Várias cabeças, poucas sentenças

16 de julho de 2012

Matéria principal do dia 16/07 no Novo Jornal

O SOL NASCEU quadrado para 79 pessoas envolvidas em crimes de corrupção contra a administração pública nos últimos sete anos no Rio Grande do Norte. A maioria é de classe média, alguns até abastados. Há parentes de políticos conhecidos, como o advogado Lauro Maia, filho da ex-governadora Wilma de Faria, e o engenheiro Gledson Golbery de Araújo Maia, sobrinho do deputado federal João Maia.

Na extensa lista de acusados presos, ainda que por pouco tempo, também está o suplente de senador João Faustino, ex deputado federal. Empresários, secretários de governo e funcionários públicos completam a relação que incomoda uma pequena parcelada população e alivia a imensa maioria da sociedade.

De 2006 até junho deste ano,quando o Ministério Público deflagrou a operação Assepsia,foram 11 operações policiais de grande repercussão. Até sexta feira,131 suspeitos haviam sido denunciados. Mas o número deve ser ainda maior, já que a promotoria do Patrimônio Público deve apresentar a denúncia do escândalo da saúde municipal à Justiça nos próximos dias.

Não é possível estimar o montante desviado pelas quadrilhas que agiam contra o erário. No caso do escândalo montado na secretaria estadual de Saúde (Hígia), a Polícia Federal chegou a divulgar durante os primeiros dias da operação que a verba desviada chegou a R$ 36 milhões, mas o Ministério Público Federal não confirma a informação. O crime que aconteceu no Detran/RN (Sinal Fechado) conseguiu ser abortado antes do cofre estadual ser assaltado, embora tenha sido constatada a cobrança indevida de taxas na transferência de veículo, lesando o cidadão.

O que chama a atenção nesta história são os paradoxos. Apesar da enxurrada de crimes contra o dinheiro público, apenas uma pessoa continua fora do convívio da sociedade em Natal. O promotor do município Alexandre Alves de Souza é apontado como um dos líderes da quadrilha que, entre outras irregularidades, escolhia as empresas vencedoras das licitações para gerir unidades básicas de saúde do município (UPA e AMEs).

Mas mesmo assim, como a prisão é preventiva, um habeas corpus pode livrá-lo da prisão. A estimativa inicial do desvio na Assepssia é de R$ 22 milhões, valor que corresponde a 30%dos contratos firmados entre a prefeitura e três Organizações Sociais. Por enquanto, Alexandre Magno não tem data para deixar o quartel da Polícia Militar, local para onde são transferidos presos especiais que têm diploma da OAB, salvo algumas exceções. O recorde de estadia na cela especial é do advogado George Olímpio, acusado de tramar o esquema de corrupção no Detran que recebeu o nome de Sinal Fichado. Ele ficou sete meses preso.

Sede TJ-RN (Foto: janeayresouto.com.br)

Outro detalhe curioso nos crimes de corrupção no estado é a lentidão da Justiça para julgar os casos. Apenas a ação cível do Foliaduto e o processo criminal da operação Impacto já tiveram condenações em primeira instância. E mesmo assim todos os 21 condenados (cinco do Foliaduto e 16 da Impacto) recorreram e aguardam decisão do Tribunal de Justiça. Embora a corrupção contra a administração pública sempre tenha existido no país, chama a atenção o volume de operações tanto do Ministério Público Estadual como Federal nos últimos anos.

A delegada da Polícia Federal e coordenadora do Movimento de Combate à Corrupção (Marcco), Oara Fernandes, vê o Rio Grande do Norte em posição de destaque nacional em relação ao mapa da corrupção no país, embora não tenha um levantamento preciso sobre a realidade de hoje. Para ela, a repercussão nacional de escândalos como os da Hígia, Sinal Fechado e precatórios mostram a situação preocupante atual. “O Rio Grande do Norte tem sido bastante efetivo no combate à corrupção. Só temos que elogiara colaboração que o Mistério Público tem dado à sociedade. Hoje, infelizmente, temos uma posição de destaque em relação à corrupção”, analisa.

Justiça estadual não vê demora na condenação de réus

Das cinco operações que investigaram crimes de corrupção contra o patrimônio público estadual, nenhum culpado ainda foi para a cadeia. Um exemplo da lentidão da Justiça em julgar casos de desvio de dinheiro público é o Foliaduto, o famoso escândalo das bandas fantasmas ‘contratadas no reveillon de 2005 e carnaval de 2006. O montante roubado dos cofres públicos ultrapassou R$ 2 milhões. Sete anos depois da denúncia ser apresentada à Justiça, o processo penal do caso que tramita na 5ª Vara Criminal ainda não foi concluído.

