Daniel Turíbio

Daniel Turíbio é jornalista da agência Smartpublishing Mídias em Rede. Já trabalhou com mídia impressa, rádio e assessoria de comunicação. Reside em Natal/RN.

Ocupação irregular em áreas públicas persiste em Natal

17 de dezembro de 2012

Notícia publicada no caderno de Cidades do Novo Jornal:

As invasões em áreas de proteção ambiental, assim como terrenos públicos, são corriqueiras em Natal. E o pior: a fiscalização para coibir os atos ilegais que desrespeitam o meio ambiente e desafiam o poder público é considerada precária. Cada vez mais o verde da paisagem é substituído pelo cinza das ocupações irregulares. A constatação parte da promotora de Justiça, Rossana Mary Sudário, que há anos acompanha a questão na capital.

Vista parcial do Parque das Dunas, onde não é registrada invasão. (Foto: Eduardo Maia)

Vista parcial do Parque das Dunas, onde não é registrada invasão. (Foto: Eduardo Maia)

O NOVO JORNAL levantou casos em que houve invasões recentes de Zonas de Proteção Ambiental (ZPAs) e ratifica a análise do Ministério Público Estadual. No segundo semestre desse ano, três das 10 zonas registraram flagrantes de desrespeito ao meio ambiente. Em um deles, posseiros foram retirados e a área, reintegrada. Em duas zonas, no entanto, a problemática persiste.

O caso mais relevante diz respeito à ZPA-4, no bairro dos Guarapes, Zona Oeste de Natal. Lá, a Justiça já determinou que a Prefeitura iniciasse o processo de retirada de mais de 400 famílias que ocupam áreas de dunas. É importante destacar que a decisão surgiu uma década depois de o Ministério Público ter ingressado com Ação Civil Pública para resolver a questão.

A responsabilidade das invasões é costumeiramente direcionada ao Município, que teria a obrigação de evitá-las. “Falta estrutura ao Município para fiscalização. O que se constata é que os casos só têm aumentado e tem cada vez mais invadidos os espaços públicos”, disse a promotora Rossana Mary Sudário.

Ela classifica como “ínfima” a estrutura de fiscalização sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb). A promotora enxerga como “problema seríssimo” o tema de invasões. “É importante ressaltar que, quando isso ocorre, está se tomando o que pertence a toda sociedade e infringindo uma área de resguardo do meio-ambiente”, afirmou. As invasões vão além de áreas de proteção ambiental e tomam terrenos de propriedade do Município. “Muita gente se acha no direito de invadir. E é o que fazem”, acrescentou Sudário.

Outro fator que contribui para a dificuldade de fiscalizações é a ausência de regulamentação da metade das ZPAs. Das 10 zonas, cinco permanecem sem regulamentação que definiria qual a porcentagem da área seria preservada e qual poderia ser utilizada de forma restrita. Caberá à próxima gestão do Executivo tocar o processo.

O supervisor-geral de fiscalização ambiental da Semurb, Leonardo Almeida, admite que a estrutura de fiscalização não é a ideal. A secretaria articula convênio com o Idema e a Companhia de Polícia Ambiental (Cipam) da Polícia Militar. Mesmo com as dificuldades, ele ressalta que tem se esforçado para melhorar o serviço. “Nunca a fiscalização recebeu tanto apoio da administração e de outros órgãos”, disse Almeida.

Ele classifica a aquisição de uma retroescavadeira para auxiliar os serviços de retirada de invasores e estruturas como um “sonho”. “Os problemas estão sendo resolvidos. A retroescavadeira para gente foi um sonho. Nos ajuda bastante e também estamos auxiliando a Prefeitura em outras atividades de limpeza”, encerrou.

Mãe Luíza é morro “antropizado”

Ocupação no morro de Cidade Nova, zona leste de Natal. (Foto: Daniel Turibio)

Ocupação no morro de Cidade Nova, zona leste de Natal. (Foto: Daniel Turibio)

O bairro de Mãe Luíza, Zona Leste de Natal, não chama mais atenção das autoridades públicas para questões de meio ambiente. Mesmo sendo um morro ocupado de forma desordenada, não há reclamações formais de invasão de áreas protegidas ou pedidos de desapropriação. Isso ocorre apesar do que é percebido visualmente: o amontoado de casas continua a crescer e se aproxima cada vez mais de áreas de proteção.

A região é caracterizada como continuação de um cordão dunar e está de frente para o mar e de “costas” para o centro da cidade. A história relata que a ocupação no local começou no início do século XX com pessoas vindas do interior do estado. A cada novo tempo de seca, a ocupação aumentava. As dunas cobertas por vegetação rasteira deram lugar a moradias e há poucos sinais da paisagem do século passado.

