Saúde publica no RN: problemas vão além da superlotação

21 de janeiro de 2013

Notícia publicada no caderno Natal da Tribuna do Norte:

Superlotação, falta de medicamentos e insumos, desabastecimento. Além dos problemas estruturais de conhecimento de todos, o Hospital Walfredo Gurgel enfrenta um outro obstáculo ao seu bom funcionamento: a escala médica. Distorções e o não cumprimento da carga horária comprometem a qualidade do atendimento e revelam um cenário de incapacidade gerencial por parte da direção do hospital.

Além dos problemas estruturais, o não cumprimento da carga horária e a falta de controle no fechamento das escalas comprometem a qualidade do atendimento no Walfredo Gurgel. (Foto: João maria Alves)

Além dos problemas estruturais, o não cumprimento da carga horária e a falta de controle no fechamento das escalas comprometem a qualidade do atendimento no Walfredo Gurgel. (Foto: João maria Alves)

O problema é antigo e a tentativa de resolvê-lo por parte da Secretaria de Saúde Pública (Sesap) tem causado um verdadeiro embate entre médicos e governo. O ponto eletrônico foi instalado na unidade e uma portaria do dia 13 de dezembro passado estabeleceu o cumprimento integral da carga horária e o exercício do plantão de forma presencial, acabando com o sistema de sobreaviso. Na prática, a realidade é outra.

Na manhã de ontem, a equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE esteve no Walfredo Gurgel e a diretora da unidade, Maria de Fátima Pereira Pinheiro, confirmou que o sistema de plantão de sobreaviso continua em vigor. “Algumas especialidades cumprem o plantão presencial, outras não”, disse Fátima Pinheiro. Segundo ela, as especialidades as quais os médicos cumprem a escala presencial são:  cirurgia geral, ortopedia, bucomaxilofacial, clínica médica, intensivista e anestesiologia. Especialidades como neurologia, nefrologia, oftalmologia, urologia, angiologia e outras são plantões de sobreaviso.

O Ministério da Saúde divulgou ontem um documento orientador para auxiliar os gestores locais, responsáveis pela organização dos serviços médicos, a apurarem a efetividade do trabalho e verificar o comparecimento dos médicos nos estabelecimentos de saúde. O protocolo inclui recomendações para os gestores locais nos casos em que for constatada falta injustificada ou a não substituição do profissional na hipótese de a ausência ter sido comunicada.

Nos casos em que as auditorias constatarem que a falta do profissional médico foi por situações já previstas – afastamentos legais como licença, férias e outras situações previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou Estatuto dos Servidores – e a direção da unidade não providenciou a substituição do profissional para repor o quadro de profissional, caberá ao gestor local apurar as responsabilidades administrativas, ética e criminal da direção da unidade de saúde. “Esse protocolo vem para respaldar as medidas que o Governo do Estado já vinha adotando”, afirmou o titular da Sesap, Isaú Gerino.

Situação do abastecimento de insumos ainda é crítica 

O desabastecimento do Walfredo Gurgel é uma realidade com a qual os médicos têm que lidar diariamente. Segundo a gerente da farmácia da unidade, Carla Magalhães, o percentual de abastecimento esta semana era de 43%.

Ela explicou que o cálculo é feito semanalmente, com base no montante requisitado à Unicat e no que é entregue ao hospital. Segundo ela, está em falta vários tipos de antibióticos e insumos, como agulha 40/12. “Nós já chegamos a 27% de abastecimento. Hoje, está bem melhor, mas a situação ainda é crítica”, disse.

A Sesap rebateu o dado de que o HMWG está com apenas 43% de abastecimento e informou que a unidade hospitalar tem autonomia administrativa e financeira e recursos disponíveis para a comprar de medicamentos e insumos.