Segundo o site do TJRN, a ação está conclusa para sentença desde o dia 3 de maio de 2012,mas ainda não há previsão de quando a juíza Maria Ada Galvão se pronunciará. Ela está de férias e só deve retornar no início de agosto. Relativo ao Foliaduto, apenas o processo cível, que trata de crime de improbidade administrativa, foi sentenciado em primeira instância.O juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública, Ibanez Monteiro,condenou cinco pessoas a devolver o dinheiro desviado no esquema de corrupção comprovado pelo magistrado.

Todos os réus recorreram ao TJ e ainda não pagaram um centavo do que devem. Os outros casos são mais recentes. Os resultados das operações Sinal Fechado e Judas foram denunciados à Justiça em 2011 e 2012, respectivamente. Ainda que a demora no encerramento de casos comoo do Foliaduto seja um fato, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte não reconhece. O NOVOJORNAL procurou a presidente do TJRN, Judite Nunes, para comentar as denúncias recebidas envolvendo corrupção, mas ela não quis receber a equipe.

As respostas vieram pelo email da assessoria de comunicação da instituição,que ressaltou a complexidade das operações realizadas pelo Ministério Público. “São operações complexas que têm provas diferenciadas e envolvem grande números de réus e, em razão disso, demandam tempo maior que as ações comuns”,diz antes de reforçar a posição de que os processos estão sendo analisados de acordo a dificuldade das ações.

“Pelas informações que o Tribunal dispõem não tem havido demora processual incompatível com as complexidades das mesmas. Quanto à questão de envolvidos estarem em liberdade ou não, diz respeito a uma decisão tomada com base em leis processuais e que não cabe a este Tribunal fazer qualquer pronunciamento a respeito,salvo quando submetido a seu julgamento”, encerrou a assessoria.

O juiz que mandou prender

Foto: Novo Jornal

Nos últimos sete anos, Raimundo Carlyle, 48 anos, foi o único juiz na esfera estadual que condenou criminalmente réus acusados de corrupção no Rio Grande do Norte. Saiu da cabeça de Carlyle a sentença da operação Impacto, escândalo de grande repercussão denunciado em 2007 pelo Ministério Público Estadual.

Ao todo, 16 pessoas foram condenadas por corrupção ativa e passiva. Entre os condenados, 12 vereadores e ex-vereadores acusados de vender o próprio voto a empresários do setor da construção civil na eleição do Plano Diretor de Natal. A sentença demorou quatro anos para sair. Segundo o juiz, a análise das provas é a etapa mais difícil do processo, já que não existem peritos à disposição da Justiça estadual para ajudar na verificação da autenticidade do material entregue pelo MP.

“É uma imensidão de provas bancárias e você tem muita interceptação telefônica, além do sigilo de dados e e-mails. É a parte mais demorada. O juiz tem que fazer isso logo, antes mesmo do processo começar, porque se for esperar, acaba levando milhares de dias”, conta o magistrado, que reclama da falta de estruturada justiça.

“O trabalho que vem sendo feito pela Justiça é positivo, ma snão temos ainda instrumentos técnicos para dar apoio às investigações. Não há peritos que examinem as provas, principalmente peritos contábeis para verificar documentos de empresas. Isso dificulta. Se houvesse esse apoio, um processo como o da Impacto que demorou quatro anos seria concluído em apenas um ano”, afirmou.

Raimundo Carlyle explica que o juiz trabalha com as provas apresentadas pelo Ministério Público. A produção do magistrado fica restrita à convocação das testemunhas e dos réus para prestar depoimento. A legislação determina que a Justiça deve dar prioridade aos processos onde haja réu preso seguido de ações envolvendo idosos. A partir daí os magistrados devem respeitar a ordem em que o processo entra na vara.

Carlyle atua há 22 anos como magistrado e desde 1997 trabalha na vara criminal. Dos processos já encerrados, o da operação Impacto foi o que mais repercutiu, que ele analisa sob duas perspectivas. “A repercussão pública é boa para o judiciário porque quebra aquela história deque o poder judiciário é fechado. Mas para o juiz é ruim porque em todo lugar que você vai as pessoas ficam te apontando e dizendo:‘olha lá, é aquele juiz que condenou os réus da Impacto’.E eu não gosto dessa exposição”,disse antes de contar o que mudou após a repercussão do caso.

“O que mudou foi em relação aos próprios condenados. Antes falavam comigo, hoje ninguém fala mais. Isso não me incomoda e também não vou obrigar ninguém a falar comigo”, comentou. Ramundo Carlyle condenou amais de seis anos de prisão os 12 vereadores envolvidos no escândalo, além do empresário Ricardo Abreu e mais três assessores parlamentares.

