Querido Focinho

Neli Terra é jornalista dos setores jurídico e energético (renováveis, O&G), apresentadora e diretora de TV, mãe, madrasta, esposa, filha, irmã. Gaúcha. Movida por desafios.Andarilha por natureza. Apaixonada pelos animais, sonha com um mundo onde todos convivam com respeito e harmonia.

Precatórios do RN – Desembargadores vão a julgamento dia 21

15 de maio de 2012

EM MEIO AO  turbilhão do caso Mensalão, no conselho de ética da Câmara dos Deputados, a acareação entre os deputados Roberto Jeferson e José Dirceu parou o país e ficou marcada por uma frase. Interpretando o ator que sempre foi, Jeferson disparou um petardo contra Dirceu. Olhando o ex-aliado tratado àquela altura como inimigo número um, o deputado do PTB afirmou: “Zé, você desperta em mim meus instintos mais primitivos”. Os casos são muito diferentes. O embate no Congresso Nacional ocorreu em 2005.

Porém, sete anos depois, o Rio Grande do Norte viveu expectativa semelhante com a reportagem veiculada domingo passado no programa Fantástico, da Rede Globo. No papel principal, uma única mulher: Carla de Paiva Ubarana Araújo Leal. Os desembargadores Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro não quiseram comentar o assunto. Ontem, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou nota informando que ambos serão julgados no dia 21 de maio:

“Com referência às graves denúncias veiculadas pelo programa dominical “Fantástico”, o Poder Judiciário brasileiro, pelo seu Conselho Nacional de Justiça, informa que os fatos narrados pela reportagem já vêm sendo objeto de apuração pela Corregedoria do CNJ a partir de informações prestadas por magistrado do próprio estado do Rio Grande do Norte. Conforme aprovado na última Sessão do Plenário do CNJ e seguindo prioridade que decorre da própria Constituição Federal (§ 4º do Art. 37), o Conselho confere primazia ao julgamento de processos que impliquem o mais eficaz combate à apropriação indevida de dinheiros, bens e valores públicos.

Donde a previsão de julgamento, já no próximo dia 21 de maio, de Reclamação Disciplinar sobre os fatos noticiados no referido programa “Fantástico””, diz a nota.

A ex-chefe da divisão de precatórios que arrasou o Tribunal de Justiça apresentou ao país, em 10 minutos e 12 segundos, um pouco de como fez para roubar cerca de R$ 20 milhões dos cofres públicos. Segundo ela, tudo com ajuda dos desembargadores Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro, ex-presidentes do TJRN hoje afastados de suas funções pelo Superior Tribunal de Justiça por suspeita de corrupção. Carla Ubarana voltou a afirmar, agora em rede nacional, que começou o esquema na gestão de Osvaldo Cruz e repetiu com Rafael Godeiro entregando o dinheiro aos magistrados em envelopes dentro dos gabinetes. Contatados pelo NOVO JORNAL, os dois não quiseram comentar as declarações dadas ao programa.

A reportagem do Fantástico não trouxe à luz nenhum fato que já não tivesse sido contado, mas provocou uma onda de manifestações por conta da maneira como Carla Ubarana se portou diante das câmeras. No público que a assistiu detalhar a riqueza que amealhou e gastou durante quatro anos, Carla despertou os mesmos instintos primitivos da interpretação de Roberto Jef erson. Diante dos holofotes, era a consagração. Procurado para comentar a reportagem, o advogado Marcos Braga afirmou o excesso de trabalho o impediu de saber como foi a repercussão do programa, mas revelou que a decisão de aparecer na Rede Globo e, em horário nobre, partiu da própria Carla Ubarana. “Foi uma decisão dela”, limitou-se.

Reprodução da reportagem (foto: Ney Douglas)

DEBOCHE NACIONAL

A reportagem recorreu à jornalista e consultora de moda, Gladys Vivane, para comentar a moda ditada na Globo pela ex-chefe dos precatórios do TJ.

“Blusa folgada, colorida, em tons de roxo, bem cafona. Cabelo molhado, curto, o rosto oleoso sem maquiagem. Não sobrou dinhero para comprar compacto”, analisou.

