O universo equilibra-se entre o positivo e o negativo, a luz e a escuridão, o masculino e o feminino; e a questão urbanística em Natal não foge à regra: para toda causa há um efeito correspondente, é fato! A partir dessa premissa, pode-se considerar que a influência sedutora do ‘novo’ e a obsessão quase doentia pelo ‘contemporâneo’ faz da capital potiguar uma cidade desmemoriada e cada vez mais superficial, onde a sociedade desconhece suas origens e relega ao esquecimento um patrimônio que resiste em muitas esquinas.
Apesar de acumular mais de 400 anos, a Cidade do Sol se esforça para parecer que tem apenas 50, e é justamente para debater as consequências da sistematização dessa ‘amnésia urbana coletiva’ que arquitetos do Norte/Nordeste estão reunidos em Natal, desde o dia 29 de maio, participando da quarta edição regional do evento DoCoMoMo, abreviação para Documentação e Conservação do Movimento Modernista na Arquitetura, cujo mote norteador do encontro é a “Arquitetura em cidades ‘sempre novas’: modernismo, projeto e patrimônio”.
Há versões nacional e internacional para o DoCoMoMo, que surgiu na Holanda em 1990. As edições regionais anteriores aconteceram em Recife (2006), em Salvador (2008) e em João Pessoa (2010). O encontro contempla enfoques em três eixos temáticos: a arquitetura moderna como projeto; experiências de conservação e transformação; e narrativas historiográficas. Também agrega outras abordagens como a presença modernista em cidades brasileiras; a documentação, conservação, projeto e restauro; a tecnologia e desempenho de edifícios e espaços abertos; pontos de vistas convergentes e divergentes acerca de identidade, crítica e valorização cultural.
“A arquitetura Moderna surgiu em meados da década de 1920, desembarcou em Natal tardiamente nos anos 1950, e essa busca desenfreada pelo novo acaba desvalorizando o que ainda resta de patrimônio”, explicou Rubenilson Teixeira, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFRN e coordenador geral do encontro. “A questão não é de saudosismo nem estamos defendendo o engessamento urbanístico, nossa intenção é discutir formas mais conscientes e menos destrutivas das cidades continuarem crescendo”, informou.
GIRO PELA CIDADE
Neste sábado, o grupo formado por cerca de 150 pesquisadores, palestrantes, professores e profissionais – entre eles o arquiteto Glauco Campello, um dos maiores colaboradores de Niemeyer – que participam do 4º DoCoMoMo N/NE dará um giro pela cidade no intuito de visitar vestígios do Modernismo na arquitetura natalense. Rubenilson citou alguns exemplos de construções modernistas que se destacam na paisagem, como o Hotel Reis Magos, a Catedral Nova, a Faculdade de Odontologia, o prédio do antigo INAMPS (atual sede da Secretaria Estadual de Saúde) na avenida Deodoro, a sede social do América Futebol Clube, a AABB, a Assen e o finado estádio Machadão.
Um bom exemplo de como é possível aliar conservação com atualização foi vista na recente reforma de uma residência em frente à Praça das Flores, em Petrópolis, que se transformou em um antiquário.
A partir do que foi debatido e constatado, vislumbra-se a possibilidade de que seja redigido um documento com sugestões, orientações e reflexões resultantes do 4º DoCoMoMo. “Esses debates precisam extrapolar as fronteiras acadêmicas, sair do círculo dos especialistas, e envolver a sociedade”, acredita Rubenilson Teixeira.
Uma reflexão sobre as cidades sem apego à história paisagística
Um dos eixos temáticos do Docomomo NE surgiu a partir de histórias como a do estádio Machadão, projeto do arquiteto Moacyr Gomes, “motivo de orgulho potiguar nos anos 1970 pelo arrojo estrutural e plástico que lhe valeu o título ‘poema de concreto’, tornou-se um estorvo a demolir para a construção de uma nova arena para a Copa de 2014”.
De acordo com documento do evento, “partir dessa constatação questiona-se o valor – funcional e simbólico – e o alcance desse valor – os habitantes da cidade, do estado – para que se possa contemplar a possibilidade de pleitear a inclusão de edifícios modernos como objetos de políticas de preservação patrimonial”.
O dilema tem sido tema constante nos últimos encontros DoCoMoMo no Brasil, e tem servido para motivar esforços diversos de documentação, visando iluminar histórias ameaçadas pelo esquecimento.
A partir desse histórico, a transformação de Natal nas últimas décadas evidencia o dilema da preservação do patrimônio construído, especialmente do modernista. Câmara Cascudo, em texto de 1949, já afirmava: “Natal é uma cidade sempre nova, sem casario triste e sujo, sem os sobradões lúgubres que ainda o Recife é obrigado a manter”. Antes ainda, Mário de Andrade, em suas viagens de “turista aprendiz”, sentenciara: “Natal é feito São Paulo: cidade mocinha, podendo progredir à vontade sem ter coisa que dói destruir”. Um contraste, se colocarmos frente à visão do antropólogo, filósofo e pensador francês Claude Lévi-Strauss em “Tristes Trópicos”: “ as cidades do Novo Mundo vivem febrilmente uma doença crônica: eternamente jovens, jamais são saudáveis, porém”.
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