Estudantes do RN vão a Londres defender projetos científicos

3 de abril de 2013

Notícia publicada no caderno Cidades do Novo Jornal:

Uma tradição popular levou o estudante Francisco Ramon Paiva, de 19 anos, a iniciar uma pesquisa cientifica. Tudo com base no hábito de alguns vizinhos que usavam as raspas do juazeiro, uma árvore típica da região Oeste potiguar, para limpar os dentes antes de dormir.

Estudando a potencialidade da substância, que consegue reduzir em até 70% o teor de bactérias, o aluno da Escola Estadual Moreira, em Mossoró, descobriu a fórmula para produzir um creme dental de baixo custo e orgânico. A pesquisa, aliás, vai ganhar o mundo. Ele vai defender o produto no Fórum Internacional de Ciência para Jovens (LIYSF), previsto para acontecer em agosto, na Inglaterra.

Taianny Almeida e Ramon Paiva: ciência feita a partir de uma tradição regional, o uso do juá. (Foto: Ney Douglas)

Taianny Almeida e Ramon Paiva: ciência feita a partir de uma tradição regional, o uso do juá. (Foto: Ney Douglas)

O estudo do creme dental não será o único representante potiguar no evento internacional. Vindos da Escola Estadual 11 de Agosto, no município de Umarizal, outros três alunos descobriram a eficácia da diminuição dos níveis de poluentes da água com a técnica de eletrofloculação – um experimento que utiliza eletrodos de alumínio para reduzir poluentes.

A ida dos dois grupos é resultado da II Feira de Ciências do Semiárido Potiguar, ocorrida no fim do ano passado, e que foi promovida pela Secretaria de Estadual de Educação e Cultura (SEEC). As duas experiências dividiram o primeiro lugar geral da exposição.

O estudante Francisco Ramon Paiva, que este ano vai tentar uma vaga para o curso de farmácia, comemora a oportunidade de defender os experimentos. “Não é porque somos estudantes do interior do Rio Grande do Norte que não teremos condições de competir. Somos tão bons quanto qualquer estudante do mundo. Só precisamos de incentivo”, diz.

Esta será a sua primeira viagem de avião, mas não existe receio. “Eu quero mesmo é mostrar nosso trabalho. É um produto que pode ajudar milhares de pessoas, seja no Brasil ou no mundo”, explica.

O jovem delega o sucesso da empreitada aos incentivos que recebeu para as atividades de iniciação científica. O trabalho com as raspas de juazeiro foi iniciado ainda no segundo ano do ensino médio. É que todas as escolas públicas da região Oeste estão incluídas no programa “Ciências para Todos no Semiárido Potiguar”, realizado pela Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa). A instituição federal capacitou professores e coordenadores pedagógicos, para que estimulassem a pesquisa dentro das salas de aula.

No começo, os estudos eram feitos isoladamente, com a orientação de uma professora. Sentido o desejo de compartilhar o desejo pela ciência com outras pessoas, ele visitou várias salas de aula da escola, para convidar alunos à pesquisa. Conseguiu o apoio das irmãs Thais e Taianny Almeida, 16 e 17 anos, respectivamente. “Apoiar estudantes à pesquisa sempre dará bons resultados para a sociedade”, comenta Paiva.

Projeto já atrai a atenção de empresas

O creme dental, hoje, passa pelo processo de registro de patente. A ideia é comercializar – o quanto antes – a descoberta. O idealizador do projeto conta que já receberam telefonemas de indústrias de produtos cosméticos interessadas no produto. Foram procurados até pela Natura, uma das gigantes do setor. “Muitos empresários já mostraram interesse em comprar o projeto para desenvolver o produto. No entanto, nossa intenção é conseguir patrocínio para melhorar a pesquisa”, conta.

A intenção é aperfeiçoar a fórmula final. A pasta produzida ao se misturar o pó casca de juazeiro à água. A única diferença dos cremes explorados comercialmente é que a consistência não é pastosa e não produz espuma. O grupo pretende adicionar outro tipo de substância ao procedimento. “Tem de ser orgânico, não podemos fugir disso”, ressalta. A solução pode vir do uso algas marinhas.

Outra meta da pesquisa é levar a pesquisa para o Ministério da Educação. “Será muito bom ver o fruto do nosso esforço nas escolas de todo o país”, afirma Paulo Ramon.

A pesquisadora Thais Almeida, 17 anos, lembra que a maior dificuldade foi encontrar uma bibliografia relacionada ao tema. “Tivemos um enorme trabalho, já que tudo o que tínhamos era do conhecimento popular. Mas era necessário incrementar estes dados ao método científico” lembra. Outra dificuldade era falta de um laboratório de química e física na escola pública em que estudam. Todos os exames foram realizados nas salas da Ufersa. Numa das observações, para comprovar a eficácia anti-bactericida, os alunos passaram três dias sem escovar os dentes. “Depois disso, ao utilizar o produto, mais de 70% das bactérias haviam desaparecido. É o mesmo percentual de uma pasta de dentes comum”, detalha a estudante.