Segura de si, Carla deu a impressão de debochar de quem a via enumerar prazeres desfrutados com dinheiro público. “Ficamos no Plaza Atheniê (Athenné), como meu marido colocou no depoimento dele, um dos cinco palácios de Paris, tá?”, disse ao repórter Eduardo Faustini.

A entrevista se divide entre o depoimento exclusivo de Carla Ubarana ao repórter da Rede Globo na casa de Petrópolis onde está presa com o marido e cúmplice George Leal, sob a escolta de quatro policiais do BOPE, e trechos dos vídeos em que George também se vangloria dos seis carros comprados (“um é aquele do safety car, da Fórmula-1”, diz) e dos celulares que, segundo o Fantástico, já foram usados por celebridades como Madonna e David Beckhram, no valor de R$ 33 mil. A casa de R$ 3 milhões comprada com dinheiro roubado no município de Baía Formosa é um caso à parte. O Fantástico mostrou imagens da mansão batizada de ‘Casa Grande’ pelos moradores do município enquanto George detalhou a medida olímpica da piscina e os 33 ipês que mandou buscar do Ceará para plantar na casa. Uma fortuna avaliada em R$ 6 milhões foi devolvida pelo casal como parte do acordo firmado com o Ministério Público Estadual para pleitear o benefício da delação premiada, condição em que um acusado aceitar contar a verdade e contribua para o desenrolar das investigações e o MP se compromete a pedir ao final do processo, junto à Justiça, ou o abrandamento da pena ou até o perdão judicial.

Funcionária concursada do TJRN desde 2000 e chefe da divisão de precatórios a partir de 2007, Carla Ubarana ainda esbanjou ao chamar de ‘troco’ euros e francos suíços que teriam sobrado das férias luxuosas em Paris onde, em apenas uma viagem, a dupla gastou R$ 255 mil em diárias. Segura do trabalho que desempenhava no setor de precatórios, a mulher-bomba do TJ não economizou na modéstia profissional. “Ninguém domina precatório. E eu posso lhe dizer que eu domino precatório”, afirmou com desenvoltura diante do repórter.

Carla Ubarana e George Leal estão em prisão domiciliar sob a escolta diária de quatro policiais do Bope. Tem acesso a todos os demais benefícios de quem goza de estadia numa residência num bairro nobre. Segundo o comandante geral da Polícia Militar, coronel Francisco Araújo, afirmou que o único impedimento é ‘o direito de ir e vir’.

JUDITE NUNES QUEBRA O SILÊNCIO

Além das reações do público diante do depoimento de Carla Ubarana ao Fantástico, também chamou a atenção o fim do silêncio de algumas figuras que fazem parte do novelo dos precatórios. Se à imprensa local não fala, domingo a atual presidente do TJRN, Judite Nunes, deu sua opinião sobre o esquema. E saiu em defesa do judiciário. “Ficamos indignados, tristes, ficamos acabrunhados. Mas quero dizer que o poder judiciário e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte está fortalecido. Não vamos nos abater por esse fato não”, afirmou.

Ontem à tarde, mais uma vez, o NOVO JORNAL procurou Judite Nunes para falar sobre o escândalo dos precatórios, mas ela estava em viagem pelo interior participando do ‘Justiça na Praça’, em Santa Cruz, e, até o fechamento desta edição, não havia retornado. O Ministério Público Estadual, que em Natal só fala através de pronunciamento oficial em entrevista coletiva, também falou à reportagem do Fantástico. Num depoimento curto e editado, o promotor de Justiça do Patrimônio Público, Flávio Pontes Filho, comentou um dos documentos assinados pelo desembargador Rafael Godeiro onde há a transferência de R$ 79,5 mil para um dos laranjas do esquema. “Não existe número de processo, número de ofício, um documento atípico”, disse.

Também apareceram na reportagem o procurador geral junto ao Tribunal de Contas do Estado, Luciano Ramos, que explicou que a responsabilidade por todas as assinaturas eram dos ex-presidentes e o advogado Júnior Rocha, que comentou um caso de venda de sentença envolvendo uma ex-funcionária do desembargador Rafael Godeiro. 

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