RN – Pagamentos à Organização Social são suspensos pelo governo

3 de julho de 2012

As investigações sobre fraudes dentro da Secretaria Municipal de Saúde começou a repercutir no Governo do Estado. Com um contrato semelhante aos vínculos suspeitos entre Associação Marca e Prefeitura de Natal, a Secretaria Estadual de Saúde resolveu suspender os pagamentos à Organização Social até que a parceria seja auditada por servidores públicos designados pela governadora Rosalba Ciarlini. Segundo análise de colaboradores do Conselho Estadual de Saúde, a Marca cobrou do Governo e fez gastos para equipar o Hospital da Mulher em Mossoró mais de 20 dias antes da assinatura do contrato.

Estão livres: o ex-secretário Antônio Luna, o ex-secretário Thiago Trindade e Assis Rocha, ex-coordenador da SMS. (Foto: Aldair Dantas/Tribuna do Norte)

O secretário estadual de Saúde, Isaú Gerino, reconheceu que as informações acerca da prestação de contas da Associação Marca são “graves, muito graves”, principalmente no que diz respeito às “antecipações” de gastos, realizados antes até do parecer positivo da Procuradoria Geral do Estado. “Os pagamentos para a Marca estão suspensos até que a auditoria determinada pela governadora seja concluída”, afirma Isaú Gerino. Uma fonte da cúpula do Governo do Estado afirma que as principais suspeições são advindas do fato de a Marca está sendo investigada por fraudes no Município de Natal e pela presença do procurador Alexandre Magno de Souza na gestão estadual à época da contratação da OS. Alexandre é apontado pelo Ministério Público Estadual como um dos mentores do suposto esquema.

Os pagamentos e compras “antecipados” da Marca são um caso à parte. Segundo informações da prestação de contas, às quais a TRIBUNA DO NORTE teve acesso, até mesmo o aluguel do prédio foi pago sem que um vínculo formal entre Secretaria Estadual de Saúde e Associação Marca. Os documentos mostram que no dia 18 de fevereiro, 10 dias antes da formalização do contrato, foi assinada a guia de pagamento do aluguel do futuro prédio do Hospital da Mulher Parteira Maria Correia, em Mossoró, referente ao mês de fevereiro, no valor de R$ 45 mil. O Hospital passou a funcionar no dia oito de março.

Ao mesmo tempo em que firmava o aluguel do prédio sem ter contrato, e teoricamente sem nenhuma garantia de que seria a instituição escolhida pela Sesap, a Marca iniciou uma série de reformas e modificações estruturais. Há várias notas de pagamento referentes a esses serviços na prestação de contas da OS.

A empresa The Wall por exemplo foi contratada no mês de janeiro para fazer a reforma do prédio. Vale lembrar que o contrato entre Marca e Governo do Estado foi assinado no dia 29 de fevereiro. Ou seja, quase um mês  antes de firmar o contrato a Marca já reformava e modificava, segundo conveniência da Secretaria Estadual de Saúde, o prédio onde iria funcionar o Hospital da Mulher. “A Organização Social montou o hospital de acordo com a conveniência da Secretaria de Saúde”, disse Domício Arruda à TRIBUNA DO NORTE na semana passada. O ex-secretário afirma também que não havia suspeitas sobre a Marca à época e que o processo foi lícito.

Além do próprio prédio e das reformas, a Marca começou a adquirir a aparelhagem do Hospital da Mulher antes de ter a confirmação oficial sobre a escolha da entidade que iria gerir a unidade de saúde. Aparelhos de raio-x, mesa cirúrgica, entre outros itens fundamentais ao funcionamento do hospital foram adquiridos entre os dias 15 e 28 de fevereiro. Segundo membros do Conselho Estadual de Saúde, a compra é um indício de que a instituição há havia sido escolhida antes do processo formal. “É muito estranho que a Organização Social tenha antecipado as compras”, disse Canindé Alves, que é colaborador e ex-presidente do CES.

O Ministério Público Estadual também viu com estranheza o fato  e denominou o processo como “jogo de cartas marcadas”. Há uma ação civil pública para anular o contrato, mas o pedido do MPE ainda não foi julgado pela Justiça.

Processo não passou por comissão de controle interno

Os membros do Conselho Estadual de Saúde se reuniram ontem pela primeira vez após a Operação Assepsia, que prendeu vários agentes públicos e representantes de organizações sociais em Natal na última semana. Após uma primeira avaliação sobre os documentos da prestação de contas, os conselheiros levantaram suspeitas sobre a lisura do processo. Primeiro, com relação ao pagamento. “Sabemos que esse processo não passou pela comissão de controle interno, por exemplo. Passou somente pelo gabinete do secretário e pelo financeiro da secretaria”, argumentou Francinete Melo, presidente do Conselho.

Outro ponto levantado foi a respeito das notas acostadas à prestação de contas. Não há, segundo os conselheiros, comprovantes de que os equipamentos comprados foram recebidos. Esses equipamentos, em regra, seriam do Estado e por isso precisariam ser tombados e incorporados ao patrimônio público, ainda segundo o Conselho Estadual de Saúde.

