Laboratório potiguar reproduz espécies de plantas nativas ameaçadas

24 de fevereiro de 2014

Notícia publicada no Novo Jornal:

Observe a cidade a sua volta. O que você vê? Em quais áreas – excetuando-se bairros nobres, como Petrópolis e Tirol, ou mesmo onde as dunas predominam, como Mãe Luiza – , ainda é possível encontrar a sombra de árvores frondosas? Sim, há dez anos Natal era bem mais verde. É o que indica um estudo feito pelo Laboratório de Biotecnologia de Conservação de Espécies Nativas (Labcen), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. De acordo com a pesquisa, comandada pelo professor egípcio radicado em Natal, Madgi Aloufa, a capital potiguar já perdeu mais de 30% da sua cobertura vegetal.

“Natal já perdeu 30% do seu bioma original, formado, principalmente, pela mata atlântica e a caatinga”, alerta o pesquisador, doutor em fisiologia e biologia das plantas. A perda dessa vegetação gera ilhas de calor e aumento de temperatura em regiões da cidade. Entretanto, a capital potiguar não é a única cidade no estado a perder vegetação: o estudo ainda indica que o Rio Grande do Norte já perdeu 50% do seu bioma original, a caatinga, característica do interior do estado. O ecossistema, que só existe no Brasil e ocupa 12% de todo o território nacional, é também um dos mais misteriosos para a ciência.

Foto: www.portaldoserido.com

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Não existe um catálogo sobre todas as espécies que o habitam. Atualmente, oito espécies de plantas potiguares podem sumir do mapa: braúna do sertão, coração de negro, pau preto do sertão, braúna preta, rabo de macaco, Gonçalo Alves, aroeira do sertão e a famosa carnaúba. A principal ameaça é a mesma: o avanço da indústria sem políticas para preservação e ocupação do ambiente. A indústria da cerâmica, por exemplo, costuma utilizar o tronco de árvores características da caatinga para abastecer os fornos de produção.

Pesquisadores da UFRN, no entanto, têm lutado para preservar a vegetação original do estado. Uma equipe de 14 pesquisadores, entre mestrandos e doutorandos, desenvolve mudas de plantas por meio do sistema de reprodução in vitro. O professor e diretor do laboratório, Magdi Aloufa, explica que o Labcem funciona como um “banco de germoplasma”: ou seja, funciona como um banco de reserva com o DNA das plantas nativas do estado. A partir deste material genético – que pode ser coletado até em pedacinhos de folhas -, podem ajudar a desenvolver plantas geneticamente melhoradas para o processo de reflorestamento de áreas degradadas.

O Labcen, que existe há dois anos, já desenvolveu mais de 50 trabalhos sobre recuperação de áreas degradadas e preservação de espécies em extinção. É o primeiro laboratório do estado a trabalhar com biotecnologia: área que une biologia, química e engenharia para melhoria de procedimentos biológicos que possam trazer desenvolvimento para a produção de bens e serviços. “A partir de um pedacinho de planta, podemos produzir em quantidades de grande escala”, adianta o pesquisador. Somente no Labcen, existem mais de 20 mil mudas de plantas nativas que foram clonadas e melhoradas, guardadas em potinhos de vidro.

De acordo com o professor, a preservação dessas espécies passa por vários processos: desde a coleta na natureza, passando pela esterilização em laboratório até o processo de melhoria genética que Aloufa apelidou de “sopa de nutrientes”. Cientificamente o nome do procedimento é micropropagação: as plantas recebem hormônios vegetais e nutrientes para se desenvolverem em larga escala. Ou seja: se, em um pomar, colhermos a melhor maçã – a mais doce e brilhante que houver no plantio -, a micropropagação irá produzir várias outras com a mesma característica, como se fosse um processo de clonagem.

