As filas para o atendimento médico, nas quais a espera pelo médico ou um exame leva horas, não estão mais associadas aos serviços públicos de saúde. Nas unidades da rede privada de hospitais e clínicas em Natal, tem se tornado comum recepções lotadas por pacientes de planos de saúde que reclamam da demora. Em três desses estabelecimentos, percorridos ontem pela manhã pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE, a média de tempo para ser chamado ao consultório era de três horas.
Frustração e impotência se misturam nas descrições que os pacientes fazem da situação. As reclamações dos usuários começam, invariavelmente, pelo custo atual dos planos de saúde – em torno de R$ 700,00 mês para o atendimento da família – e terminam com o desencanto por terem que esperar por um atendimento pago tanto quanto esperariam em um hospital ou posto de saúde da rede pública de Saúde.
Nos últimos nove anos, conforme dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), cerca de 16,8 milhões de pessoas aderiram a um plano de saúde. A quantidade de usuários saiu de 31,7 milhões para 47,8 milhões em menos de uma década. No Rio Grande do Norte, segundo a ANS, o número de beneficiários de planos de saúde cresceu 21% entre 2009 e 2011.
“Eu desconheço a origem do problema. Não sei se é culpa do hospital, que não marca os procedimentos, ou se é culpa do plano de saúde”, relatou a professora Marília Freire enquanto aguardava ser chamada para realização de um exame em um dos hospitais visitados. Ela relatou que já chegou a perder um período inteiro do expediente de trabalho em decorrência da demora no atendimento médico.
A impaciência atinge crianças, adultos e idosos, alguns deles já com mais de duas horas nas filas, enquanto as recepcionistas tentavam explicar aos pacientes que vão chegando e aos que reclamam – de vez em quando – que a demora era devida a superlotação nos setores de atendimento pediátrico e adulto. O estudante Iago Medeiros esperou por mais de uma hora e meia apenas para assinar documentos relativos aos procedimentos que deveriam ser realizados. Ele tinha febre e apresentava sintomas de gripe. Em um dos hospitais, quem chegava era alertado que o atendimento poderia demorar até duas horas e meia, depois do registro de entrada. O tempo final, porém, era superior.
O estudante Samie Menezes de Machado era um exemplo. “Estou aqui há mais de três horas. Fiz um raio-x e um exame de sangue e me mandaram esperar. A desculpa dos funcionários é de que os médicos estão ocupados com emergências. E nós, não estamos num pronto-socorro e não deveríamos ser considerados prioridade?”, indagou ele.
Cansada de esperar e sem expectativa de ter os dois filhos atendidos ainda na manhã de ontem, Elielma Maria de Lima, medicou, por conta própria, o filho mais velho e pensava em levar o filho mais novo, de um mês de vida, para uma outra unidade hospitalar. “Somente para preenchermos os papéis demoraram mais de 30 minutos. A demora é muito grande e eu gasto cerca de R$ 350 mensais com plano de saúde. É sempre assim. Seja aqui ou em outro hospital”, lamentou Elielma.
Uma das atendentes, em um dos hospitais, confirmou que somente um médico plantonista estava responsável pelo atendimento de pacientes em situação de urgência e emergência, pacientes em retorno de procedimentos previamente realizados e os que aguardavam consulta na ala de urgência.
“Do meu ponto de vista, a culpa é da administração do hospital que não disponibiliza um número maior de profissionais”, destacou Iago Medeiros. “Os médicos não se preocupam com a questão da espera. Nem eles, nem os funcionários do hospital”.
ESPERA
O funcionário público Marcelo Marques estava com a família, num dos hospitais do centro da cidade, aguardando uma consulta de um pediatra para um filho de cinco anos. “Acho que o SUS hoje é o melhor plano, pelo menos a gente usa sem pagar tanto por ele”, disse ele, com relação ao serviço público de saúde que é custeado pelo contribuinte.
Para Marques, “hoje está sendo quase a mesma coisa”, ser atendido na rede pública de saúde ou na rede privada, porque também existe demora no atendimento privado. “Já se chegou a esperar duas ou três horas para haver atendimento”, frisou ele, na frente de um consultório particular.
Usuários não apresentam reclamações
O presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Rio Grande do Norte (Sindsern), médico Elson de Souza Miranda, explicou que a instituição nunca recebeu reclamação contra a má prestação de atendimento por algum paciente. “Não chegou nenhuma reclamação desse tipo, mas, geralmente, reclamam das próprias operadoras ou se recorre ao Procon”, disse ele, por telefone, porque se encontra fora do Estado. Elson Miranda afirmou, ainda, que quando se trata de atraso no atendimento de uma consulta médica, o fórum adequado para a denúncia é o Conselho Regional de Medicina.
Porém, Miranda disse que é muito relativa a demora, pois depende da especialidade médica e, na maioria das vezes, os problemas que ocorrem são com as operadoras de planos de saúde, “que ficam negando material ou procedimentos, aí o paciente fica chateado mesmo, mas os hospitais não têm culpa”.
Segundo Miranda, quando se trata de uma cirurgia marcada no próprio hospital, por exemplo, não tem como haver demora, porque os hospitais “vive da prestação do serviço e não se justifica atrasar o procedimento”, pois caso já esteja autorizado, “o interesse é fazer o mais rápido possível”.
Quanto ao atendimento nas clínicas, Elson Miranda afirmou que essa demora é muita relativa, pois existem casos de chegar um paciente com uma necessidade mais urgente, a preferência vai ser dele: “Se o caso é de urgência, não é porque alguém chegou primeiro, que tem de ser atendida primeiro”.
Em outras hipóteses, quando há um surto, como o de dengue, não tem como se evitar filas, “porque nem sempre os hospitais estão preparados para atender um volume alto de pacientes”.
Por fim, disse ele, reclamação sempre vai existir, mas o atendimento “varia muito de caso a caso”.
PROCON
O estudante Samie Menezes de Machado se define como “sem sorte”. Durante o tempo em que esperava por atendimento em um hospital que atende pelo plano de saúde dele, no final da manhã de ontem, Samie relatou experiências desagradáveis em relação ao tempo perdido com a espera por atendimento médico. “Numa clínica de oftalmologia, eu cheguei a esperar quatro horas. É um absurdo. Eu não consigo assimilar isso. Nós pagamos caro e não temos acesso a um serviço de qualidade”. Numa clínica de fertilização privada, uma mulher que preferiu manter sua identidade sob sigilo, disse que aguardou quase quatro horas para realizar um exame. “Estou na fase final da minha gestação e preciso fazer um exame chamado monitoragem fetal pelo menos uma vez, por três semanas. A clínica marca uma quantidade enorme de pacientes para o mesmo dia e o resultado e a espera prolongada”, comentou a mulher. Apesar de reclamarem da “ineficiência” do atendimento, os usuários potiguares dos planos de saúde não recorreram ao Procon. O diretor da entidade, Araken Farias, confirmou que não existe nenhuma demanda relacionada à espera por atendimento. “Não temos este tipo de demanda. Temos em relação à negativa de determinados atendimentos, a não realização de procedimentos cirúrgicos, por exemplo. Mas, por atraso, não fomos acionados”, afirmou Araken Farias.
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