Precatório bilionário é analisado por comissão no TJRN

25 de abril de 2012

Da abertura do processo à fixação do valor da dívida a ser paga pelo Estado, passaram-se quase 10 anos. Distribuído por sorteio em novembro de 1999, o processo de precatórios favorável ao Sindicato dos Auditores Fiscais do Tesouro Estadual (Sindifern) envolve quase 600 pessoas e um débito judicializado cuja monta ultrapassa qualquer valor pago nos 120 anos de história do Tribunal de Justiça – R$ 1.216.216.395,06. Atualmente, a Comissão de Sindicância instaurada pela presidência do TJRN para investigar irregularidades na Divisão de Precatórios, analisa o processo e os cálculos que envolvem seu valor bilionário.

O nascedouro da causa, deferida pela Justiça no início dos anos 2000, condenava o Estado a pagar aos auditores fiscais as horas extras que excediam o teto horário semanal de 40 horas, além das noturnas. Há ainda, a inclusão dos adicionais de penosidade dos auditores lotados em postos fronteiriços e os percentuais relacionados à periculosidade da função.

Desde que foi formalizado, o  precatório do Sindifern foi juridicamente representado por advogados como Felipe Cortez, Miguel Josino (atual Procurador-geral do Estado), Anderson Miguel  (delator da Operação Hígia e assassinado em junho de 2011) e do que até hoje se mantem, Fábio Hollanda. No início, o processo  seguiu o lento caminho dos demais precatórios pagos pelo TJRN. Entre os anos de 2001 e 2006 não foi registrado nenhum peticionamento das partes envolvidas.

Processo dura mais de dez anos e tem um valor superior a R$1,2 bilhão. TJRN avalia valores

Processo dura mais de dez anos e tem um valor superior a R$1,2 bilhão. TJRN avalia valores

Somente em 2008, o então Procurador-geral do Estado peticionou à Justiça solicitando o embargo à execução da sentença movida contra o Sindifern. O valor do precatório – cerca de R$ 1,2 bilhão – é pela primeira vez mencionado. À época, a PGE pediu que a Justiça desmembrasse o número total de reclamantes em grupos de 10, além de uma minuciosa análise da planilha de custos que originou o valor bilionário.

Em novembro do mesmo ano, o Sindifern e a PGE firmam um acordo extrajudicial. Não se informou, contudo, possíveis índices de redução da dívida no termo apresentado ao juiz Cícero Macedo, titular da 4ª Vara da Fazenda. O acordo, porém, foi homologado pelo magistrado.

Um mês depois, o MPE ofereceu embargos à declaração em relação à decisão foi favorável ao acordo. O juiz Cícero Macedo reconheceu que “laborou em equívoco quando da homologação do acordo entre as partes” e suspendeu os efeitos da sentença. Entre recursos e agravos interpostos pela PGE, MPE e Fábio Hollanda, o magistrado reconheceu que um “embate” foi travado entre o Estado e o Sindicato no que dizia respeito ao pedido de suspensão da homologação.

Em março de 2009, o juiz citou como “muito estranha” o pedido  de não-homologação. Visto que, o instrumento estava  “firmado pela própria governadora” (à época, Wilma de Faria). O imbróglio continuou com novos pedidos do Estado para não desmembrar mais o processo em grupos menores e solicitou que fosse contratado um perito contábil para calcular o real valor da dívida.

Ao custo de R$ 29.580,00, o contador foi contratado pelo Sindifern, que arcou com as custas sozinho. Em março deste ano, quando o processo estava concluso para despacho e à espera de novos documentos técnico/contábeis, o Procurador-geral de Justiça, Manoel Onofre Neto, pediu vistas e, em resposta, peticionou. O conteúdo da petição, porém, ainda é desconhecido. Visto que, o juiz titular da 4ª Vara Criminal, Cícero Macedo, está de férias. O processo segue sem data para ser pago.

Delação retoma caso do Sindifern

Em depoimento prestado aos promotores de Defesa do Patrimônio Público durante a assinatura do acordo da delação premiada, Carla de Paiva Ubarana Araújo Leal explicou, por quase 45 minutos, o tratamento dispensado ao precatório do Sindifern. De acordo com a ex-chefe da Divisão de Precatórios do Tribunal de Justiça, foram abertos dois processos relacionados aos precatórios do Sindicato dos Auditores Fiscais, um em 1999 e o outro em 2003. Ela não detalhou, entretanto, o valor de cada um deles. Afirmou, em contrapartida, que o processo do Sindifern foi o primeiro que identificou como sendo o responsável pela quebra da ordem cronológica.