Porém, todos recorreram e continuam soltos. Questionado se o fato da sentença nãoter sido cumprida lhe frusta como magistrado, ele diz que não. “É tanto processo que, condenando ou absolvendo, o juiz não quer vê-lo mais na frente. É hora de passar para o próximo”, afirmou.

Demora não é culpa do juiz responsável, diz MP

Foto: Novo Jornal

O procurador geral de Justiça, Manoel Onofre Lopes, afirmou que a lentidão da Justiça em julgar parte dos processos relativos a crimes de corrupção contra a administração pública não é culpa do magistrado responsável pela ação. Segundo ele, a demanda excessiva de trabalho é que provoca a morosidade. Onofre defende que os processos originados a partir das operações Sinal Fechado, Pecado Capital, Judas e Assepsia, cujas denúncias foram apresentadas do segundo semestre do ano passado a no primeiro semestre deste ano, ainda estão no tempo para serem analisados. Já em relação aos casos mais antigos, como Foliaduto, o procurador cita a complexidade para justificar a demora.

“Embora se tratem de processos complexos, com muitos réus, seria razoável se esperar que já houvesse pelo menos o julgamento em primeira e segunda instâncias. Entretanto,a morosidade na tramitação desses processos é causada por vários fatores, que na grande maioria das vezes não podem ser atribuídos ao magistrado responsável por sua condução.

De fato, a lei processual prevê algumas formalidades que dificultam o andamento do processo. O número de ações a cargo do magistrado também é um fator que impede a sua célere conclusão. “A existência de muitos recursos que muitas das vezes servem para protelar o trânsito em julgado da decisão condenatória, também é outro fator de perpetuação dos processos”, explicou.

Onofre credita a quantidade de operações realizadas pelos MPs a três fatores: denúncias na imprensa, participação da sociedade com denúncia se a experiência adquirida pelos órgãos de controle nos últimos anos. “A imprensa diuturnamente divulga matérias sobre possíveis irregularidades em contratações públicas e outras formas de corrupção, as quais muitas vezes dão início à investigações. A própria sociedade também vem contribuindo para cidadania denunciado eventuais irregularidades ou desvios de condutas de gestores públicos”,analisa.

Otimista, o procurador nãoacredita que o Rio Grande do Norte esteja na vanguarda dos crimes de corrupção no país. Ele acredita que a explicação para o crescente número de casos de roubo ao dinheiro público é cultural. “No Brasil foi se sedimentando ao longo do seu processo civilizatório acultura do patrimonialismo, do favorecimento, da proteção das elites. Essa cultura é campo fértil para o florescimento e crescimento da corrupção”, comenta o procurador geral de Justiça, que vê na lei da Ficha Limpa, no fim do nepotismo e na seleção de servidores públicos por concurso como mecanismos criados nos últimos anos que ajudam a prevenir que mais casos de corrupção aconteçam.

A lentidão gera sensação de impunidade, afirma procurador

A complexidade dos casos envolvendo organizações criminosas que se locupletam do dinheiro público também é citada como ponto crucial para a demorados julgamentos pelo procurador da República, Rodrigo Telles. Segundo ele, é natural o prolongamento da investigação e do processo por conta das dificuldades. Mas admite que toda essa lentidão gera uma sensação de impunidade junto à sociedade.

“A demora ocorre porque as chamadas ‘operações’ envolvem casos complexos, com inúmeros fatos, praticados por várias pessoas, relacionando-se na verdade a uma autêntica ‘atividade’ exercida geralmente por organizações criminosas compostas por muitas pessoas. Isso leva naturalmente a um prolongamento da investigação e do processo. Essa lentidão gera sensação de impunidade, levando inclusive os agentes dos crimes a retornar à ilicitude, o que é prejudicial no combate à corrupção”, analisa. Rodrigo Telles defende uma tese curiosa em relação à corrupção. Para ele, em estados mais pobres ‘rouba-se’ mais. “A ausência de maiores oportunidades de obtenção de lucro lícito, em razão da pouca dinamicidade da economia, leva as pessoas que pretendem enriquecer e que tem oportunidade para tanto a procurar locupletar-se ilegalmente às custas do patrimônio público”,defende antes de lembrar que a legislação contribui para isso apenas na medida em que muitas vezes favorece a impunidade.

Além das operações federais mais conhecidas, Telles lembra de outras igualmente importantes, como a Testamento, Tríplice, Cristal, 1357 e Corona.E especificamente em relação a crimes contra a administração pública, destacam-se, além das operações Hígia e Via Ápia, a São Caetano, a Aliança e a Richter.

“O aumento no número de operações se deve a uma melhor estruturação dos órgãos de investigação e a adoção de uma postura mais proativa no combate ao crime. Desde 2006 não houve grandes mudanças nos instrumentos de investigação; os meios já existentes passaram a ser utilizador com maior eficácia”, afirmou.

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