Acúmulo de lixo vira problema de saúde pública em Natal

2 de outubro de 2012

Deu no caderno de Capa do Novo Jornal:

DE NORTE A Sul, de Leste a Oeste, o lixo doméstico e o entulho tomam conta das calçadas e vias públicas de Natal. No entanto, o problema vai além da estética e dos odores liberados pela podridão. O acúmulo de resíduos nas ruas da cidade se tornou uma questão de saúde sanitária, uma vez que os lixões estão servindo de lar para a proliferação de animais peçonhentos, como aranhas e escorpiões, e dos chamados vetores – animais transmissores de doença, como ratos, baratas e moscas.

Foto: fiscalambiental.wordpress.com

O maior reflexo disso está no Hospital Giselda Trigueiro, unidade de saúde estadual que é referência no tratamento de doenças infecciosas e imunobiológicas. O hospital também atende os casos de ataque de animais peçonhentos, como cobras, aranhas e escorpiões.

Atendimento este que está crescendo, de acordo com dados do Centro de Vigilância Epidemiológica do hospital. A média atual é de 170 casos mensais, crescimento de 70% se comparado com a média mensal em 2009, que era de 100 casos.

Segundo o centro, o número de casos de picada de escorpiões cresceu a um ritmo “vertiginoso” desde o ano passado. Entre janeiro e agosto de 2012, foram registrados 1164 casos de picada de Tityus stigumurus, ou escorpião amarelo, a espécie que mais se prolifera em Natal. O número de casos registrados até agosto representa mais de 57% do total de incidentes que aconteceram durante o ano passado, que foi de 2040.

Segundo o médico infectologista e vice-presidente da Sociedade Norte-rio-grandense de Infectologia, Hênio Lacerda, esse aumento é proveniente, principalmente, do acúmulo de lixo nas ruas. Os lixões, em que se misturam resíduos domésticos e de construção, são o lar ideal para o acasalamento e proliferação de escorpiões, assim como baratas, ratos, mosquitos da dengue e outros vetores.

“O número de casos de picada de escorpião, de um ano pra cá, aumentou vertiginosamente. Principalmente porque o escorpião se alimenta de baratas, que se proliferam em lugares com bastante lixo e umidade. Com o fluxo de baratas indo para dentro das casas, os escorpiões também vão e acabam picando as pessoas”, declarou o médico.

Não que os escorpiões sejam os únicos a aproveitarem as condições para proliferação. Mosquitos, moscas varejeiras, baratas e ratos também disputam a liderança entre as reclamações da população. Esse crescimento é diretamente proporcional ao aumento nos casos de contaminação de água e comida, uma vez que muitos destes animais funcionam como vetores (organismos vivos que podem incubar e transmitir doenças).

O próprio médico Hênio Galvão tem sentido na pele o que é conviver com os mosquitos em bairros que sofrem com a deficiência na limpeza pública. Galvão é morador de Nossa Senhora de Nazaré, bairro da Zona Oeste da cidade. Segundo ele, há cerca de 15 dias, quando a coleta da região não estava acontecendo regularmente, a quantidade de moscas era tamanha que ele e a família precisavam fazer as refeições trancados nos quartos.

“No bairro de Nazaré, temos um problema com o lixão que se formou em um terreno da prefeitura. Iniciou-se a construção de uma praça, mas ela nunca foi concluída. A dei ciência na coleta faz com que as pessoas joguem o lixo lá, e aumenta o número de moscas. Nem investi em uma dedetização porque o problema não é dentro das casas, mas a falta de coleta nas ruas”, declarou.

Doenças causadas pela contaminação da água e da comida também poderão, em breve, ter picos de crescimento. De acordo com o médico infectologista do Hospital Giselda Trigueiro, André Pinheiro, as gastroenterites (diarréia, giardíase), e a Leptospirose, são algumas delas.

“É um risco ter um acúmulo tão grande de lixo, porque assim os vetores se proliferam mais facilmente.  Não digo que agora, mas é possível que Natal tenha uma infestação de escorpiões e doenças causadas pela falta de higiene sanitária”, declarou.

POPULAÇÃO SOFRE COM PROLIFERAÇÃO DE MOSQUITOS

Devido a falta de limpeza, a população tem que encontrar os meios mais curiosos para manter as atividades domésticas normalmente. É o caso da dona de casa Elizabeth Fidelis da Silva, 57. Moradora mais antiga da Rua Feliciano Dias, na Praia do Meio, a dona de casa tem sofrido com o aumento no número de moscas varejeiras. O lixo, entre entulho e resíduos domicialires, chegou a impedir a passagem de carros na rua. Apesar da Urbana (Companhia de Serviços Urbanos de Natal) ter feito a coleta na última semana, o lixão já ocupou toda uma calçada.

