Especialistas e autoridades falam sobre problemas do sistema prisional do RN

1 de outubro de 2012

Deu no caderno cotidiano do DN Online:

Fugas e motins de presos, depredação, superlotação e interdição de unidades prisionais, detentos sendo mortos dentro dos pavilhões, mudanças de diretores dos presídios e até de secretários de Estado ligados ao sistema penitenciário potiguar, tudo isso ocorreu e virou notícia este ano no Rio Grande do Norte. Para encontrar soluções para tantos problemas que se proliferam nas penitenciárias e cadeias potiguares, o Ministério Público Estadual (MPE) criou recentemente um fórum de discussão entre autoridades diretamente envolvidas no tema. Membros desse fórum conhecem profundamente os males do sistema prisional do estado e apontam, na opinião de cada um, quais são os “grandes nós” que impedem que as melhorias cheguem e mudem este quadro cada vez mais caótico.

Penitenciária Estadual de Alcaçuz. (Foto: Ricardo Araújo/G1)

Marcos Dionísio – presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos

A opinião de Marcos Dionísio é a de que o grande problema que impede avanços no setor prisional do RN é a falta de investimentos públicos. Segundo ele, recentemente, a política desenvolvida no sistema penitenciário potiguar é de apenas custeá-lo, ou seja, se investe apenas em recursos humanos (contratação de pessoal) e se paga a alimentação dos detentos. “Não há grandes volumes de investimentos para a construção de presídios”.

Para o representante dos Direitos Humanos, outro problema que atinge o sistema prisional potiguar é a visão “policialesca” que toda a sociedade tem desse setor. “As pessoas, em geral, veem as cadeias como depósitos de seres humanos, acham que as prisões foram feitas para manter criminosos detidos e só. Não há uma equipe que pense em maneiras ou crie projetos que possam ressocializar os detentos. Esses precisam de momentos que vão além da ociosidade de estarem trancafiados, ou acabam se tornando umas feras que saem do sistema piores do que quando entraram”.

Marcos Dionísio diz ainda queé necessária uma descontaminação da maneira como é feita a escolha dos diretores das unidades prisionais. “Muitas vezes, o critério que se usa para essas nomeações é a pura politicagem. Escolhem pessoas que são conhecidas de tal e tal agente público e não gente que realmente conhece o sistema”.

O advogado ressalta ainda que a falta de rotatividade no sistema prisional contribui para a superlotação. “Sabemos que há vários presos que não estão detidos somente pelo crime que cometeram, mas também porque lhes faltam advogados que possam lhes dar assessoria jurídica. Tem detento que passa bastante tempo para conseguir sua progressão de regime por causa disso. Nos CDPs [Centros de Detenção Provisória], há presos que foram condenados pela Justiça e já não deveriam estar ali. Essa separação é necessária. Pode acontecer de um jovem preso por um crime simples acabe convivendo com assaltantes e assassinos experientes por causa disso”.

Henrique Baltazar – Juiz da Vara de Execuções Penais de Natal

Para Henrique Baltazar, o grande entrave que há vários anos impede que melhorias concretas sejam feitas no sistema penitenciário potiguar é a falta de vontade política dos governantes. O juiz acredita que as soluções para o sistema sejam mais simples e menos onerosas ao Estado do que para outros setores, como Educação e Saúde. “O maior problema hoje do sistema é a falta de vagas. Atualmente, todas as unidades prisionais estão superlotadas. Mas isso se revolve com algo simples, que é a construção de novas penitenciárias e cadeias”.

O magistrado ressalta que o Governo Federal disponibiliza verbas para a construção de presídios, chegando a pagar até 90% do valor das obras. “O Ministério da Justiça já garantiu R$ 25 milhões para que fossem construídas novas cadeias. O Estado agora precisaria apenas de liberar uma contrapartida de R$ 2,5 milhões, o que não é muito caro para o governo. Basta apenas vontade de fazer”.

Henrique Baltazar considera ainda que algumas medidas mais simples resolveriam problemas a curto prazo, mas se arrastam há tempos. “O governo precisa entregar as obras do pavilhão 5 da penitenciária de Alcaçuz e terminar as reformas no CDP [Centro de Detenção Provisória] Zona Norte e da antiga delegacia de veículos. Na cadeia pública de Nova Cruz, bastaria colocar um beliche a mais em cada cela. Somente essas medidas já ajudariam, a curto prazo, no problema imediato de superlotação nas unidades”.

O juiz comenta que a falta de interesse na construção de novas unidades não é só de hoje. “Desde o governo de Garibaldi Alves se discutia a construção de cadeias públicas. Àquela época já ficava clara a necessidade de se fazer 10 dessas unidades no interior do RN, abrindo assim mil vagas. Mas nada foi feito disso. Construíram, na verdade, os presídios de Caicó, Parnamirim e Alcaçuz. No governo de Wilma de Faria, nada de mais concreto. Somente a cadeia pública de Nova Cruz e o pavilhão 5 de Alcaçuz, que nem foi inaugurado na sua gestão. E na atual gestão, nenhuma medida efetiva foi tomada ainda”.