Para Aloufa, a tecnologia, apesar de bastante difundida no exterior, ainda é pouco usada pela indústria no Brasil. A técnica ganha dos alimentos transgênicos porque é totalmente natural: nenhuma propriedade do alimento é modificada ou melhorada. “Essas plantas melhoradas podem ajudar muito no reflorestamento de áreas degradadas. O grande problema do Brasil, hoje, é que a gente só olha a diminuição do desmatamento. Ano passado, o governo diminuiu o desmatamento da Amazônia em 1%. É um avanço, mas ainda estamos desmatando. O que temos que fazer é trabalhar essas áreas e recuperá-las”, adverte o professor. O resultado da recuperação destas áreas, no entanto, é algo para os olhos de filhos e netos: só pode ser visto em, no mínimo, 100 anos.

Burocracia limita desenvolvimento

Entretanto, nem tudo são flores no laboratório. Apesar de trabalhar pela preservação das espécies, a burocracia e a falta de investimento têm sido um dos principais entraves para o desenvolvimento do setor.

De acordo com o professor Magdi Aloufa, mais de 20 mil mudas de plantas foram perdidas recentemente no laboratório. Trabalho de dois anos jogado fora. A causa? A falta de um ar-condicionado na sala que armazena as plantas. Apesar do pedido já ter sido feito há mais de três meses à universidade, o pesquisador não recebeu resposta.

A sala, que abriga mudas de mais de dez mil espécies, é quente e não pode mais preservar as plantas que estão em desenvolvimento. O local já estava sendo usado para solucionar um problema ainda maior: uma sala de criopreservação. Por meio desta técnica, as mudas são guardadas a uma temperatura de -193 ºC. A falta de calor ajuda a preservar as mudas para o futuro.

Em 2008, o Labcen recebeu investimento de R$ 120 mil do Banco do Nordeste para aplicar na ampliação do laboratório. Entretanto, pela demora na liberação do projeto por parte da reitoria, o dinheiro teve que ser devolvido. O resultado do projeto, inclusive, ainda não saiu. Segundo o professor, perdeu-se uma oportunidade de ter uma tecnologia de ponta na UFRN.

Aloufa, que chegou no Brasil na década de 1980, foi o primeiro pesquisador do RN a trabalhar com biotecnologia. O egípcio chegou ao país após casar com uma brasileira. Apesar de saber, à época, da quantidade de vegetação que poderia desbravar nas suas pesquisas, ficou surpreendido ao constatar como a ciência no país ainda era pouco desenvolvida. E ainda é. “O que falta aqui é investimento. Para ver as coisas funcionarem o pesquisador tem que correr atrás”, ressalta o egípcio. Ele não conta as vezes em que precisou tirar dinheiro do próprio bolso para bancar uma pesquisa.

O professor, no entanto, não se arrepende. “O que estamos tentando preservar não é para agora. É para que daqui a cem ou 200 anos as pessoas possam trabalhar para o reflorestamento. Esse trabalho não é para mim, que não vou estar mais aqui para ver”, diz o pesquisador.

Alimentação enriquecida

Uma das pesquisas que estão em desenvolvimento no laboratório diz respeito a uma planta já bastante vista no Brasil: a moringa. Originalmente indiana, a moringa foi trazida para o ecossistema regional na década de 1980. Entretanto, poucos atentam para a riqueza que suas folhas simples trazem.

De acordo com o mestrando Gleyson Morais da Silva, a moringa é rica em sais minerais, como o ferro, e em vitaminas. De todas as suas partes é possível extrair algum benefício. Segundo o pesquisador, apenas uma colher de óleo de moringa consegue ser sete vezes mais rica em vitamina C do que uma laranja inteira.

O projeto que está sendo desenvolvido pelo Labcem pretende desenvolver uma farinha a partir da folha da moringa, a ser inserida na alimentação da população de bairros carentes da cidade. Para isso, o projeto vai contar com enfermeiros, nutricionistas e pesquisadores, que atuarão em bairros carentes de Parnamirim.

Segundo Gleyson, a previsão é envolver cerca de mil crianças, e observar o seu desenvolvimento nutricional com a inclusão da moringa no cardápio. “Chegar a distribuir as folhas da moringa é muito superficial. O objetivo é ter um suplemento natural e acessível, que possa ser utilizado na alimentação de diversas formas, seja como farinha ou como ingrediente para outros alimentos”, finalizou.

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