“Inclusive em 2008 ou 2009, quando o CNJ esteve aqui, eu passei para eles essa informação e o processo foi, são 17 volumes, foi todo escaneado e o CNJ levou esse processo. Nunca deram retorno sobre ele. Mas foi informado que existia essa quebra de ordem”, afirmou Carla Ubarana ao Ministério Público. Ela citou, ainda a participação do advogado do Sindicato, Fábio Hollanda, como comercializador de cessões de crédito que envolviam seus honorários sucumbenciais. Carla  relatou que o defensor do Sindifern vendeu sua parte no processo a duas empresas diferentes e que estas não recebiam os vencimentos.

Fábio Hollanda, porém, rebateu a argumentação de Carla Ubarana informando que após um breve período da negociação, renegociou com as empresas e reviu seus percentuais no processo na totalidade. “O Rio Grande do Norte passou sete anos sem pagar um precatório. Eu estava num momento financeiro difícil e vendi parte dos créditos, com deságio inclusive, para manter meu escritório e minha família. Não houve nada mais do que isso. Para poder me manter, eu vendi parte dos meus créditos”, afirmou Hollanda.

As citações em relação ao advogado, entretanto, prosseguiram. Carla Ubarana disse que Fábio Hollanda ia ao Tribunal de Justiça à procura dos seus honorários contratuais quando estes, segundo delatou aos promotores, não estavam disponíveis. “Eu questionei até com ele: “Olhe não é contratual porque o TJ tá pagando. E o TJ não tem autorização de nenhum parte para fazer retenção contratual e repassar”. Resultado: esse processo continua aberto até hoje”, advertiu Carla Ubarana.

Em resposta, Hollanda disse que Ubarana cometeu um erro ao fazer tal asserção. Ele definiu-se, ainda, como vítima do próprio Estado. Visto que, não recebeu “nenhum centavo” dos quais tem direito em relação a pelo menos dois precatórios milionários do Sindifern, os quais somados seus honorários, aproximam-se de R$ 20 milhões. Além disso, ele ressaltou que durante a gestão da sua tia, a desembargadora Judite Nunes, como presidenta do TJRN, nenhum dos processos que o envolvem como parte nos precatórios, foi analisado ou deferido. “Eu quero que despachem os processos”, reiterou.

Felipe Cortez classifica fala de “confusa” 

O advogado Felipe Cortez falou ontem com a reportagem da TRIBUNA DO NORTE sobre as menções de Carla Ubarana no vídeo da delação premiada, vazada na última segunda-feira. Cortez negou tudo. Segundo o advogado, as falas de Carla foram marcadas por um misto de desinformação, confusão e a simples mentira. “Não quero saber de mancha na minha história de tantos anos na advocacia por causa das declarações de Carla. Posso mostrar ponto a ponto as inverdades e equívocos”, disse Felipe.

Ressaltando que não houve referências no vídeo da acusada a nenhum suposto poder de influência no direcionamento dos processos por parte dele, Felipe Cortez explicou que colocar ou retirar processos de pauta não constitui ilegalidade. Ubarana disse na delação que “Se eu soubesse que o meu mandado de segurança só ia ter um desembargador, eu tinha pedido para ser retirado de pauta, e teria saído”, disse. De acordo com ela, Felipe Cortez também administra esse jogo no TJRN. “E isso quem é que administra bem direitinho lá dentro? Felipe”, afirmou.

“Por vezes eu peço para processos entrarem na pauta porque o cliente tem mais de 70 anos, por exemplo. Em outras, eu solicito a retirada da pauta porque vou ter outra audiência no horário marcado. São direitos que o advogado e a parte têm e, quando é o caso, eu, como advogado, peticiono a respeito. Não existe ilegalidade, nem suposto tráfico de influência nisso”, explicou Felipe Cortez.