De acordo com a coordenadora do sistema de auditoria da Sesap, Maristela de Almeida, o hospital poderia ter comprado, por exemplo, o fio de  aço necessário na cirurgia torácica filmada e exibida em rede nacional, esta semana. “Nossa auditoria revelou que o hospital tem registro de preço aberto para a compra desse fio”, disse ela.

“O Walfredo tem recursos, por que não compra o que está faltando? É uma questão de gestão, que terá que ser analisada”, retrucou o secretário de Saúde Isaú Gerino.

Apoiador do MS trabalha para dar eficiência à gestão

Desde o dia 2 de janeiro o Hospital Walfredo Gurgel integra o programa SOS Emergência que tem como objetivo atuar de forma mais organizada e efetiva sobre a oferta da assistência nas grandes emergências do país.  As medidas adotadas como o acolhimento e classificação de risco dos acidentes, gestão de leitos, monitoramento contínuo dos resultados possibilitam avançar no alcance dos objetivos do programa.

O apoiador do Ministério da Saúde, o enfermeiro Marcelo Bessa, é o responsável pelo cumprimento das metas do programa no Hospital Walfredo Gurgel.

Nesse primeiro momento, ele trabalha na produção de um diagnóstico situacional do Walfredo Gurgel que deverá mostrar quais os principais gargalos da unidade para, a partir daí, implantar soluções para os problemas identificados. “Nós temos que trabalhar na qualificação da gestão. Muitas coisas terão que mudar e mudar é difícil. Os profissionais têm resistências, mas para oferecer um atendimento de qualidade é preciso funcionar com eficiência”, disse Marcelo Bessa.

O SOS Emergência, do Governo Federal, tem como objetivo alcançar até 2014 os 40 maiores prontos-socorros brasileiros, nos 26 estados e o Distrito Federal.

Sesap não tem o controle da escala médica 

Há anos a escala dos médicos é feita pelos próprios médicos coordenadores de cada área e apresentada à Sesap. Basta uma rápida análise para constatar algumas distorções. A escala da ortopedia da manhã de ontem, por exemplo, previa quatro médicos no pronto-socorro e oito na enfermaria. Um médico que preferiu não se identificar afirmou que a escala é feita desta forma porque o profissional escalado para a enfermaria não precisa cumprir as horas contratadas, enquanto o médico do pronto-socorro precisar cumprir o plantão presencial.

“O médico escalado para a enfermaria vem, faz a prescrição dos pacientes, e vai embora. Já o médico do pronto-socorro precisa cumprir as horas do plantão aqui no hospital”, relatou o médico.

Ainda de acordo com o médico, nas gestões passadas foram celebrados acordos extra oficiais com os profissionais da saúde que permitiam que os médicos trabalhassem menos horas do que as contratadas. “O governo não tinha recursos para aumentar os salários dos médicos e usava o número de horas como compensação. Era mais ou menos assim: ‘eu não posso te pagar o que você deveria receber, então eu te pago 100 horas e você trabalha apenas 50 horas’. Isso tudo, é claro, eram acordos extra oficiais, sem documentos assinados”, detalhou o profissional.

A Sesap está trabalhando para mudar essa realidade. Uma nova distribuição dos médicos na escala e a exigência do cumprimento do horário fazem parte das medidas que vêm sendo adotadas gradativamente. O trabalho é lento e encontra muitas resistências. “Os médicos não querem cumprir o número de horas do contrato. Qualquer iniciativa no sentido de regularizar essa situação esbarra na resistência dos médicos”, disse Isaú Gerino.

A secretaria estuda medidas a serem adotadas para garantir o cumprimento das escalas. Dentre elas está a instalação de monitores nas recepções das unidades de saúde com a exposição da escala médica para que a própria sociedade possa fazer o controle dos plantões. Outra medida que vem sendo estudada é a instalação de câmeras em pontos estratégicos dos hospitais para fiscalizar a presença dos médicos. “Nós não queremos perseguir ninguém, mas faremos o que for necessário para oferecer à população um atendimento de qualidade”, disse o secretário de Saúde.

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