Deu no caderno Natal da Tribuna do Norte:
Um dos calos do sistema carcerário do Rio Grande do Norte são os Centros de Detenção Provisória (CDP). Criados em 2007 para retirar presos da custódia de agentes da Polícia Civil, os CDPs hoje abrigam quase 1,4 mil detidos. Tanto as condições de segurança quanto as condições humanas dos CDPs, são inapropriadas. Com o número de presos acumulados nos centros, seria necessário construir duas Alcaçuz – levando em consideração a capacidade atual da penitenciária – para fechar todos os CDPs. O Governo do Estado pretende extinguir os centros até 2014, segundo anunciou a Secretaria de Justiça.
Duas Alcaçuz para acabar com os CDPs
É irregular, todo mundo sabe. Não tem funcionalidade, é consenso. Além do mais, engessa o sistema e disso ninguém duvida. Mesmo sendo de conhecimento dos líderes das mais variadas esferas de poder e decisão – Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, movimentos sociais, etc – o Rio Grande do Norte não consegue “se livrar” dos Centros de Detenção Provisória. O Governo do Estado já acenou com a intenção de extingui-los até 2014, contudo não será fácil. Desde a criação, em 2007, o número de CDPs vem aumentando, como também a quantidade de presos.
Hoje existem 1.397 pessoas detidas nos centros provisórios, sendo 761 no interior e 636 na capital. Os números por si só dão dimensão do problema que está nas mãos do Governo do Estado. Alcaçuz é a maior penitenciária do Estado e, com a capacidade existente hoje, sem contar com o novo pavilhão a ser inaugurado no próximo mês, seriam necessárias duas Alcaçuz para alojar todos os detidos em centros de detenção provisória. Com a inauguração do pavilhão cinco de Alcaçuz, mais 400 vagas serão liberadas para o sistema prisional, das quais 200 devem ser ocupadas com presos dos CDPs. Mas a dificuldade com os centros provisórios não se resume aos números. Há um equívoco na própria concepção.
Não existe nenhuma previsão, na lei de execuções penais, para se operar algo semelhante a um CDP. Dentro dos rigores da legislação, só há duas possibilidades para um preso em regime fechado: se ele já tiver sido julgado e condenado, vai para uma penitenciária; se ainda está detido e ainda não foi julgado, vai para uma cadeia pública. O meio termo não existe. Mas o Governo do Estado inventou, ainda em 2007, uma forma “nova” de abrigar os presos provisórios, que são justamente os CDPs. A situação é tão anômala que precisa demais algumas linhas para ser explicada.
Não há cadeias públicas suficientes no RN para todos os presos provisórios. Na falta, arranjou-se os CDPs. Nesta linha de raciocínio, nos centros só há presos provisórios, correto? Errado. De acordo com informações do juiz da Vara de Execuções Penais, Henrique Baltazar, há cerca de 200 pessoas já julgadas e condenadas dentro de CDPs. Inicialmente, são presos provisórios, mas o processo demora, não há para onde mandar e eles vão ficando ali mesmo. Às vezes, por anos. Da mesma forma, há alguns – poucos – presos provisórios dentro de penitenciárias.
Como se vê, boa parte das questões relativas aos centros provisórios estão ligadas à falta de vagas no sistema carcerário. E o próprio CDP surgiu para tentar contornar esse problema, mesmo que por pouco tempo (veja quadro). A idéia era manter os detidos nos centros provisórios até que novas cadeias públicas fossem construídas pelo Estado do Rio Grande do Norte. Ou seja: era uma solução temporária, paliativa, que começou com três carceragens e 400 presos e hoje tem quase 1,4 mil pessoas.
Existem duas explicações para esse aumento. A primeira é a simples inoperância do poder público. Desde 2007 abundam promessas de construção de cadeias públicas, que já foram anunciadas em várias localidades, como em Lajes e Mossoró. “Sem a construção de cadeias públicas não será possível resolver essa questão. O Governo afirma ter hoje a construção assegurada de quatro delas, mas pelos critérios estabelecidos pelo Governo Federal só devem ficar prontas em 2014”, diz o juiz da Vara Execuções Penais, Henrique Baltazar.
O segundo motivo para o crescimento acentuado, nos últimos cinco anos, é o próprio sentido dos CDPs, que foram criados para “tirar os presos das delegacias”. Pouco a pouco, os detidos em delegacias foram remanejados para os centros provisórios. Isso em teoria. Na prática, as antigas carceragens das delegacias somente mudaram de nome e passaram a ser geridas por agentes penitenciários. Os problemas, como a falta de espaço e segurança, foram mantidos e acabaram aumentando.
“Não há condições humanas”
“Os CDPs precisam acabar”. A frase é repetida tanto pelo coordenador do sistema prisional, Ailson Dantas, quanto pelo secretário estadual de Justiça e Cidadania, Kércio Pinto. Eis os motivos: não há condições humanas de abrigar até 100 pessoas em prédios como os do CDPs, como é o caso do centro em Candelária (veja info), e também de segurança. Fugas são constantes, as condições de trabalho dos agentes são péssimas e não estão garantidos direitos dos presos, como o banho de sol, por exemplo. Entre perceber isso e conseguir extingui-los, a distância é grande.
Do ano passado para cá, o número de pessoas detidas em CDPs aumentou. Eram 1.264 em fevereiro de 2011. Hoje, são 1.397 detidos. Mesmo assim, atualmente os CDPs abrigam 57% de todos os presos provisórios do Estado, enquanto que no ano passado 64,9% estavam nessas celas improvisadas. Em outras palavras, mesmo que absolutamente o número de presos em CDPs seja maior, o Governo conseguiu diminuir um pouco da dependência deste tipo equipamento.
