O dia-a-dia de quem depende do transporte público em Natal

3 de fevereiro de 2014

Notícia publicada na Tribuna do Norte:

Chuva, sol, paradas sem cobertura, muita espera e pouco espaço dentro dos ônibus. Todos os dias, os usuários do transporte coletivo de Natal enfrentam uma saga dantesca para chegar ao trabalho ou às escolas e universidades da cidade. Os problemas não são novos ou desconhecidos – já se tornaram cena comum à rotina urbana. Entretanto, as soluções apontadas pelas empresas operadoras do sistema e  estudadas pelo poder público não parecem tão próximas.

Durante esta semana,  TRIBUNA DO NORTE acompanhou o dia a dia dos passageiros natalenses e percorreu rotas importantes da cidade para registrar os já conhecidos problemas do transporte coletivo, principais gargalos e  quanto tempo o natalense gasta para chegar ao seu destino diariamente. Encontrou pessoas que passam o equivalente a dois dias por mês em uma condução para ir e voltar do trabalho.

Foto: trampolimdavitoria.blogspot.com

Foto: trampolimdavitoria.blogspot.com

A reportagem também comparou quanto tempo um cidadão leva para ir das zonas Zorte, Sul e Oeste para os bairros de maior movimento comercial, na zona Leste da capital, nos horários de pico. A viagem foi feita tanto de ônibus como de carro particular.

Saga diária

“Eu já nem sei o que mata mais. Se o trânsito, a fome ou a guerra”. O rádio de pilha do cobrador Francisco Sales, que trabalha na linha Eucaliptos, de Nova Parnamirim, tocava a música ‘Milho aos Pombos’, de Geraldo Azevedo, enquanto o motorista Joelson Guedes vencia poucos metros da Avenida Salgado Filho a cada minuto. Às 7h20, o tráfego fora prejudicado por uma lagoa formada no meio da via. A lentidão começou ainda na altura da Arena das Dunas, na BR-101. “Há dez anos a gente fazia a viagem em 80 minutos. Hoje, a empresa dá 95, mas sempre acaba atrasando”, conta Sales.

Os passageiros, em pé, espremidos no corredor estreito do veículo ou na escada de entrada (local de permanência proibida) relatam  que a cena é “normal”. Mesmo com pessoas esperando aparecer algum espaço para passar a roleta, a empresária Raquel Santos, de 21, anos, diz que existem dias nos quais a linha 38 está mais cheia. “Tem um ponto que o motorista não consegue mais colocar gente dentro. Ai, a gente tem que esperar mais uma hora”,afirma.

Idosos

O desrespeito aos idosos é uma das principais reclamações. “Os velhinhos mostram a carteira e eles passam direto, fingem que não vêem”, diz a vendedora Jaciara de Oliveira, que usa a linha 14, na zona Norte.

Muitas paradas sem abrigo, em todas as regiões visitadas, não têm sequer placas de identificação. “A gente sabe porque passa todo dia. Quando tem árvore, a gente para um pouco afastado e as motos passam do lado direito, atropelando os passageiros”, explica o motorista Willian de Souza.

Clique aqui para ver a publicação original

Devagar…quase parando!

Tribuna do Norte:

Usuário da linha 14, na zona Norte de Natal, Daniel Moura da Silva, 37 anos, leva pelo menos duas horas por dia, 12 horas por semana, 48 horas por mês, para ir e voltar do lar de idosos onde trabalha como supervisor de cuidadores. Para  percorrer os 12 quilômetros entre a parada no bairro Soledade e o ponto em frente à Central do Cidadão do Alecrim, o ônibus que a reportagem acompanhou levou 58 minutos, numa média de praticamente 12 quilômetros por hora.

“Geralmente é mais tempo. Principalmente quando as aulas começam”, afirma. O tempo de uma hora, no deslocamento de casa para o trabalho de Daniel é cerca de 30% maior que a média de tempo gasto pelos moradores das regiões metropolitanas brasileiras: de 40,8 minutos, segundo dados publicados em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  A média nacional é de 30,2 minutos.

