DONA LUZIA BADENES, 80, voltou a sorrir. Há quatro semanas ela passou por uma cirurgia pioneira no País que já lhe devolveu a possibilidade de realizar tarefas simples, como levantar e caminhar sozinha. A idosa sofria com uma doença no labirinto e, apesar de já ter ido a diversos médicos e tentado inúmeros tratamentos, não havia tido resultado. Continuava sem nenhum equilíbrio.
O entusiasmo da bem humorada Luzia voltou após ela ser encaminhada para o otorrinolaringologista Pedro Calvalcati pelo neurologista Mário Emílio. Até então, ela não tinha esperança de ser curada. Segundo seu marido, Paulo Badenes,74 anos, ela até já tinha dito que preferia morrer a viver na situação em que estava.
O mal que acometia dona Luzia era uma doença também chamada sídrome de Ménière, que lhe havia deixado com um labirinto defeituoso. Feito o diagnóstico correto, ela foi submetida a uma labirintectomia (retirada do labirinto) feita com a ajuda de endoscópios, a primeira realizada no Brasil e uma das primeiras em todo o mundo. O procedimento utiliza pequenas câmeras e tem uma invasão mínima , além de um pós-operatório muito simples.
A cirurgia deu fim a uma verdaderia odisseia. Antes de chegar a Pedro Calvacanti, a octogenária já havia passado por diversos outros profissionais. Só em São Paulo, ela já tinha ido a mais de seis médicos.
Não satisfeita com os diagnósticos, partiu para a Europa à procura de uma medicina mais avançada. “Um médico da França disse que eu não tinha falta de equilíbrio. No entanto, eu estava quase caindo”, lembrou. Tudo havia sido em vão.
Luzia conta que também já havia feito vários tipos de reabilitações, que são ‘fisioterapias do equilíbrio’. “Eu já tinha feito de tudo, andado de quatro, andado de cima, andado na parede”, contou. “Mas eu botei na minha cabeça que ia conhecer um médico em Natal mesmo e ia resolver”, completou. Ela já tinha feito até uma labirintectomia química, mas o medicamento que anularia o órgão não alcançou o lugar certo. A cirurgia pioneira foi realizada no início de abril passado. E como o procedimento é pouco invasivo, seguindo uma tendência da medicina mundial, a idosa conta que foi para o quarto após o procedimento sem sentir nenhum incômodo. Só sentiu depois um pouco de enjoo, mas foi medicada e logo voltou ao normal.
“Não senti mal estar, não vomitei, nem senti dor. Foi como se não tivesse feito nada. Tanto que eu dormi a tarde toda e ninguém me incomodava”, ressaltou.
Hoje, apenas quatro semanas depois da operação, ela já realiza ações que antes eram quase impossíveis. “Hoje já me abaixo; se tem um objeto mais baixo na estante já posso buscar; e já me visto melhor. Basta escorar na parede e me vestir. Antes eu tinha que me sentar”, comparou. Acima de tudo, ela está muito mais otimista.
TÉCNICA SEGUE TENDÊNCIA MUNDIAL
O otorrinolaringologista Pedro Guilherme Cavalcanti, que tem acompanhado o caso de dona Luzia, explicou que a recuperação da cirurgia em si já está em fase final. “Agora, ela vai passar pela fase realmente de recuperação e reabilitação do labirinto, que terá o resultado esperado por que não terá mais o labirinto defeituoso para atrapalhar”.
O médico explica que atualmente há uma tendência mundial indicando que as cirurgias sejam feitas com a menor agressão possível, através de pequenos cortes ou das próprias cavidades naturais do organismo. E por meio de câmeras se consegue realizar estes procedimentos cirúrgicos. “Até o momento, não tinha sido realizada nenhuma labirintectomia pela própria via auditiva, utilizando câmera. E aí nós tivemos essas oportunidade de realizar esse tipo de procedimento em que o corte é mínimo, muitas vezes nem é visível. E o grau de queixa do paciente é bem menor e o procedimento é mais seguro”, explicou.
De acordo com Pedro, este tipo de procedimento já é uma realidade nas cirurgias laparoscópicas. Nas do nariz, por exemplo, é muito comum. Já o médico cearense João Flávio Nogueira ressaltou que o uso de endoscópios nos ouvidos é realizado há pelo menos uns dez anos, mas eram tratados como instrumentos secundários. “Só para dar uma olhadinha. Fazia uma cirurgia com o microscópio e via como havia ficado com o endoscópio”, ressaltou.
Só que, com o passar da evolução do próprio instrumento, das próprias câmeras com a imagem melhor, foram se descobrindo novas formas anatômicas. E isso é muito importante para se descobrir as características da própria doença, a fisiopatologia.
Então um grupo foi formado pelos médicos pioneiros da utilização de endoscópios nos ouvidos, o IWGEES (International Working Group Endoscop Ear Surgery), composto por especialistas de vários países do mundo e do qual Nogueira faz parte.
A partir dos avanços se chegou a novas técnicas para a cura de doenças do ouvido, inclusive da parte interna, como a doença de Ménière, os tumores e um avanço maior na própria reabilitação auditiva como o implante de próteses para que a pessoa volte a escutar. “E o caso feito aqui foi um dos poucos realizados em todo o mundo, com o uso dos endoscópios para tratar um problema no ouvido interno”, ressaltou.
ENTENDA O QUE FOI FEITO NA OPERAÇÃO
O ouvido é dividio em três partes. Existe a parte externa do ouvido, onde fica o tímpano, a média e a interna, que é onde ficam os neurônios. Nesta parte onde ficam os neurônios, explicou Cavalcanti, existe a cóclua que é da audição e o labirinto, que é o que dá o equilíbrio. Luzia Badenes tinha um tipo de labirintite chamada de Ménière, que destruiu a audição dela e ao mesmo tempo tirou a função de um dos labirintos.
Como se fosse um fio desencapado que dá curto circuito, o labirinto defeituoso ficava enviando informações erradas ao cérebro de Luzia. E mesmo com o outro funcionando normalmente, a idosa havia perdido totalmente o equilíbrio. Então, através da labirintectomia, retirou-se o órgão com problemas.
A doença de Luzia era inabilitante, chamada assim porque impedia que ela tivesse uma vida social ou profissional normal. Não havia qualidade de vida. Para se ter uma ideia, faz cinco anos que ela não sai de casa sozinha “Sou uma pessoa que gosta de fazer compras, mas nem isso eu podia”, ressaltou Luzia.
“Ela já está começando a trabalhar aos poucos, já pode andar de carro – por causa do movimento do veículo, ela tinha dificuldade – e, com a reabilitação, com toda segurança ela terá confiança em sair só. Quando a gente operou deu um prazo de quatro a doze semanas para tem uma avaliação final”, explicou Pedro Cavalcanti.
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