Discurso e Mídia

Daniel Dantas Lemos é jornalista, pesquisador da área de comunicação e da linguagem. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Citada em denúncia, empresária processa blogueiro por calúnia e difamação

30 de setembro de 2015

A vida profissional tem deixado a existência do blog em segundo plano.  Em virtude disso, por exemplo, fiquei devendo aos leitores uma série sobre a intrigante Operação Dama de Espadas.
No meu mundo profissional, sou professor de Ética e Legislação Jornalística há já alguns anos.  Fui responsável por essa disciplina na UFC e, atualmente, sou o condutor das disciplinas de Ética e de Legislação na UFRN.
Em virtude disso, tenho muita tranquilidade em algumas posturas.
Por exemplo, sempre dou como regra para os alunos a necessidade de que se não publique nenhuma denúncia sem se estar de posse de documentos comprobatórios e/ou testemunhos que as reivindiquem.
Também esclareço aos alunos o valor da responsabilidade: você é responsável pelo que publica – logo, esteja disponível para responder até diante de um juiz sobre o que você publicou.  Eventualmente, você tem de estar disponível para responder pelos crimes contra a honra e imagem que possa cometer – ou ser acusado de cometer.
Como se previne contra isso?  Respeita-se o modo de fazer do jornalismo e não se faz acusação sem que haja documentos que a comprovem.
Sempre agi assim nesse blog.
Logo, estou tranquilo sobre tudo que já publiquei aqui.
Ainda assim, esta manhã recebi a visita de uma oficial de justiça me intimando para uma audiência preliminar no dia 07 de outubro, 9h20, no 1o Juizado Especial Criminal de Natal.  Trata-se do processo 0107713-77.2015.8.20.0001 movido contra mim por Patrícia Martins de Lucena, proprietária da Refine Refeições Industriais.
Em 8 de março de 2015, no início da madrugada, publiquei o texto com título “Fraude em licitação na Secretaria Municipal de Saúde pode ter provocado prejuízo de quase R$ 2 milhões“.  Não pretendo defender a veracidade, ou não, das informações prestadas no site.
No entanto, agi de acordo com o que preconiza a prática jornalística e conforme ensino aos meus alunos.  Em resumo: recebi por parte de outro blogueiro da cidade uma informação acerca da documentação que fundamenta a denúncia, tendo-a publicado algumas horas depois. Sendo madrugada, o único envolvido com quem consegui contato foi o pregoeiro da SMS, Ivam Pinheiro.  Enviei, no entanto, emails para as empresas envolvidas e para o então secretário de saúde na época da licitação, Cipriano Maia.
Cipriano indicou que somente Ivam iria responder.  A prefeitura levou nove dias para enviar uma nota de esclarecimento, ainda que a cobrasse todos os dias.
Por meio de terceiros, a autora da ação, Patrícia Lucena, fez contato com o blog para que excluísse a publicação. Respondi que não poderia fazer isso, mas que podia entrevistá-la ou publicar uma nota de esclarecimento. Aliás, essa era minha intenção quando busquei contato com os envolvidos: dar espaço ao contraditório.
O leitor pode questionar se eu não devia ouví-los antes de publicar o texto. Meus alunos se lembrarão que eu sempre defendi que esse é o procedimento mais correto, ainda que excepcionalmente se justifique publicar antes de ouvir o outro lado.  Foi isso, exemplo de manual de jornalismo, que fez Renata Lo Prete na entrevista com Roberto Jefferson, em 2005, na Folha de S. Paulo, que detonou o escândalo do Mensalão: a entrevista foi publicada sem que se ouvisse o outro lado, que foi buscado imediatamente depois.
O que eu mesmo fiz nesta denúncia.  No caso em questão aqui, eram 2h da manhã e eu sabia que o material estava também de posse de outros blogueiros e jornalistas.   Mas ao publicar o texto, fui atrás dos envolvidos da melhor maneira que eu consegui. Ressalte-se: morava em Fortaleza nesta data.
Em 12 de março, quatro dias depois da denúncia publicada, a Garffus Grill se pronunciou na ferramenta de contato do blog. A Garffus não me processa, mas a peça de acusação inclui a publicação de sua nota de esclarecimento. Diz o advogado da autora que eu conferi “fantasiosamente direito de resposta a (sic) Empresa Garfus (sic) Grill, dividindo e inserido no meio da resposta do sagrado direito constitucional, informações de sua propriedade com o fito de induzir o leitor em erro”.  O engraçado é que o argumento é quase o mesmo que eu usei:

Recebi o e-mail, que reproduzo abaixo, assinado por Ivan Galvão de Araujo, representante da Garffus Grill, empresa citada pelo blog no domingo em virtude da licitação supostamente fraudulenta para aquisição de alimentação para as UPAs.
Direito de resposta não deve ser emendado, mas sinto necessidade de esclarecer dois pontos:

Por que me vi obrigado a apresentar essas informações na publicação?  Em primeiro lugar, porque Ivan Galvão de Araujo me procurou usando a ferramenta de contato com o blog, exatamente a mesma ferramenta que eu usei para entrar em contato com a sua empresa.  Sua primeira resposta, no entanto, foi informar que não tinha sido procurado.  Em segundo lugar, em momento algum eu levantei suspeitas porque as empresas tivessem sede no mesmo bairro, mas sim porque dividiam o mesmo telefone na ficha cadastral da Receita Federal.
Outro ponto em questão diz respeito ao Tribunal de Contas do Estado.  Quando o TCE questionou o processo licitatório, procurei uma fonte ligada ao Tribunal de Contas para saber se se referia ao mesmo processo.  E publiquei aqui.  Não disse que o TCE investigava os itens de minha denúncia, mas a mesma licitação.
Evidente que não exporei aqui os passos de minha defesa – até porque sequer conversei com os advogados ainda.
Mas agradeço aos apoios já recebidos de uns tantos amigos e companheiros.

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