Os passageiros das linhas que circulam na zona Norte têm  um medo em particular: que algum acidente aconteça próximo à ponte de Igapó nos horários de trânsito intenso. “Quando tem, é mais de duas horas. O pessoal desce e vai a pé, porque é  mais rápido”, confirma a autônoma Núbia Silva, 49, que utiliza a linha 70.

Para chegar ao bairro Alecrim, destino diário de Daniel e Núbia, um carro de passeio não levou mais que 22 minutos. A volta, às 18h, demorou um minuto a mais que a ida.

Nova Parnamirim/ Cidade Alta

A média é praticamente a mesma para os ônibus de Nova Parnamirim, na zona Sul da capital.  O trânsito se intensifica, por volta das 7h, ainda no início da avenida Ayrton Sena, e a cada parada a lotação se intensifica. Os semáforos são a principal reclamação do motorista Joelson. “Cada um é um gargalo. Quando não tinha eles, era muito mais rápido”, coloca. A viagem também fica mais lenta quando o ônibus passa pela avenida Roberto Freire, mas é na avenida Salgado Filho onde o ônibus perde mais tempo. Cerca de meia hora.

Os ônibus que passam pelas avenidas Maria Lacerda e Abel Cabral também seguem grande parte dos percursos lotados e são alvo de reclamação mesmo dos que, normalmente utilizam a linha Eucaliptos.

Planalto/Cidade Alta

O 38 saiu do Planalto, passou pelo Alecrim e chegou à Cidade Alta em pouco menos de uma hora. A maior parte dos passageiros sobe próximo à rodoviária nova. “Isso, quando a gente já não sai do bairro com ele todo lotado”, conta o cobrador. O trânsito só se intensifica perto do Alecrim, bairro que concentra grande parte do comércio popular da cidade.

Enquanto os ônibus vão parando em cada ponto, de semáforo em semáforo, levando cerca de uma hora para vencer a pouca  distância, os veículos de passeio usam um quinto desse tempo – mesmo que, por vezes, percorra mais quilômetros, seguindo por vias alternativas.

Os semáforos, os acidentes, o alto número de passageiros, e até a dupla jornada do motorista como cobrador são as explicações de praticamente todos os condutores para os atrasos. “Essa linha tem 16 carros, mas tem  hora que eu não tenho nenhum aqui. Estão todos presos em congestionamentos”, diz o despachante de uma das linhas. No caso da 33, no Planalto, um carro que fazia 10 viagens por dia em 1995, hoje não faz mais que seis, no mesmo período, de acordo com informações do Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros de Natal (Seturn) .

136665

 

Opinião
Usuários falam sobre o sistema

“Muitos motoristas não esperam as pessoas descerem. Uma vez, o um deles largou antes da minha filha, que é especial, sair. E só parou lá na frente, porque o pessoal ficou gritando. Ela chorou muito”.
Maria Souza, 62, aposentada

“Já fui trabalhar de bicicleta e gastei só 45 minutos. Eu queria ir sempre assim, mas é muito perigoso. Natal tem ciclovias. Moro a cinco anos aqui e acho o trânsito e o transporte muito ruim”.
Francisco Max, 40 anos, soldador

“Os motoristas não param para os idosos. Eles olham meus cabelos brancos e passam direto. Tenho que pegar dois ônibus pra chegar no trabalho e desse jeito a gente acaba  atrasando”
Lindalva Ferreira, 60 anos, lavandeira de hotel.

“Muita gente, muito calor, pessoas passando mal,sem contar os assaltos. Já tive uma faca apontada pra mim. A gente paga passagem cara, muito imposto e vive desse jeito”.
Francine Oliveira, vendedora

Empresários cobram reajuste ou subsídio

Tribuna do Norte:

Três anos sem aumento da tarifa  e  subsídios seriam responsáveis pela “falta de investimento, degradação e o mal serviço” do transporte público em Natal. A afirmação é do consultor do Seturn, Nilson Queiroga. De acordo com ele, Natal também enfrenta seus principais problemas de mobilidade pela falta integração dos poderes executivos nas estâncias municipal, estadual e federal, além do poder legislativo, sociedade civil e mesmo setores que, aparentemente, não têm tanta relação com a mobilidade.  “Será que não é preciso que o setor da Educação participe dessa integralização? Um dos principais problemas nos horários de pico é a entrada dos alunos nas escolas”, explica.