“No último final de semana, quando a minha i lha veio aqui, nós tivemos que transferir o churrasco, com fogo e tudo, para dentro de casa. Era tanta mosca que eu nem conseguia estender roupa no varal!”, conta a moradora. “Em todos esses anos, eu nunca tinha visto nada desse jeito. Queria muito ter como pagar um spray para moscas, mas o dinheiro que eu tenho só dá para comer mesmo”,

Já nas Rocas, na Zona Leste de Natal, a população já se acostumou com o crescente acúmulo de lixo, nas calçadas e esquinas do bairro. A lateral da Escola Estadual Café Filho, localizada na Rua Mestre Lucarino, é um exemplo dessa permante convivência entre homem e resíduos. Todo um lado da rua está tomado pelo lixo, principalmente domiciliar, liberando odor para toda a vizinhança.

“Barata e escorpião é só o que tem dado, principalmente por causa desse lixão e das bocas de lodo entupidas. O mau cheiro é permanente. Pior ainda para as crianças, que estudam ao lado desse fedor”, comenta a moradora Ivaneide dos Santos Coelho, 34.

Se para uns o problema está nos mosquitos, para o comerciante Jânio de Oliveira a dor de cabeça maior são os ratos. Oliveira mantém há quatro anos um pequeno comércio na Avenida Governador Juvenal Lamartine, próximo ao chamado Viaduto do Baldo, entre a Cidade Alta e o Alecrim.

Na parte de baixo do viaduto, há um acúmulo permanente de entulho e material de construção, uma vez que funciona como ponto de descarga para os catadores de lixo. O local, que já foi até mesmo legalizado pela Urbana como um “Eco ponto”, permanece amontoando lixo, pois a coleta não é regular.

“Semana passada eles vieram aí, tiraram um monte de lixo, mas parece que não adianta. O comércio tem sofrido muito. Eu não moro aqui, mas me viro para matar os bichos como posso”, relata o comerciante, que recentemente adquiriu um mata-moscas elétrico para acabar com a praga. “A gente mata, mas daqui a pouco tem mosca do mesmo jeito”, reclama.

ESCORPIÕES LIDERAM OS CASOS COM ANIMAIS PEÇONHENTOS

Mais do que a reclamação, a proliferação de escorpiões é um risco. Em Natal, existem oito espécies catalogadas, sendo a Tityus stigumurus – escorpião amarelo ou escorpião do Nordeste-, a causadora da maioria dos casos que dão entrada no Hospital Giselda Trigueiro.

Apesar de não ter um veneno forte, a picada é dolorosa e pode causar sudorese e náuseas. Os grupos de risco, como crianças, idosos e pessoas alérgicas podem sofrer mais que isso. Dependendo do grau, o indivíduo pode apresentar hipo ou hipertensão, insuficiência respiratória e até mesmo infarte. No entanto, o único caso de óbito causado pela picada de escorpião amarelo aconteceu em 2010, com uma criança moradora do bairro Felipe Camarão. A criança chegou a ser atendida, mas teve uma parada cardíaca e não resistiu.

No Rio Grande do Norte, os problemas se concentram na área metropolitana (83% dos casos). Na verdade, o crescimento anual é algo esperado, devido à expansão desordenada da cidade e a ocupação do habitat natural dos animais. Quem explica é a bióloga Juraci Alves, do Programa de Controle de Animais Peçonhentos do Centro Municipal de Zoonoses.

“Sempre há um crescimento anual, devido a ocupação desordenada. Mas é fato que o acúmulo de lixo tem contribuído cada vez mais para uma possível infestação”, declarou.

As Zonas Norte e Oeste lideram as ocorrências. No caso na Zona Norte, devido ao crescimento desordenado e a formação de favelas, com parca infraestrutura ou limpeza. Já a Zona Oeste ainda sofre com os resquícios do antigo lixão de Cidade Nova.

“Temos também pico em diferentes meses do ano. Em maio a julho por causa das fogueiras. As pessoas trazem madeira para a zona urbana, e os animais vêm junto. Nos meses do final do ano, de outubro a dezembro também, principalmente porque as pessoas estão arrumando suas casas e tiram as coisas de lugar”, continua.

A bióloga é reticente em afirmar que o aumento é fruto apenas do aumento dos lixões. No entanto, afirma que o acúmulo de lixo também traz baratas e com isso fica mais fácil para o aracnídeo se alimentar e se reproduzir. “É uma questão delicada (a limpeza pública). As pessoas hoje têm mais informação, sabem como lidar com um caso de picada. Elas podem ter um controle e aguentar para, quem sabe, ver se as coisas melhoram no ano que vem”, afirma.

Os números são altos, mas ainda não são um alerta para o surto. “A grande questão é que o acúmulo de lixo contribui para tudo. Tem água corrente, tem copo jogado fora, tem acúmulo de água, tudo isso contribui para a proliferação de doenças. É um risco, acima de tudo”, resumiu a bióloga.

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