Até a viagem, em agosto, o grupo pretende ampliar a investigação, principalmente nos estudos da composição do juazeiro. Os alunos serão acompanhados da orientadora pedagógica, Maria do Socorro Souza. Nos últimos dois anos, ela já orientou 10 projetos de iniciação científica no município de Umarizal. “O exemplo dado por estes estudantes é que não existem barreiras para a difusão do conhecimento”, comenta. E vai além: “O ensino em sala de aula não é uma ação totalizadora. A educação deve romper as barreiras e conduzir o estudante a pensar”.

Reuso das águas

Essa é a segunda vez que Jonas (esq.) é premiado nacionalmente. (Foto: Ney Douglas)

Essa é a segunda vez que Jonas (esq.) é premiado nacionalmente. (Foto: Ney Douglas)

Jonas Medeiros, 17 anos, não se perde em meio às complexas explicações sobre o funcionamento da eletroquímica. Mesmo que o interlocutor se mostre perdido, o fluxo de ideias não cessa. Será a segunda vez que viaja para mostrar seus experimentos no exterior. Ano passado, ele participou de uma feira sobre energia sustentável no Equador. Ele criou algumas ferramentas, utilizando a energia eólica, para facilitar a vida de pequenos agricultores.

Nesta nova empreitada, Medeiros estudou o uso da eletrofloculação para reduzir a poluição da água. “Nosso objetivo é criar uma solução alternativa para reduzir a escassez de recursos hídricos e solucionar o grave problema da poluição de mananciais”, afirma.

O objetivo é reduzir a quantidade de material poluente dos mananciais sem fazer uso de elementos químicos. “Nós nos fizemos uma pergunta: é possível diminuir o nível de poluição da água com técnicas de eletrofloculação?”, conta. A técnica é utilizada, por sinal, no reuso da água em indústrias químicas e de confecção. Os estudantes queriam avaliar se o procedimento poderia reduzir a quantidade de agentes poluidores de fontes orgânicas, como os coliformes totais, resultante do contato de uma fonte de água potável com o esgoto doméstico, por exemplo.

Foi avaliado o aproveitamento de eletrodos – placas metálicas que conectadas a uma corrente elétrica geram num processo de oxiredução (aglutinando as partículas de poluição) – para a remoção dos poluentes, ocasionando uma redução no volume. Desta forma, a sujeira forma algumas placas sobre a superfície das águas (floculação). Em seguida, é feita uma filtragem, por onde o líquido já tratado é armazenado.

A pesquisa mostrou que houve redução nos parâmetros de cor, turbidez, determinação de nitratos, nitritos, salinidade e coliformes totais das amostras. “A água não se torna potável, mas pode ser reutilizada para outros fins. O que importa é que provamos a eficácia do processo”, garante.

A análise contou com a avaliação de três tipos de eletrodos: ferro, alumínio e híbrido (uma mescla entre os dois metais). A avaliação é que o eletrodo de alumínio é eficiente na redução de poluentes. O projeto experimental foi realizado utilizando efluentes líquidos de esgoto doméstico. A técnica foi realizada com eletrodos, ligados a uma voltagem de 12 volts. “Nós fizemos a maquete de uma estação de tratamento de água para mostrar que o processo pode ser expandido e utilizado pelo poder público”, completa.

Expansão do conhecimento

O programa de iniciação cientifica da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa) beneficia hoje 104 escolas públicas potiguares. Iniciado em 2007, a atividade resulta numa média de 200 projetos anualmente. Os estudos já obtiveram vitórias em diversas feiras de ciências brasileiras. Nos últimos dois anos, as iniciativas estão se espalhando para o mundo. A pesquisa sobre energia eólica, por sinal, foi o primeiro lugar geral entre estudantes do Brasil, Equador, Peru e Uruguai.

Segundo a coordenadora geral do programa, Celicina Borges Azevedo, a iniciativa tem por objetivo estimular alunos da rede pública a se interessarem pela ciência. “A metodologia científica não deve ficar restrita aos bancos universitários. Nos Estados Unidos, por exemplo, as pesquisas são estimuladas desde o ensino fundamental”, conta.

Apesar dos bons resultados, o projeto se sustenta com um orçamento anual de R$ 200 mil. “Também contamos com a ajuda do Governo do Estado. A secretaria de Educação fornece ajuda de custo para a viagem dos alunos”, explica. Somente para a Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace) deste ano, ocorrida em São Paulo, foram enviados nove trabalhos.

Fórum Internacional

Os jovens pesquisadores do Rio Grande do Norte vão participar do London International Youth Science Forum  (LIYSF), o mais antigo evento científico internacional para estudantes de ensino médio, que é realizado desde 1959. A feira é promovida na Imperial College, uma das mais tradicionais universidades da Inglaterra, tida como um das 10 melhores do mundo para o ensino de engenharia, tecnologia e biomedicina.

Esta será apenas a terceira vez que estudantes brasileiros participam do encontro. Do Nordeste, os potiguares serão segundo o grupo da região a participar. Ano passado, três alunos de Alagoas também participaram da feira científica. Este ano, a LIYSF vai acontecer entre os dias 7 e 14 de agosto. O custeio da viagem ficará a cargo da Secretaria Estadual de Educação.

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