Os documentos referentes à prestação de contas serão enviados pelo Conselho enviados para o setor de auditoria da Sesap, não confundir com a comissão designada pela governadora. “Iremos enviar para o setor de auditoria da própria Secretaria de Saúde”, aponta a presidente do CES.

O Conselho já havia requisitado a documentação há duas semanas, mas só na última quinta-feira teve acesso às seis pastas referentes aos meses de fevereiro, março e abril. “Tínhamos solicitado, mas eles não atenderam ao pedido do conselho. Descobrimos que o processo estava aqui e fomos buscá-lo”, diz Francinete Melo.

Cronologia

2011

– 05 de dezembro
Assessoria Técnica da Sesap encaminha ofício à Assessoria Jurídica solicitando a elaboração de minuta de Medida Provisória para a contratação de Organização Social. Começa o trâmite efetivamente do processo 3972/2012.

2012

– 11 de janeiro
A Assejur sugere que a minuta do projeto de lei (MP) seja feita pela Consultoria Geral do Estado.

– 26 de janeiro
Antes que a minuta da MP fosse elaborada, a Cohur apresenta pré-projeto ao gabinete do Secretário e destaca a “situação emergencial na 2ª Região”.

– 27 de janeiro
A Coordenadoria de Orçamento e Finanças informa a existência de orçamento de R$ 12 milhões para a instalação de unidade.

– 02 de fevereiro
A Marca encaminha proposta de Gerenciamento e Gestão do Hospital da Mulher, mediante convite formalizado pela Sesap. Isso é dito no documento assinado por Elisa Andrade, diretora geral da OS, quando o processo que analisa a terceirização sequer havia chegado aos órgãos de controle interno.

– 06 de fevereiro
Despacho do secretário Domício Arruda autoriza o envio de convite para, ao menos, três instituições, dando prazo de sete dias para formalização de interesse. O processo é enviado para análise da Assejur.

– 08 de fevereiro
Parecer da Assejur sugere o prosseguimento do processo, indicando a necessidade de normatização estadual voltada à qualificação das Ocips e prévia submissão do “termo de parceria” ao Conselho de Políticas Públicas Local (Mossoró), ao Conselho Estadual de Saúde e à Procuradoria Geral do Estado.

– 17 de fevereiro
PGE aponta viabilidade jurídica para a celebração do Termo de Parceria, em caráter emergencial, por 180 dias, e em seu parecer desobriga o Estado a remeter previamente o termo emergencial para apreciação do CES-RN.

– 29 de fevereiro
Assinatura do Termo de Parceria pelo secretário Domício Arruda e pela diretora da Associação Marca, Elisa Andrade.

– 03 de março
Publicação do Decreto 22.575 abrindo  crédito suplementar no valor de R$ 15.806.057,91, “tendo em vista decisão ‘Ad Referendum’ do Conselho de Desenvolvimento do Estado – CDE, tomada em 02 de março de 2012”. O CDE  aprovou o processo em 06/03.

– 08 de março
Inauguração do Hospital da Mulher. No mesmo dia quatro empenhos que somam R$ 8 milhões são liberados pelo secretário Domício Arruda.

-09 de março
Processo foi encaminhado a Control para análise e liberação do pagamento, que foi feito entre os dias 22/03 e 10/04.

Assepsia: Justiça libera  três dos investigados

O ex-secretário de saúde de Natal, Thiago Trindade, o secretário de planejamento e finanças Antônio Carlos Soares Luna e do coordenador administrativo e financeiro da SMS, Francisco de Assis Rocha Viana foram liberados pela Justiça no início da noite de ontem. A decisão do  juiz José Armando Ponte revogou a prisão temporária dos três investigados na Operação Assepsia, que investiga a contratação de supostas organizações sociais pelo Município de Natal, com atuação na área da saúde pública.

O magistrado também transformou em preventiva, a prisão temporária do diretor da associação MARCA, Antônio Carlos de Oliveira Júnior.  Até o momento, somente o procurador do município de Natal, Alexandre Magno Alves de Souza e Rose Bravo, diretora da Marca e esposa de Antonio Carlos,  estavam em prisão preventiva. O procurador se apresentou no final da tarde do último domingo no Quartel do Comando-geral da Polícia Militar. A prisão temporária tem um prazo máximo de cinco dias – completados ontem – e prorrogáveis por mais cinco. Já a prisão preventiva não tem tempo máximo pré-determinado.

Na decisão, o magistrado justificou a soltura do investigado Thiago Barbosa Trindade, alegando que não havia necessidade de prisão preventiva, apesar de serem  “inequivocamente consistentes os indícios que apontam para a sua participação nos crimes apontados pelo Ministério Público em seu pedido inicial”.

