Economia do RN

Aldemir Freire é economista, servidor de carreira do IBGE na área de análise socioeconômica. Desde 2009 ocupa a Chefia da Unidade Estadual do IBGE no Rio Grande do Norte. As opiniões emitidas aqui não representam o pensamento do órgão em que trabalha.

Desafios para a inserção da agricultura familiar no novo Programa do Leite Potiguar*

11 de setembro de 2015

Joacir Rufino de Aquino
(Economista, professor e pesquisador da UERN)

José Aldemir Freire
(Economista e Chefe da Unidade Estadual do IBGE no RN)

 

O governo do Rio Grande do Norte (RN) lançou no mês passado, através do Decreto nº 25.447/15, o novo Programa do Leite Potiguar (PLP). A principal novidade da referida política é, sem dúvida, a determinação de que pelo menos 50% do leite comprado deve vir da agricultura familiar. A definição de uma cota de mercado para a produção do segmento pode proporcionar estabilidade à atividade, melhorar a apropriação de valor pelos criadores e, consequentemente, contribuir para reestruturar a pecuária leiteira estadual gravemente abalada pelos sucessivos anos de seca (2012-2015). No entanto, para que a iniciativa possa lograr êxito, os órgãos operadores precisam levar em conta algumas particularidades da categoria de produtores familiares presente no campo norte-rio-grandense.

Cabe destacar, inicialmente, que os agricultores familiares produtores de leite bovino e caprino no meio rural potiguar formam um contingente numeroso de aproximadamente 20 mil estabelecimentos, representando algo em torno de 80% das unidades dedicadas à atividade no território estadual. Segundo tabulações especiais do último Censo Agropecuário do IBGE, em 2006, tais agricultores foram responsáveis por 44% da produção de leite de vaca e por 64% do leite de cabra produzido no RN. Esses percentuais sinalizam a representatividade do setor e, ao mesmo tempo, indicam que será um grande desafio organizar a produção de um público dessa magnitude, a maioria do qual em situação de precariedade social.

De fato, o Censo Agropecuário revelou que a situação da maior parcela dos agricultores familiares do RN é de extrema precariedade mesmo em períodos de bom inverno. Do total de chefes de estabelecimentos, 52% eram analfabetos ou apenas sabiam assinar o próprio nome, 96% não eram filiados em cooperativas e apenas 7% receberam assistência técnica regular durante o ano de 2006. Note-se ainda que, entre os produtores, a esmagadora maioria não dispunha de equipamentos para acondicionar a produção, haja vista que foram identificados tanques de resfriamento de leite somente em 8 (oito) propriedades familiares. Isso significa que o grosso dos agricultores vai precisar de um atendimento especial para se adaptar às exigências sanitárias determinadas pelo PLP e, com isso, acessar uma fatia do promissor mercado institucional criado pela medida governamental recém-publicada.

Quanto à distribuição geográfica, os dados do Censo Agropecuário indicam que os produtores familiares de leite localizam-se em graus variados em todas as regiões do RN. Todavia, a maioria absoluta dos pecuaristas familiares, bem como a maior parte do leite de vaca produzido pela categoria está concentrada em 11 microrregiões, conforme a seguinte ordem: Seridó Oriental (1º), Pau dos Ferros (2º), Vale do Açu (3º), Seridó Ocidental (4º), Agreste Potiguar (5º), Serra de Santana (6º), Chapada do Apodi (7º), Borborema Potiguar (8º), Médio Oeste (9º), Umarizal (10º) e Serra de São Miguel (11º). Juntas, elas abrigavam 86% do público potencial do PLP e 90% da produção estadual de leite de vaca oriunda da agricultura familiar. Já o restante da produção encontrava-se pulverizada nos pequenos sítios dispersos nas demais oito microrregiões constituintes do espaço geográfico potiguar.

Outro aspecto importante que precisa ser ressaltado refere-se ao perfil socioeconômico dos 19 mil agricultores familiares que produzem exclusivamente leite de vaca no campo norte-rio-grandense. Ainda de acordo com os indicadores da pesquisa censitária do IBGE, a maior parte do segmento era formada por assentados da reforma agrária (15%) e produtores extremamente pobres do Grupo B do PRONAF (47%), que, de forma agregada, foram responsáveis por 31% da produção familiar de leite bovino no ano de 2006. No extremo oposto, encontra-se um grupo reduzido de produtores com maiores níveis de renda, 12 do total, que respondeu por outros 31% da produção. O restante do leite, por sua vez, foi proveniente de propriedades intermediárias entre o segmento mais pobre e os produtores mais capitalizados.

Percebe-se, então, que a operacionalização do novo PLP ensejará uma estrutura institucional de grande envergadura, seja no âmbito estadual, seja em nível municipal. Essa operacionalização inclui: incentivos ao associativismo e ao cooperativismo dos agricultores familiares; aumento da estrutura de resfriamento de leite existente nos municípios e eventual participação das prefeituras na captação do produto; disponibilidade de crédito para melhorar a genética do rebanho e dotar as propriedades de infraestrutura mínima de oferta hídrica e suporte forrageiro para o gado leiteiro; orientação técnica e capacitação para enfrentar a questão sanitária; oferta de capital de giro aos produtores para permitir ao PLP concorrer com as queijeiras, uma vez que estas últimas embora paguem um preço menor pelo litro do leite (R$ 0,80 o litro contra R$ 1,15 pagos pelo programa do leite), realizam o pagamento semanalmente e o governo demora mais tempo.

Todas essas medidas complementares, indispensáveis para o bom funcionamento da política em foco, vão exigir um maior esforço da EMATER-RN no acompanhamento do programa, na assistência técnica aos produtores e na sua capacidade de fazer chegar os seus serviços aos agricultores familiares que historicamente receberam pouca ou nenhuma assistência visando aprimorar suas atividades produtivas.

Portanto, abrir espaço para os agricultores familiares foi uma medida importante e bem-vinda. O desafio agora é apoiar os produtores assentados e de mais baixa renda, que são o segmento majoritário e mais vulnerável economicamente, para que eles possam participar juntamente com a faixa mais capitalizada da categoria das cotas de mercado estabelecidas. Deve-se entender que muitas dificuldades serão enfrentadas na fase inicial de implantação, mas a iniciativa promete nutrir boas oportunidades. Até porque conjugada ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e ao Programa de Alimentação Escolar (PNAE) representará um canal seguro para a comercialização de parcela significativa da produção de leite da nossa agricultura familiar, gerando renda e ocupação nas áreas rurais. Por fim, vale a pena enfatizar que o PLP deve ser apenas uma das estratégias de desenvolvimento rural a ser implementada no semiárido potiguar. Outras políticas públicas, orientadas para esses mesmos produtores de leite, mas também para outras cadeias produtivas e outras atividades, devem ser desenvolvidas concomitantemente. Isto, porém, é um assunto para outro artigo.

*Artigo publicado no jornal “O Mossoroense”, em 11/09/2015

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