“Se eu pudesse, acabaria com os centros amanhã mesmo. Não dá, então vamos fazendo aos poucos. A intenção é fechar cinco ou seis destes centros até o fim do ano”, aponta Kércio Pinto.
Numa reunião com o Ministério Público Estadual, na semana passada, o secretário Kércio Pinto informou que a pretensão do governo é extinguir até o ano de 2014 todos os Centros de Detenção Provisória (CDPs) para serem substituídos por cadeias públicas, que comportam mais presos. Uma dessas cadeias planejadas é a de Macau e para dar conta da demanda dessas novas cadeias públicas também há pretensão, a ser enviada a governadora, da realização de concurso pública em breve, além da entrega de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) elaborado em pelo Ministério Público em conjunto com as entidades citadas.
Existe o recurso assegurado para construir quatro cadeias públicas: em Ceará-mirim, Natal, Parnamirim e Mossoró. Os projetos foram enviados para a Caixa Econômica Federal e o dinheiro deve ser liberado até o fim do ano.
Quadro funcional de agentes penitenciários está engessado
Apesar da nomeação, na última sexta-feira, de 40 agentes penitenciários, não será imediata a a abertura do pavilhão cinco de Alcaçuz. Como se sabe, o novo pavilhão tem cerca de 400 vagas e irá dar um alívio à situação do sistema carcerário do Estado. A intenção é enviar pelo menos 200 apenados dos CDPs para a nova ala da penitenciária. Mas como os nomeados tem até 30 dias para tomar posse, o secretário Kércio Pinto acredita que tudo possa ser concluído até o final de outubro.
Segundo o titular da Secretaria de Estado de Justiçã e da Cidadania (SEJUC), Kercio Pinto, só a partir desse momento que o novo pavilhão de Alcaçuz será aberto. “Os aprovados têm um prazo para se apresentarem como a documentação exigida e os exames médicos em dia, sem contar que vamos ter ainda 10 dias de treinamento com aqueles que aparecerem. Só depois disso é que teremos condições de abrigar os presos na penitenciária”, disse. Kercio Pinto falou ainda que são necessários entre 25 e 30 agentes para liberar o novo espaço.
Já a Coordenadoria de Administração Penitenciária do Rio Grande do Norte (COAPE), na pessoa de Ailson Dantas, falou que a abertura de um novo pavilhão na penitenciária de Alcaçuz, representa um avanço no sistema. “Com certeza será uma melhoria no sistema penitenciário do estado. Encaminharemos presos sentenciados, que hoje se encontram nos Centros de Detenção Provisória (CDPs) e cadeias públicas”, disse.
Unidades foram criadas em 2007 sem planejamento
Os Centros de Detenção Provisória “nasceram” em 2007. À época, houve uma crise entre o Governo do Estado e a Polícia Civil. Parte dos presos provisórios ficava em delegacias ao longo do Estado e eram custodiados por agentes de polícia civil. Os policiais, cuja função na verdade é realizar investigações, consideravam ficar responsáveis por presos um desvio de função e realizaram uma greve para forçar o governo a resolver o problema.
A solução adotada, tendo em vista que não havia vagas em cadeias públicas, foi criar os centros de detenção provisória. Segundo especialistas, como o juiz Henrique Baltazar, a solução foi simples maquiagem. Os presos, de fato, nunca saíram dos prédios das delegacias. Foram as delegacias e os servidores responsáveis pelos presos que mudaram. A estrutura disponível continuou a mesma. Algumas delegacias foram para outros prédios, como é o caso da delegacia de Plantão da Zona Norte, enquanto que em outros locais separou-se: delegacia de um lado, carceragem do outro.
Se por um lado, os policiais civis ficaram no geral livres da custódia de presos, por outro o problema foi transferido para a Secretaria de Justiça e o sistema carcerário. Hoje, os detidos em CDPs continuam tão à margem da legislação quanto antes, quando ficavam nas delegacias. À luz da lei, eles mal existem, tendo em vista estarem num estabelecimento totalmente irregular. “Foi uma solução política encontrada à época do Governo Wilma para evitar um desgaste maior por conta da greve da polícia”, afirma o juiz Henrique Baltazar.
A intenção do Governo do Estado à época da criação era manejar essas pessoas para cadeias públicas, todas a serem construídas. Tratava-se de uma solução temporária, que já se arrasta por cinco anos.
Bate-papo: Kércio Pinto – secretário de Justiça e Cidadania
Por que o Governo quer extinguir os CDPs?
Foi um legado que a secretaria recebeu num momento atípico e que só trouxe complicações para o sistema prisional. A Secretaria de Segurança se livrou de um problema, mas nós recebemos sem ter estrutura, sem ter planejamento, nem previsão de melhorias e ampliação no sistema prisional para comportar esses presos e as demandas futuras. Então, o que resta é fechar. E nós vamos fechar vários CDPs. Estamos agilizando algumas obras. Recebemos um aporte esse mês de R$ 5 milhões para investimentos. E eles serão investidos na melhoria e ampliação do sistema.
Até o fim do ano quantos serão fechados?
O grande problema é na capital. Por mim, eu fecharia todos. Mas estamos realocando, estudando como fazer isso. Procuramos melhorias em cadeias do interior para remanejar, tanto presos como agentes penitenciários. Com o pavilhão de Alcaçuz liberado, vamos tirar entre 200 e 250 presos.
Mas qual o número exato?
Depende do estudo e do remanejamento. Talvez consigamos fechar cinco ou seis CDPs.
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