Quem anda pelo bairro corre o risco de se perder em meio a tantas vielas, intercaladas por escadarias. Em alguns pontos, os labirintos formam o ambiente ideal para a criminalidade. Moradores declaram que a violência é crescente e também se dá devido à ocupação desordenada. “Essa semana mesmo mataram um bem aqui. O pessoal se aproveita das vielas para se esconder”, conta um homem que se identifica apenas como João Maria, 35 anos.

O desempregado Reginaldo Gomes Vital, 57 anos, é vizinho de João Maria. Ele chegou ao bairro de Mãe Luíza há 31 anos e montou o seu barraco próximo a outros que surgiam no local. Três décadas depois, a estrutura de madeira já foi substituída por alvenaria. A casa possui escritura, mas não há cobrança de IPTU.
“Aquela região já está antropizada há anos. Não há como ir atrás de retirar famílias que estão instaladas lá há décadas”, disse o supervisor da Semurb, Leonardo Almeida. Antropização é a transformação que exerce o homem sobre o meio ambiente.

A noção de ocupação desordenada é notada quando o bairro é observado a partir da Praia do Meio. Em meio a prédios que se agigantam na paisagem, as casas não despertam a atenção de turistas desavisados, que desconhecem que, no morro de Mãe Luíza, não há mais morro.

 

Famílias terão que deixar área invadida nos Guarapes

O caso mais emblemático de invasões em ZPAs talvez esteja ocorrendo no bairro dos Guarapes, Zona Oeste de Natal. Há mais de 10 anos, dezenas de famílias ocuparam uma área de dunas na região e delimitada pela ZPA-4. Após uma década, a Justiça determinou que o Município instaurasse processos administrativos para fins de desocupação das áreas invadidas.

O problema é que, passado todo esse tempo, estima-se que existam mais de 400 famílias que ficarão sem moradia. A desocupação é defendida pelo Ministério Público Estadual ao argumentar que a invasão representa grande dano ao lençol freático. Na visão do MP, pelo fato de a área se configurar como solo dunar, toxinas oriundas de resíduos, como lixo e esgoto, chegam mais rapidamente ao lençol freático.

Estipula-se que possa haver contaminação do principal manancial que abastece cerca de 70% da Zona Sul de Natal. A promotora Rossana Mary Sudário ingressou uma Ação Civil Pública em 5 de julho de 2001. A sentença favorável ao MP pela desocupação foi tomada em 2 de maio de 2011.

Na decisão, o juiz Airton Pinheiro, da 5ª Vara da Fazenda Pública, destaca a omissão da Prefeitura em agir para evitar que a área fosse invadida e que a invasão se prolongasse por tanto tempo. “Percebe-se claramente que, de lá para cá, passados 10 anos, absolutamente nenhuma medida foi adotada pela municipalidade a fim de evitar o aumento da destruição do meio ambiente”, lê-se no documento.

A área invadida está na Subzona1-A da ZPA-4 e é descrita como de “grande fragilidade ambiental”. Prazos foram estipulados para que as famílias se manifestassem e a Prefeitura desse início ao processo de retirada. Mais de um ano e seis meses se passaram desde a sentença sem que a situação fosse resolvida.

O supervisor-geral de fiscalização ambiental da Sembur, Leonardo Almeida, informou que providências estão sendo tomadas. De acordo com ele, as famílias estão sendo notificadas da situação.

Falta moradia

O problema de degradação ambiental é igualmente proporcional à desassistência do poder público em fornecer moradia à camada mais pobre da população. Basta andar pelo bairro dos Guarapes para notar essa realidade.
Às margens da BR-226, região conhecida como “Km 6”, nota-se as ocupações construídas em áreas de dunas e próximo à região de mangue. Morro acima, as ocupações se multiplicam. A reportagem do NOVO JORNAL se depara com a ocupação batizada de “Natália de Souza Alves”. Com cerca de 180 famílias distribuídas em barracos, a ocupação está ladeada por dunas que ameaçam invadir as moradias.

Morando há dois anos e quatro meses na “Natália”, Alexsandra Rafael, 37 anos, cobra providências para que possa adquirir moradia fixa. Ela lidera o movimento de reivindicação por melhorias também em questões de saúde, educação e saneamento básico. Segunda ela, a administração municipal indicou a construção de habitações fixas na mesma área em que hoje estão os barracos.

Demolição de cigarreiras não foi concluída

Quem passa próximo ao Hospital Universitário Onofre Lopes, na avenida Getúlio Vargas, pode notar os escombros que se amontoam onde antes ficavam comércios e cigarreiras. Demolidas em uma ação surpresa no mês de maio passado, a retirada do restante da estrutura ainda está pendente.