O comentário de Carla sobre uma suposta influência de Felipe na liberação dos bens (R$ 35 milhões) de uma pessoa denominada “Gilmar” foi abordado junto ao desembargador Rafael Godeiro. Segundo Cortez, esse comentário é direcionado à liberação dos bens de Gilmar da Montana, à época da Operação Sinal Fechado. “As declarações de Carla são contraditórias e estão recheadas de inverdades. Em primeiro lugar, nunca advoguei para Gilmar da Montana. Pelo contrário, advogo em causas contrárias a ele. Em segundo lugar, a liberação sequer foi apreciada pelo desembargador Rafael Godeiro. Nunca falei isso com Carla, não tem a menor procedência”, esclareceu. Por fim, o advogado mostrou à reportagem um comprovante de viagem, feita com a família, para Londres na época em que a liberação dos bens foi deferida, no dia 29 de dezembro do ano passado.

Felipe Cortez questionou um dos trechos reproduzidos pela TRIBUNA DO NORTE. No momento, o Ministério Público chegou a questionar se o fato supostamente reportado por Felipe Cortez em relação a Rafael Godeiro – venda de sentença para liberação de bens bloqueados – não era relacionado ao desembargador João Rebouças, mas Carla negou. “Não. Ele falou com relação a Rafael. De Rebouças ele nunca falou nada bloqueado, não. De Rebouças ele falou somente com relação ao carro”. O advogado disse não ter encontrado esse trecho nas gravações, principalmente no que diz respeito ao desembargador João Rebouças. A referência ao carro seria a um suposto recebimento de uma Toyota “em um processo”.

Ex-procurador nega pedidos de prioridade

O ex-procurador geral do Município, Bruno Macedo, emitiu ontem à tarde uma nota acerca das declarações de Carla Ubarana na delação premiada, divulgados ontem pela TRIBUNA DO NORTE, através de vídeos publicados pelo Blog do BG. Carla disse durante a delação que Bruno pediu, em duas oportunidades, para retirar precatórios da fila por conta de acordos feitos “por fora”, sendo um deles a ser negociado diretamente com a prefeita Micarla de Sousa. Macedo negou todas as colocações de Carla Ubarana.

Primeiramente, o advogado nega ter feito qualquer acordo para pagamento de precatório: “NUNCA celebrei qualquer acordo ou recebi qualquer pagamento de precatório decorrente de processo que atuei como advogado privado”. Em seguida, ele conta que a única solicitação que fez para Carla Ubarana foi para corrigir  “a titularidade do Precatório n.º 2009.010419-2″. ”  Tal precatório ocupa a 202ª posição na atual relação da ordem cronológica dos instrumentos precatórios do TJRN, sendo o único por mim ostentado desde que comecei a exercer a advocacia”, prossegue a nota.

Por fim, Bruno Macedo se manifesta sobre o precatório da Henasa: “Quanto ao precatório da Henasa, reitero as minhas manifestações anteriores, e reafirmo que tenho a minha consciência absolutamente tranqüila por ter sempre pautado a minha vida profissional sob a égide do cumprimento irrestrito da legalidade e da transparência dos atos por mim exercidos”.

Depoimento gera protestos dos citados

O advogado Fernando Caldas também se pronunciou sobre a delação premiada de Carla Ubarana. Caldas ressaltou que a ex-chefe do setor de precatórios do TJRN confirmou o que ele já havia dito: não houve fraude no cálculo do precatório da Henasa. “Desde o início, eu falei que o erro foi sem dolo, sem intenção”, disse. A respeito de uma suposta influência dentro do Tribunal de Justiça, Fernando Caldas disse que as relações que sempre teve com todos os desembargadores são profissionais.

A prefeita Micarla de Sousa publicou nota no começo da noite de ontem, onde disse ter assinado o acordo do precatório da Henasa em um processo público e aberto com autoridades até pouco tempo livres de qualquer suspeita. Micarla disse que determinou a suspensão do pagamento logo que as primeiras suspeitas sobre o acordo apareceram. “Reitero que tão logo a Comissão Especial do Tribunal de Contas do Estado questionou o cálculo e valor final do precatório determinei a pronta suspensão do pagamento até que se tenha uma decisão final sobre a questão. Confio na apuração isenta e na imparcialidade que separa a verdade dos fatos e atos públicos das ilações sorrateiras e suposições dos que tentam denegrir a imagem e honra alheias”, encerrou.

Os demais citados por Carla Ubarana foram procurados pela reportagem, mas não retornaram o contato.

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