Segundo Queiroga, seria preciso que a passagem custasse, atualmente, cerca de R$ 2,50, para que o serviço fluísse de forma saudável. “A passagem de trem é R$ 0, 50, mas o Governo Federal subsidia mais de R$ 4 por passageiro. Porque isso não pode ser feito com os ônibus?”, coloca. Ainda de acordo com ele, 5% da passagem atual é referente a impostos.

Questionado se a frota da capital teria reduzido depois que a Prefeitura voltou atrás, em 2013, e passou R$ 2,40 para R$ 2,20 o preço da tarifa, o consultor negou e explicou que o que ocorre é uma sazonalidade da frota, que não é fixa, mas flutua de acordo com os períodos de férias, aulas, feriados, além dos finais de semanas e feriados.

Ainda de acordo com Nilson Queiroga, mudanças estruturais na localização de paradas de ônibus , vias exclusivas para ônibus e semáforos  poderiam reduzir o tempo de viagem e até mesmo o custo do transporte coletivo. “O nosso serviço é repassador dos custos. O povo é que acaba pagando por isso”, coloca.

O consultor conta que, de acordo com as diretrizes municipais, o transporte coletivo é uma prioridade, visto que, se ele funciona bem, a cidade ganha mais fluidez, com menos carros nas ruas.  “Mas isso não acontece na prática”, lamenta. “O coletivo leva quatro pessoas confortavelmente em um metro quadrado, enquanto um carro tem 10 metros de comprimento e muitas vezes só leva uma pessoa”, diz.

Segundo a Semob, até a Copa, as avenidas Salgado Filho, Prudente de Morais, Mor Gouveia e jerônimo Câmara terão faixas exclusivas para ônibus. “E elas devem permanecer no futuro”, diz Clodoaldo. “Por enquanrto temos muitas obras que também estão atrapalhando o tráfego de carros e ônibus. E ainda devem piorar. Mas trarão muitos benefícios”, diz o secretário Clodoaldo Trindade.

Clique aqui para ver a publicação original

Licitação para o setor não tem prazo definido

Notícia publicada na Tribuna do Norte:

A licitação do transporte público de Natal é a solução para o transporte público e uma das principais ferramentas para a melhoria da mobilidade urbana, segundo secretário adjunto da Secretaria de Mobilidade Urbana de Natal, Clodoaldo Trindade. Porém o projeto só deve ser concluído, no mínimo, no fim deste ano. É que, de acordo com o secretário, a Prefeitura precisa fazer um estudo da demanda pelo serviço em todos os bairros da cidade. Uma empresa será contratada para fazer esse trabalho, que deve durar entre quatro e cinco meses.  O estudo vai apontar as diretrizes para o edital de licitação do sistema de transporte de passageiros municipal.

Quase de R$ 1 milhão foram pagos pela Prefeitura de Natal, na gestão anterior, por um estudo como este primeiro. Porém, de acordo com o Clodoaldo, o estudo não pôde ser aproveitado porque, em acordo firmado com os permissionários do transporte opcional o número de vagas  vagas licitadas para os transportes alternativos precisa aumentar. “Isso muda toda a realidade, e por isso o estudo precisa ser refeito”, considera o secretário.

O projeto de licitação do transporte público é inédito no Rio Grande do Norte. Atualmente, as seis empresas que atuam no transporte de passageiros em Natal e Região Metropolitana trabalham através de permissões que são renovadas periodicamente.

Clique aqui para ver a publicação original

Deixe seu comentário:

© 2015 RioGrandedoNorte.Net - Todos os Direitos Reservados

O RioGrandeDoNorte.Net seleciona as notícias mais importantes da semana a partir das mais confiáveis fontes de informação setorial. Em algumas delas, agregamos o noticiário de um assunto em um só item, ressaltamos (negritando) ou até comentamos (grifando) a notícia original, caso pertinente.