O TAMANHO DO rombo feito no erário público pela quadrilha que agia na divisão de precatórios do Tribunal de Justiça começa a aparecer. A auditoria realizada pelos dez técnicos do Tribunal de Contas do Estado já identificou um desvio de mais de R$ 11 milhões. O relatório parcial do TCE com os números do roubo e uma lista de irregularidades constatadas será divulgado hoje, às 10h, quando o conselheiro e relator Carlos Thompson vai ler o documento na sessão do pleno.
Já se sabe, no entanto, que os números são bem superiores ao que serão divulgados hoje. Na investigação paralela feita pela comissão interna que apura administrativamente o desvio de verba pública o dinheiro que sumiu dos cofres públicos ultrapassa os R$ 15 milhões. Os números da comissão são referentes aos processos de 2010, 2011 e uma pequena parte de 2007 e 2009. O segundo relatório parcial da comissão será entregue à presidente do TJ amanhã à tarde. O documento, porém, ainda não trará o valor já apurado.
O NOVO JORNAL apurou que o relatório do TCE vai confirmar o superfaturamento dos precatórios da divisão já analisados e pagos entre 2007 e 2011, período investigado quando o setor era chei ado pela ex-diretora Carla Ubarana.
Ela é apontada como responsável pela maior fraude já registrada na instituição. Carla e o marido, o empresário George Leal, estão em prisão domiciliar. Ao todo, cinco pessoas foram presas na operação Judas, del agrada pelo Ministério Público em 31 de janeiro deste ano. Os outros três acusados que foram apontados como larajnas no esquema já conseguiram habeas corpus e respondem ao processo em liberdade.
Como o documento do TCE é parcial, o montante desviado pela quadrilha que agia dentro do TJ, segundo Carla Ubarana, com anuência dos desembargadores Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro, não chegará ainda aos R$ 70 milhões estimados no início das investigações. O maior precatório registrado pelos técnicos no período tem a empresa Henasa Empreendimentos Turísticos Ltda. como beneficiada.
O aumento no valor pago chamou a atenção dos técnicos do TCE. Surpreendentemente o precatório passou de R$ 17 milhões para R$ 191 milhões. Um acordo entre as partes o reduziu para R$ 95 milhões. Porém, após análise, a comissão que investiga a fraude constatou que a dívida equivaleria a R$ 77 milhões.
O TCE vai apontar como envolvidos na suposta irregularidade (superfaturamento de R$ 22 milhões) o atual procurador geral do município, Bruno Macedo, o advogado da Henasa, Fernando Caldas, a ex-chefe da divisão dos precatórios, Carla Ubarana, e o responsável pelos cálculos no setor, João Batista Cabral. O relatório vai recomendar a extinção do acordo entre a prefeitura e a Henasa, além do pagamento de multa pelos envolvidos.
CÁLCULOS
Os técnicos do TCE pediram e o Tribunal de Justiça já mudou o modelo atual de cálculos dos precatórios. O Tribunal sugeriu a adoação do mesmo modelo usado pela Justiça Federal.
Em nota oficial, a presidente do TJ, desembargadora Judite Nunes, ai rmou que já atendeu a notii cação do TCE. A partir de agora, a atualização dos cálculos, para precatórios e requisições de pequeno valor, será feita de acordo com a tabela da Justiça Federal. Isso significa que ao valor corrigido será acrescentado apenas os juros de 0,5% ao mês. “A referida Tabela se reporta aos pagamentos relativos às requisições decorrentes de ações condenatórias em geral, cuja atualização em virtude da correção monetária toma por base diversas normas”, diz o comunicado. Na íntegra da sentença, Judite também afirma que os entes envolvidos nos precatórios serão notificados quando for verificada algum tipo de irregularidade nos pagamentos.
As novas determinações atingem os precatórios já cumpridos pelo Tribunal de Justiça. A partir de agora, a divisão de precatórios deverá notificar os representantes legais das Fazendas Públicas do Estado e dos Municípios do Rio Grande do Norte, incluídas suas autarquias e fundações, “dando-lhes vistas dos processos cujos pagamentos já foram realizados, a partir de janeiro de 2007, para que possam analisar os autos e se for encontrado algum pagamento irregular que sejam adotadas as providências legais cabíveis, inclusive quanto ao pretenso ressarcimento ao erário”, diz a nota.
GOVERNO ESTUDA CONTRATAR ESCRITÓRIO PARA RASTREAR VERBA NA EUROPA
O Governo do Estado já estuda a possibilidade de contratar um escritório de advocacia na Europa para ajudar no trabalho de repatriação da verba desviada da divisão de precatórios do Tribunal de Justiça. O procurador geral do Estado, Miguel Josino, está a cada dia mais certo de que é real a probabilidade do governo em parceria com o Ministério Público descobrir que Carla Ubarana e George Leal esconderam parte do dinheiro roubado em paraísos fiscais na Europa.
