Natal na rota da era espacial

2 de janeiro de 2013

Notícia publicada no caderno Cidades do Novo Jornal:

Um projeto científico poderá devolver a Natal o posto de capital espacial do Brasil e garantir que a cidade retorne à sua posição de destaque na pesquisa aeroespacial. O professor do Departamento de Engenharia da Computação e Automação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Francisco Chagas Mota, desenvolveu um sistema de rastreamento GPS (Global Positioning, System) para objetos lançados na órbita espacial. O projeto é o primeiro a ser desenvolvido no Brasil. Apesar de seguir o modelo de um GPS comum, que calcula posição e velocidade do objeto no qual está acoplado, o receptor para foguetes substitui as plataformas importadas utilizadas nos projéteis nacionais. A substituição, segundo Mota, trará mais segurança e ainda custará apenas 10% do valor cobrado pela importação da mesma tecnologia.

Foguete da Base de Alcântara, no Maranhão. (Foto: UOL)

Foguete da Base de Alcântara, no Maranhão. (Foto: UOL)

O projeto é fruto de uma tese de mestrado do professor na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, e data dos anos 2000. Ao longo dos últimos 12 anos de pesquisas, o projeto passou a receber aportes do governo federal, através do programa Uniespaço, da Agência Nacional Brasileira, além de também contar com o apoio do Instituto Nacional de Estudos no Espaço (INEspaço), da UFRN, e do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno.

Os investimentos giram em torno de R$ 500 mil, com resultados já visíveis: no dia 10 de dezembro passado, o projeto passou pelo seu quarto teste e tem tudo para ser adotado pelo governo brasileiro no futuro. O GPS foi testado e aprovado no lançamento do foguete VS-30 Orion, na Base de Alcântara, Maranhão. Com nove metros de comprimento e pesando quase duas toneladas, o foguete percorreu uma trajetória de 428 km durante 11 minutos, caindo em seguida no mar. O GPS esteve acoplado ao foguete junto a outros quatro experimentos, que visavam melhorar a segurança no lançamento de foguetes e satélites.

De acordo com Francisco Mota, o receptor de GPS para foguetes funciona como um sistema de rastreamento comum, com o diferencial de ser menor e mais leve (o protótipo mede 14x5x6 cm e pesa 0,5kg), além de ser resistente às pressões atmosféricas. A previsão é que o GPS final chegue a pesar 0,25kg e ainda diminua de tamanho.

“Um foguete pode chegar a uma velocidade de até 5 mil km/h. Os GPS comuns, quando são utilizados, chegam até certo ponto e travam, não funcionam mais. O sistema GPS para foguetes funciona como um minicomputador e já era utilizado pela maioria dos países com tecnologia aeroespacial. A diferença é que agora poderemos poupar boa parte do que era gasto, além de poder utilizar a tecnologia sem dar satisfação a ninguém”, analisou o professor. O GPS comum trava ao atingir uma velocidade de 1.852 km/h e 18.288 metros.

O receptor GPS espacial é dividido em duas partes: a estrutura metálica, que é acoplada no foguete, e o sistema software, controlado através de um computador que fica na base. O modelo foi desenvolvido com base no modelo GPS arctrict, concedido ao pesquisador pela Universidade de Cornell.

A pesquisa e desenvolvimento de tecnologia aeroespacial, na atualidade, ainda estão nas mãos dos EUA e dos países europeus. O GPS espacial, por exemplo, apesar de ser uma tecnologia utilizada em todo o mundo, só é desenvolvido por cinco países, entre eles Alemanha e Estados Unidos. “A tecnologia aeroespacial sempre teve aplicações militares. Até mesmo para importar as peças ficava complicado devido aos acordos internacionais. Os pesquisadores sempre tinham que dar alguma justificativa para o seu uso e, dependendo do que era dito, alguns americanos nem vendiam”, acrescentou o professor.

Para Mota, o desenvolvimento dessa tecnologia poderá colocar Natal novamente na rota das pesquisas aeroespaciais. “É um material importante para a autonomia espacial brasileira. A tecnologia aeroespacial é uma questão estratégica que ninguém quer dividir. Esse é um projeto que terá aplicações militares e o Brasil precisa disso”, considerou o pesquisador.