O NOVO JORNAL retornou ao local e pôde constatar a situação. As construções já se estendiam morro abaixo ignorando a preservação do meio ambiente. Apesar da flagrante irregularidade, os estabelecimentos possuíam alvará de funcionamento emitido pela Prefeitura. Ao invés de vender jornais ou revistas, atuavam como comércio de bebidas e alimentos, infringindo a lei.

Com vista para a Praia do Meio, as cigarreiras estavam realizando reformas de ampliação no momento em que foram interditadas e destruídas pela Semurb. Na previsão do supervisor-geral de fiscalização ambiental da Semurb, Leonardo Almeida, a conclusão da retirada das estruturas poderá ser concluída no último mês do ano. “Iremos voltar ao local no início de dezembro para completar a limpeza da área”, disse.

O nó das ZPAs

1 – As Zonas de Proteção Ambiental foram estabelecidas através da aprovação do Plano Diretor de Natal, em 1994.

2 – Somadas, as ZPAs abrangem quase 40% do território da capital. Apesar de terem sido estabelecidas, as ZPAs dependiam de análise posterior para que fossem estudadas e regulamentadas. Assim, poderia ser definida onde a preservação seria integral e onde ocorria uso com restrições.

3 – Quase 20 anos depois, apenas metade das ZPAs foi regulamentada e possui definidas as áreas de conservação e de exploração.

4 – As demais, como não passaram por estudos, são integralmente preservadas – de acordo com a capacidade de fiscalização da Semurb.

5 – As ZPAs 6, 7 e 10 já iniciaram o processo de regulamentação. A próxima etapa é uma conferência para referendar os estudos e ratificar as análises de localizações de preservação e exploração. O passo final é votação na Câmara Municipal para que os estudos virem lei.

Invasões recentes em Zonas de Proteção Ambiental (ZPAs)

1 – 28 de setembro – Uma grande operação foi montada para reintegração de uma área ocupada irregularmente no bairro Lagoa Azul, Zona Norte de Natal. A área integra a ZPA-9 e tem toda a sua extensão sob proteção ambiental, sendo vedada qualquer intervenção humana. Dois meses antes, havia sido identificado um início de ocupação ilegal, que foi desmantelada após a atuação de fiscais da Semurb, da Guarda Municipal e da Polícia Militar. A ocupação irregular já abrangia 200 lotes da ZPA-9, o que dá aproximadamente 240 hectares de terras. Chegando ao local, o cenário era de degradação. Os posseiros que vinham ocupando a área não foram encontrados.

2 – 27 de novembro – O NOVO JORNAL identificou uma agressão ao meio ambiente na ZPA-8. Estacas de madeira e arame farpado foram notados no terreno que fica localizado próximo à Ponte Newton Navarro, no lado da praia da Redinha. Confrontados pela equipe de reportagem com a informação de que aquela área é de preservação, Luís Ferreira da Silva, um dos homens vistos no local, disse: “É só para os bichos. Os cavalos e o nosso boi. A gente sabe que não pode construir casa aqui”. A Semurb afirmou que está planejando uma ação de retirada das cercas que pode ocorrer a qualquer momento.

3 – Em andamento – O processo para a retirada de mais de 400 famílias de uma área de dunas no bairro dos Guarapes, zona Oeste de Natal, já se arrasta por mais de 10 anos. O Ministério Público pede que o Município tome providência e retire as famílias pelo fato de que a região faz parte da ZPA-4. Há mais de um ano, sentença da Justiça foi favorável ao pedido do MP, mas até agora não foi cumprida. A área ocupada, por estar sobre dunas, pode comprometer a qualidade da água que abastece 70% da zona Sul de Natal.

Parque das Dunas

Dentre as áreas de preservação situadas na capital, destaca-se o Parque das Dunas. Segundo maior parque urbano do país, a área superior a mil hectares de mata atlântica possui diversas legislações que a protegem. O parque está situado na Zona de Proteção Ambiental 2. Além disso, é uma Área de Preservação Permanente (APP) delimitada pelo Código Florestal e é parte integrante da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica reconhecida pela Unesco.

O Parque não registra casos recentes de invasões na sua extensão. No ano de 2010, a administração do local atuou junto ao Governo do Estado para desapropriar famílias no bairro de Mãe Luíza, que estavam em áreas de risco e situadas no limite da área de proteção. No ano de 2008, engenheiros de um empreendimento imobiliário no Tirol tiveram que rever o projeto original cuja área de lazer invadia o início das dunas.

“Os nossos cuidados são diariamente redobrados. Ao mesmo tempo, fazemos um trabalho de sensibilização junto à população para chamar atenção que o patrimônio natural é de todos nós. É uma parte remanescente importante de Mata Atlântica no Brasil”, diz a administradora do Parque, Meire Sorage.

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