Kércio Pinto – Delegado Federal, Secretário Estadual de Justiça e Cidadania 

O delegado federal Kércio Pinto está à frente da pasta da Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania (Sejuc) desde julho deste ano e pegou o sistema penitenciário potiguar em uma das suas fases mais delicadas. Ele, que foi diretor da Penitenciária Federal de Mossoró, vê que a maior necessidade atualmente do sistema prisional é a construção de novas unidades. “Precisamos urgente de acabar com a superlotação”. Para ele, no entanto, tudo esbarra na obtenção de recursos.

O titular da Sejuc diz que a construção de cadeias públicas e penitenciárias já está em pauta e são necessárias, inclusive, para que sejam feitas reformas em várias unidades. “A Penitenciária de Alcaçuz, por exemplo, é impossível de se fazer reforma nela, agora, sem retirar os presos que estão lá. O mesmo precisamos fazer nos presídios de Caicó e Mossoró”.

Kércio Pinto afirma já ter conseguido junto ao Governo Federal as verbas no valor de R$ 25 milhões para a construção de quatro cadeias públicas no interior do RN. “E também já temos a contrapartida de R$ 2,5 milhões reservada para quando esses recursos chegarem”. Porém, para o delegado federal, é preciso se fazer ainda mais. “Precisamos construir uma penitenciária completamente nova, uma unidade em que seja possível trabalhar a ressocialização. Pois, as que temos hoje, da forma em que elas estão, não temos condições de promover isso”.

Segundo o secretário, o governo estadual está agora aguardando que o Ministério da Justiça faça o chamamento de projetos para construção de presídios. “Quando eles têm verba disponível, eles chamam os estados para apresentarem projetos. Porém, ainda que isso não aconteça, vamos agilizar os procedimentos e mobilizar ajuda do MPE para buscarmos esses recursos em Brasília”.

Fernanda Lacerda Arenhart – Promotora, coordenadora do Caop Criminal

A opinião da promotora Fernanda Lacerda Arenhart, que coordena o Centro de Apoio às Promotorias Criminais (Caop-Criminal) é praticamente a mesma do juiz Henrique Baltazar. “O que falta para que ocorram melhorias no sistema penitenciário é vontade política”. Ela destaca alguns dos problemas sérios que ocorrem nos presídios e cadeias públicas: falta de vagas e agentes penitenciários para trabalhar, além da falta de estrutura da Sejuc para gerenciar o sistema. A promotora afirma ainda que “a sociedade não tem noção da importância do sistema para as suas vidas”.

Fernanda Arenhart diz que as mudanças significativas no sistema penitenciário potiguar requerem investimentos no setor e uma melhor gestão. Segundo a promotora, a Coordenadoria de Administração Penitenciária (Coape) sofre com a deficiência em sua estrutura para que essa dê suporte às demandas do sistema. “A Sejuc tem muitas atribuições, acho que o melhor seria desmembrar o sistema, criando uma secretaria própria para ele”. A promotora ressalta ainda que falta uma corregedoria no sistema que aponte os desvios funcionais e dê orientações aos servidores que trabalham nele.

Para a promotora, outro problema sério do sistema é a falta de políticas de ressocialização dos detentos. “Há um reclame da sociedade por educação, saúde, mas não dão a mesma importância para as penitenciárias. O sistema é o fim da Segurança. Não se dão oportunidades para os egressos [pessoas que saem das prisões] saírem melhor, por isso tanta reincidência em crimes”. Fernanda Arenhart afirma que as pessoas não têm a visão correta da função das penitenciárias. “Elas têm tanto a função retributiva dos crimes, ou seja, de punir aqueles que não se adequam as leis, como a ressocializadora, que é a de reverter o quadro, fazendo com que esses delitos não ocorram mais”.

Vilma Batista – Agente Penitenciária, presidente do Sindasp 

Vilma Batista, presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sindasp/RN), não foi chamada à participar do Fórum do sistema prisional potiguar. Para ela, esse é o grande entrave às melhorias nos presídios do estado. “É inadmissível não chamar o sindicato. Ninguém senta conosco para discutir a nossa visão dos problemas”. Ela diz que os principais problemas no sistema estão em três pilares: falta de investimento, de orçamento próprio e de planejamento.

A presidente do Sindasp chama de antidemocrático o fórum e afirma que vai pedir ao MPE a entrada do sindicato nas discussões. “Nós estamos fazendo um levantamento em todos os presídios e cadeias dos problemas que encontramos nas unidades para levar a esse fórum”.

Vilma Batista diz que os agentes sofrem com a falta de condições para trabalharem e isso só melhoria com orçamento próprio. “É necessária a criação de uma secretaria estadual de administração penitenciária. O sistema é muito problemático para que tenhamos ainda apenas uma coordenação dentro de outrasecretaria que cuida de tantas outras coisas, como a Defesa Civil e as Centrais do Cidadão”.

A presidente do Sindasp pondera ainda que o planejamento é necessário para se requerer investimentos no setor. “O Ministério da Justiça libera com certa facilidade os recursos para serem investidos no sistema, mas é necessária a elaboração de projetos. E esses só se fazem com planejamento”.

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