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Eles estão juntos há mais de uma década, desde que iniciaram um relacionamento homoafetivo. Com o passar dos anos tiveram a união estável reconhecida e, na quinta-feira passada (23), esta união foi convertida pela Justiça do Rio Grande do Norte em casamento, com os mesmos direitos dos casais ‘convencionais’.
Os homens, um de 43 anos e outro de 49 anos, finalmente conseguiram garantir na Justiça o direito que lutavam para ser reconhecido há um ano: o de serem, legalmente, uma família. A decisão dos desembargadores da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte foi inédita. O pleito do casal foi deferido à unanimidade na 2ª Instância, após ter sido negado pela magistrada que analisou o processo inicialmente.
Profissionais liberais, respeitados em suas respectivas funções, o casal prefere manter a identidade em sigilo no intuito de protegerem o casal de filhos adotivos. Para eles, a preocupação que eles tinham em garantir todos os direitos que os filhos de casais heterossexuais tem quando da morte dos pais ou até mesmo acesso a um plano de saúde como dependentes, por exemplo, foi o que manteve viva a esperança no reconhecimento do casamento.
“Eu me sinto muito gratificado com a decisão da Justiça. Demorou um ano. A expectatia, a ansiedade eram intensas. Houve um desgaste emocional muito grande”, comentou um dos homens. A alegria da conquista, entretanto, superou os momentos de incerteza vividos pelo casal ao longo do processo. “Hoje estamos protegidos pela Constituição. Somos oficialmente uma família”, ressaltou o companheiro. O custo do processo, porém, foi alto. O casal preferiu, entretanto, não detalhar quanto desembolsou no decurso processual.
Para a advogada que acompanha o casal desde o processo de adoção do primeiro filho, a decisão da Justiça Potiguar será um divisor de águas no que tange aos assuntos relacionados ao tema. “É um julgado muito significativo. Servirá de referência para outros processos. A Justiça já vem analisando esses casos com mais atenção”, destacou Cristine Borges da Costa Araújo. Para ela, a decisão do colegiado é uma vitória da cidadania e da dignidade da pessoa humana.
Na decisão, a desembargadora Sulamita Bezerra Pacheco, relatora do processo, afirmou que “pensar de modo diferente é o mesmo que fomentar insegurança jurídica a estas situações, afrontar a dignidade da pessoa humana, discriminar preconceituosamente o optante pelo mesmo sexo, vilipendiar (desrespeitar) os princípios da isonomia e da liberdade, e retirar da família constituída pelo casal homoafetivo a proteção Estatal arraigada na Carta Magna, reduzindo-a a uma subcategoria de cidadão e conduzindo-a ao vale do ostracismo”, argumentou a magistrada.
O casal acredita que, em poucos anos, o fato inédito da Justiça Potiguar será um feito comum. “Esperamos que este casamento seja uma coisa normal, que não choque mais”, afirmaram. Questionados sobre o que sentiram quando o Colegiado proferiu a decisão favorável, um deles disse que num primeiro momento comemorou a vitória jurídica. “Em seguida, caiu a ficha que era, a partir daquele momento, um homem casado e agora tenho uma família reconhecida e protegida pela Constituição”, relatou um deles.
A juíza relatora Sulamita Bezerra Pacheco concluiu seu relatório citando uma célebre frase do escritor Machado de Assis, escrita no romance “Ressurreição”. “Cada qual sabe amar a seu modo; o modo pouco importa; o essencial é que saiba amar””, transcreveu a magistrada. Ela disse, ainda, no mesmo documento, que “a opção sexual do ser humano voltada à formação da família, não deve ser motivo de críticas destrutivas, mas sim de integral proteção Estatal”.
O processo de adoção
Os homens que adquiriram o direito de ser reconhecidos legalmente como um casal, são pais de duas crianças. A primeira, foi adotada quando tinha quatro anos de idade. No processo de adoção, somente um dos pais poderia ter o nome no registro de nascimento. Numa outra decisão inédita no Rio Grande do Norte, a Justiça determinou que o nome do outro companheiro fosse incluso no registro de nascimento da criança.
“O processo de adoção foi mais tranquilo do que o do reconhecimento do casamento. Os juízes, inclusive, quando nós conseguimos incluir o nome do segundo pai no registro, sugeriram que outra criança fosse adotada e que ela teria, automaticamente, os nomes dos pais no registro”, explicou a advogada Cristine Borges.
Para incluir o nome do outro pai no registro da primeira criança adotada, o casal deu entrada na Justiça num pedido de perfiliação. “Naquela época, não poderíamos adotar com os nomes dos dois pais”, relembrou um dos pais. Com a adoção da segunda criança, o processo foi mais simples. Visto que, os nomes dos dois pais foram inclusos ao mesmo tempo no registro de nascimento da criança.
Questionados sobre os tabus relacionados à criação dos filhos sem a presença da figura materna, os homens afirmaram que as crianças crescem conscientes da realidade e que não enfrentam problemas. “Pode acontecer quando elas entrarem na fase da adolescência. Somos respeitados, participamos das atividades escolares e a festa de uma das crianças teve participação em massa dos amiguinhos”, destacou um dos pais.
O outro afirmou que a “nossa família é uma família convencional. Damos aos nossos filhos muito carinho, amor, afeto e, acima de tudo, respeito”. Em relação ao preconceito, eles afirmam que ainda existe, mas numa escala bem menor quando comparada à outras épocas. “Nossas famílias e amigos nos aceitam e respeitam. Os que não aceitam, se calam”, ressaltou o homem mais jovem.
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