Os protótipos estão sendo desenvolvidos em São Paulo, com previsão de passarem por testes em foguetes maiores a partir do próximo ano. Sua maior vantagem está na segurança: a rota do foguete passa a ser monitorada através do radar da base, como normalmente é feito, e também através do GPS. “O próprio foguete sabe onde está. Você passa a ter informações duplicadas sobre a localização do foguete, e isso é essencial quando se trabalha com risco”, sublinhou.

Esse sistema de localização é importante também para evitar acidentes aeroespaciais, como a queda de foguetes em aglomerados urbanos. A mudança da base de testes do GPS da Barreira do Inferno para a Base de Alcântara, inclusive, teve relação com segurança.

“A barreira ficava no centro de um aglomerado urbano (Parnamirim), o que não tornava o projeto muito seguro. A mudança para Alcântara se deu principalmente por causa disso”, contou o pesquisador. Essa mudança no local de testes, no entanto, não interfere no legado que o projeto deixa para a pesquisa aeroespacial em Natal.

“Sem dúvida esse projeto vai deixar aqui um interesse por pesquisas na área. Somos pioneiros no desenvolvimento dessa tecnologia. Natal pode voltar a crescer nessa área, mas é preciso ter investimento contínuo por parte do governo federal.”

O QUE HÁ NO CÉU DE NATAL

O projeto do GPS espacial também rendeu frutos acadêmicos: dois engenheiros do Centro Espacial da Barreira do Inferno apresentaram teses de mestrado sobre o assunto. Um dos mestrandos foi o pesquisador Leilson Alves de Albuquerque, engenheiro da computação da Barreira do Inferno há 28 anos. Segundo Albuquerque, o desenvolvimento do receptor GPS brasileiro é uma boa notícia para a indústria aeroespacial brasileira – principalmente com relação ao uso para fins militares.

“Eu posso colocar o GPS em um satélite, em um foguete ou em um míssil. O receptor GPS que se encontra no mercado é uma tecnologia dominada por, no máximo, cinco países e você tem que se submeter a uma série de acordos internacionais. A pesquisa aeroespacial brasileira passa a ter mais autonomia”, comentou o engenheiro.

Apesar da importância do projeto, Albuquerque ressalta que é um erro considerar que Natal esteve fora da rota da pesquisa aeroespacial nos últimos anos. O que houve foi uma oscilação nos investimentos, o que, segundo o engenheiro, aconteceu em todo o país.

O engenheiro defende que a Barreira do Inferno não sofreu nenhum tipo de apagão na pesquisa aeroespacial – apesar das limitações apontadas pelo pesquisador Francisco Mota. Segundo ele, a divisão dos experimentos entre a Barreira e a Base de Alcântara (MA), que será reaberta oficialmente no próximo ano, é uma questão de capacidade.

“A presença da população civil ao redor da Barreira não nos limitou, mas tivemos que aderir a questões de segurança. A base ficou com o lançamento de satélites e foguetes suborbitais, enquanto que Alcântara ficou com os grandes foguetes”, explicou.

Atualmente a Barreira se limita a quatro ou cinco lançamentos por ano, que levam experimentos produzidos pela UFRN ou pela própria base. Segundo Albuquerque, três projetos estão sendo desenvolvidos pela base envolvendo antenas, um Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT) e trajetografia (otimização do uso do radar para localização dos objetos lançados). Ele preferiu não dar detalhes sobre a pesquisa, mas considerou que “é uma imprecisão dizer que a pesquisa aeroespacial morreu”.

Contudo, assim como o professor Francisco Mota, o engenheiro acredita que falta uma política voltada especificamente para o setor aeroespacial brasileiro. Apesar de ser um setor caro, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançou uma nota ao governo brasileiro, em julho de 2012, considerando a área um “terreno fértil” para investimentos, uma vez que pode atrair parcerias com países que desenvolvem pesquisas no setor, como Ucrânia e China.

“O programa espacial brasileiro é um programa de Estado e não de governo. É uma área que precisa de investimentos. O Brasil tem seguido exemplos de alguns países mais desenvolvidos na área, mas é preciso fazer investimentos para trazer resultados como o GPS”, analisa.

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