No próximos dias Josino vai designar um procurador para ir a São Paulo e Brasília consultar a procuradoria municipal de São Paulo e Advocacia Geral da União, respectivamente. A ideia é aprender com a experiência deles como o Rio Grande do Norte deve proceder para repatriar o dinheiro roubado. Depois desse primeiro contato oi cial (já houve consultas por telefone), o escritório de advocacia no exterior será melhor analisado. “Já estamos pensando em contratar um escritório para ajudar, mas só depois de saber como isso funciona. Primeiro vamos consultar a procuradoria de São Paulo e a AGU porque não temos ideia de nada. O Estado nunca fez isso, por isso não sabemos como proceder”, afirmou.
O procurador geral do Estado sabe que esse trabalho de resgate será difícil. Isso porque a abertura de contas em paraísos fiscais não é a única forma de se esconder dinheiro no exterior. Outro detalhe é que o governo já trabalha com possibilidades do casal Carla Ubarana e George Leal ter usado, além da Suíça, a França como paraíso fiscal. Os indícios de que parte do dinheiro dos precatórios está fora do país surgiram depois que Carla Ubarana devolveu ao erário, em espécie, uma quantia equivalente a R$ 226 mil. O dinheiro foi entregue em três moedas diferentes, entre elas 5.050 francos suíços, moeda oficial da Suíça.
No material apreendido com Carla Ubarana na época da operação Judas também chamou a atenção bilhetes de trem no trajeto França/Suíça. Em dois anos, o casal viajou quatro vezes para Zurique e Liechtenstein (principado europeu localizado entre a Áustria e a Suíça). Além do dinheiro vivo, o casal devolveu um patrimônio material avaliado em R$ 4,7 milhões. O acordo entre o Ministério Público e casal foi previsto no benefício da delação premiada que, ao final do processo, o juiz vai decidir se concede ou não.
INVESTIGAÇÃO SOB SIGILO
O processo dos precatórios do TJ chegou à procuradoria geral da República mas está sob sigilo. Uma subprocuradora já foi designada para apurar as irregularidades, mas ninguém fala do assunto. A PGR entrou no caso depois que Carla Ubarana citou no depoimento que deu à Justiça os desembargadores Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro como co-autores do esquema de corrupção na divisão de precatórios do TJ. Como magistrados de primeiro grau não pode julgar desembargadores, o juiz da 7ª Vara Criminal, José Armando Ponte remeteu o processo para o Superior Tribunal de Justiça, para a Procuradoria Geral da República e para o Conselho Nacional de Justiça. O NOVO JORNAL também procurou o Conselho Nacional de Justiça para saber o que já havia sido feito em relação ao escândalo do TJRN. A assessoria de comunicação do orgão informou que o conselho aguarda a chegada de documentação do Ministério Público com o relato do que já foi apurado. A partir daí, a corregedoria vai analisar se o CNJ vai entrar ou não no caso.
OAB VAI PUNIR ADVOGADOS ENVOLVIDOS NO ESCÂNDALO
A OAB do Rio Grande do Norte vai punir os advogados considerados culpados pela Justiça no escândalo dos precatórios com uma suspensão preventiva que pode durar até 90 dias. Nesse tempo, um processo administrativo será aberto pela entidade. Ao final da apuração, a pena pode variar de uma simples advertência até a expulsão da OAB e a consequente proibição do proi ssional advogar. As medidas, segundo o presidente da OAB, Paulo Teixeira, valem para qualquer circunstância em que advogados cometem delitos. “É a mesma posição que a gente adota em relação a todo mundo”, disse.
Ele lembrou que até o momento nenhum advogado foi citado nominalmente no processo. No diário que a ex-chefe da divisão de precatórios do TJ, Carla Ubarana, escreveu durante os 28 dias em que esteve presa na ala feminina do complexo penal João Chaves, há nos manuscritos referências a ‘advogado (que) cobrava duas vezes o mesmo e coni rmava que não tinha recebido’. Logo acima, Carla cita também que ‘juízes mandavam o mesmo precatório duas ou três vezes para pagar’.
Na quarta-feira passada, a OAB divulgou em nota oi cial que pretende pedir, via Conselho Federal dos Advogados, uma reunião com a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon. A ideia, de acordo com Paulo Teixeira, é se inteirar do assunto. “Vamos encaminhar na próxima segunda-feira o ofício pedindo a reunião. A questão dos precatórios é um assunto que interessa a OAB no Brasil inteiro. Queremos nos inteirar sobre o que está sendo feito, saber que medidas podem ser tomadas pelo CNJ e pedir ao Conselho que isso possa ser apurado da forma mais breve possível”, ai rmou o presidente da OAB no RN.
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