Em baixa lá fora, por que o preço da gasolina não caiu no Brasil?

28 de janeiro de 2016

Meu comentário no Jornal96 hoje pela manhã foi sobre a política nacional de preços dos combustíveis, que explica porque, por vezes, mesmo quando o preço internacional baixa a equivalente paridade interna não ocorre.
Da mesma forma, muitas vezes durante várias décadas, nem sempre quando o preço internacional dispara o impacto direto é sentido imediatamente nas bombas brasileiras.
Os reajustes internamente há muito são realizados “em patamares”, ou seja, a cada preço internacional consolidado ao longo de meses, e também considerando o número de meses e a proporção de represamento dos preços internos durante períodos de alta. Explico isso dando exemplos de anos em que isso ocorreu anteriormente.
Diferença Gaso Brasil Intl
Esta política de amortecimento da paridade internacional, que procura evitar o impacto direto das volatilidades de curto/médio prazo, resulta em três fatores que normalmente contribuem para que ocorram períodos como o atual, em que o preço internacional está mais alto do que aqui dentro.
1. A necessidade de compensação dos períodos de represamento interno dos preços. Em 2013 e 2014, por exemplo, analistas e comentaristas vociferavam ao contrário: “o preço interno está prejudicando os acionistas da Petrobras!”. Inverte-se a curva e a reclamação passa a ser: “o preço interno está contribuindo para a inflação e a crise!”. Isso se deve justamente ao fato de que, para manter tal política de amortecimento, o governo usa a estatal, que é hegemônica no mercado interno, para exercer um certo “controle branco” dos preços em porta de refinaria e passa a se equilibrar constantemente entre o interesse do acionista e o interesse do cidadão/consumidor em geral. Este não é um jogo simples. Mas é assim desde a década de 50, com auge do controle de preços durante o regime militar (como exemplifico no audio).
2. Alta carga tributária, em especial na gasolina, cujo preço no Brasil ainda subsidia o do diesel. Isso também vem desde que nosso país, de dimensões continentais, adotou (goste-se ou não) o modelo de dependência rodoviária para o transporte. Vários grupos de pressão muito influentes (agronegócio, empresários de ônibus, transportadoras de cargas rodoviárias) mantém o conceito de que o diesel no Brasil é um “combustível social”. Isso faz com que o preço da gasolina automotiva seja parcialmente responsável por subsidiar o diesel, mais caro de produzir e mais nobre.
3. Finalmente, a mistura de etanol anidro na gasolina, determinada por lei, constitui um dos maiores mercados cativos para o setor produtor (usineiros) além do próprio mercado de etanol hidratado também ser proporcionalmente dependente do preço da gasolina e, ao mesmo tempo, inversamente proporcional às suas oscilações de consumo. Uma intrincada relação que também exige do governo um cuidado a mais, na hora de manipular a paridade com o mercado internacional.
Enfim, o fato é que diante do recente balanço entre déficits maiores do que superávits na paridade interna do preço da gasolina em relação aos preços internacionais, é muito pouco provável que ocorra reajuste para baixo no preço da gasolina nos próximos seis meses. O que deverá ocorrer é a reconfiguração da CIDE dentro da composição do preço atual de forma a que, sem reajustar para cima, se aumente ligeiramente a carga tributária sobre este combustível para ter “saldo” para queimar em caso de nova alta no futuro.
Mas, antes de terminar, para desestimular os mais catastrofistas, há três fatos importantes de se esclarecer:
1. O preço da gasolina no Brasil está longe de ser o mais caro do mundo (já escrevi sobre isso recentemente diante de uma reportagem completamente equivocada feita por um telejornal nacional de grande repercussão).
2. A paridade do poder de compra do cidadão brasileiro em relação à gasolina aumentou em quase 4 vezes: em 2003, o salário-mínimo dava para adquirir 1.88 tanque de 50l de gasolina. Hoje, a preços atuais, o salário-mínimo adquire 4.68 tanques de 50l (estimativa a preço médio nacional).
3. Os déficits que a Petrobras acumulou devido à política de preços internos, principalmente nos anos 2004, 2004, 2008, 2011, 2012, 2013 e principalmente 2014 ocorreriam independentemente dos atos de gestão investigados pela operação Lavajato, pois mais de dois terços da receita total anual da empresa provém das vendas de combustíveis no mercado brasileiro. Mesmo sendo difícil para a maioria dos observadores comuns, é necessário separar as coisas para gerir o período de recompensação atual.
Particularmente, eu advogo por uma revisão (amplamente discutida e bem embasada) da política nacional de preços de combustíveis. Considero que fatos concretos como a auto-suficiência em petróleo e a segurança de suprimento de diesel a partir da operação da refinaria de Pernambuco além das reconfigurações de outras refinarias brasileiras, permitem que se tenha uma paridade mais próxima, embora não escrava direta, quanto à gasolina e uma política mais transparente quanto ao subsídio do preço interno do diesel, até mesmo em preparação para uma nova era de preços e usos do petróleo mundialmente. Outros objetivos – sociais, fiscais e mesmo ambientais – podem e devem ser inseridos nesta discussão.
Mesmo assim, é necessário não perder de vista que a empresa estatal Petrobras tem um papel estratégico sócio-econômico relevante, e que seus eventuais acionistas privados sabem que, se por um lado ela têm ônus como estes, por outro também têm bônus relacionados com a sua hegemonia na infra-estrutura, logística e mercado dos combustíveis no Brasil.
Sobre composição do preço da gasolina e do diesel, ver: http://www.aepet.org.br/uploads/noticias/arquivos/Composicao-Preco-gasolina_2015-09-03.pdf
Reportagem da Folha, recente, a respeito, com opiniões do mercado: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/01/1579228-petrobras-precisa-de-13-meses-para-recuperar-perda-com-combustivel.shtml

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