de ESFs; 54 equipes de ESFs com saúde bucal; 34 equipes de agentes comunitários e equipe de saúde bucal; e nove equipes de agentes comunitários de saúde. Cobrem 30% da população da capital. O MP/RN tem uma série de inquéritos e procedimentos sobre carências da rede.
Atenção Especializada
Inclui a assistência de média e alta complexidade, ambulatorial e hospitalar. A média complexidade ambulatorial engloba a maioria dos procedimentos necessários para o diagnóstico, tratamento e reabilitação do paciente. Já a alta complexidade ambulatorial ainda está, em sua maioria, sob gestão da esfera estadual. Aqui entram os Ambulatórios Médicos Especializados (AMEs), localizados em Brasília Teimosa, Nova Natal e Planalto. Nas principais unidades, a média é de 1.200 atendimentos diários.
Assistência hospitalar
As 35 unidades a serviço do SUS Municipal possuem 2.059 leitos, sendo 27,4% cirúrgicos, 24,1% clínicos e 18,4% psiquiátricos. O problema da falta de leitos é alvo de ação movida pelo MPE, principalmente no tocante aos leitos de UTI, que correspondem a 6,9% do número de leitos contratados pelo SUS e 11,6% do total de leitos existentes na capital. No caso dos leitos de UTI neonatal, o município possui 48. A necessidade é bem maior: 76 leitos.
Urgência e Emergência
O atendimento é feito por uma rede de seis pronto-atendimentos, incluindo o Hospital dos Pescadores e a UPA Dr. Ruy Pereira (UPA Pajuçara). Está em fase de conclusão a estrutura da UPA da Cidade da Esperança, que vai atender a demanda da zona oeste. Nas unidades, a população reclama de superlotação, da demora no atendimento, do desabastecimento e da falta de médicos. O Samu Natal dá suporte à rede, com atendimento de urgência 24 horas.
Saúde Mental
A Reforma Psiquiátrica, instituída em 2001, propõe um modelo humanizado de assistência aos brasileiros com transtornos mentais atendidos no SUS. Em Natal, a assistência à saúde mental é oferecida em cinco centros de Atenção Psicossocial (CAPS), sendo um do nível três com leitos de acolhimento noturno, um infanto-juvenil, dois Caps II e dois Caps AD (para Álcool e outras Drogas), um ambulatório de saúde mental na Policlínica da Ribeira. Na zona sul, o município mantém Ambulatório de Prevenção e Tratamento do Álcool e outras Drogas (APTAD).
Assistência farmacêutica
Área que vive em crise de desabastecimento, segundo a SMS por ainda não haver uma “logística eficiente de entrega dos itens nas farmácias e postos de saúde”. Ao longo de 2011, muitas das farmácias da rede (11 nas maternidades e pronto-atendimentos e 62 dispensários de medicamentos nas unidades de saúde e USF) não tinham medicações ministradas, por exemplo, para pacientes com hipertensão, diabetes e distúrbios psiquiátricos. Um contrato com o Nuplam/UFRN garante o armazenamento do estoque.
Rede complementar
No geral, estão localizadas no município 115 unidades sob gestão do município, Estado e União, segundo informações do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. O SUS municipal conta com outras 35 unidades, das quais 20 privadas que são contratadas para prestar serviço de forma complementar.
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