No despacho o juiz observa ainda que, até o presente instante os autos apontam que o ex-secretário de saúde há algum tempo parece estar afastado do núcleo deliberativo e mesmo do núcleo operacional do esquema tido por criminoso que teria lesado os cofres públicos de Natal, núcleo esse do qual um dia parece ter sido um dos protagonistas. “De todo modo, entendo desnecessária, no momento, a decretação de sua prisão preventiva”, destacou o magistrado.

O secretário de planejamento Antônio Luna e o coordenador de finanças da SMS Francisco de Assis Viana – também liberados – no entendimento do  juiz, não tiveram as prisões preventivas decretadas devido as “medidas cautelares diversas da prisão, às quais já se acham submetidos, já se mostram suficientes ao caso”.

A prisão temporária de Antônio Carlos de Oliveira Júnior (Maninho), da Associação Marca, foi convertida em preventiva para a garantia da ordem pública e para a garantia da ordem econômica, de acordo com a decisão, devendo ser expedido o Mandado de Prisão Preventiva em seu desfavor. O investigado deverá ficar recolhido a prisão especial, caso comprove possuir curso superior.

Na Operação Assepsia, o MPE investiga a contratação do Instituto Pernambucano de Assistência e Saúde – IPAS, entidade que primeiro administrou a UPA do bairro de Pajuçara; do Instituto de Tecnologia, Capacitação e Integração Social – ITCI, contratado para gerir o Projeto Natal contra a Dengue, e também da Associação Marca para Promoção de Serviços, atualmente responsável pelos contratos de gestão da UPA Pajuçara e dos Ambulatórios Médicos Especializados – AMES mantidos pelo Município de Natal.

Denúncia será enviada esta semana

A movimentação no quartel da PM começou logo após a divulgação da sentença do juiz José Armando Ponte, da 7a. Vara Criminal, libertando os investigados. Os advogados Heráclito Higor Noé e Arsênio Pimentel foram os primeiros a chegar. A saída dos três investigados (Antonio Luna, Thiago Trindade e Francisco de Assis Rocha) ficou condicionada à presença do oficial de justiça, que oficializou a soltura dos três perante à Polícia Militar.

Segundo o advogado Heráclito Higor, os acusados estavam tranqüilos e esperam agora pela denúncia do Ministério Público Estadual. “Temos uma acusação genérica até então, nessa fase chamada de cautelar. A partir da denúncia, iremos saber o que o Ministério Pública imputa de crime a cada um para podermos viabilizar a defesa”, disse o advogado, que representa Antonio Luna e Francisco de Assis. Arsênio Pimentel destacou que a denúncia deve ser enviada essa semana. “O MPE deve enviar a denúncia até sexta-feira”, avaliou.

Eles chegaram no Itep por volta das 19:45. Apenas Antonio Luna entrou no prédio, cobrindo o  rosto  com uma folha de papel e usando óculos escuro. No momento da saída dos três do  Itep, uma funcionária disse que “nem lá dentro ele tirou óculos”. O ex-secretário de Saúde, Thiago Trindade, não fez menção nenhuma de cobrir o  rosto, chegou a dizer “tudo bom!”, para um reporter. O Assis Rocha entrou e saiu mais apressado pela porta da frente do Itep. Thiago Trindade disse que ia direto para casa, descansar, mas deixou em aberto a possibilidade de falar nesta terça-feira para a imprensa.

O advogado Sebastião Leite dirigia o carro  que levaram os três para o Itep, informando  que fazia a defesa de Antonio Luna e Assis Rocha, e também aventou a possibilidade de falar hoje com os jornalistas.
Interceptações

O MPE divulgou na manhã de hoje os áudios de algumas interceptações telefônicas referentes a Operação Assespsia, deflagrada na semana passada.  As conversas estão presentes na petição em que o MPE pediu a prisão de vários suspeitos e a busca e apreensão em órgãos públicos e sedes de empresas.  As conversas, divulgadas a partir de autorização judicial, são utilizadas pela promotoria do Patrimônio Público como evidências de que se formou uma quadrilha com o objetivo de facilitar a contratação de organizações sociais e desviar recursos públicos no âmbito da Secretaria de Saúde.  São 10 gravações, entre diferentes “personagens” da suposta quadrilha investigada pelo MPE. Alguns diálogos têm caráter pessoal, outros utilizam palavras de baixo calão. Há ainda dialogos que se referem às relações entre membros do poder público e da iniciativa privada. Veja alguns trechos:

“Quem é que tá lá? O homem que mais entende de OS”,  Antonio Luna em diálogo com Bruno Macedo, em referência a Alexandre Magno de Souza, considerado um dos mentores do suposto esquema pelo MPE

“É um cara de pau. Este governo é todo de cara de pau, mentiroso pô”,  Antonio Luna em diálogo com Bruno Macedo em referência ao então secretário de saúde Domício Arruda e ao Governo do Estado

“Você tem como ir no meu cofre e pegar um bolinho de cinco? Doutor Alexandre deve passar aí daqui a pouco e pegar”, Rose Bravo em diálogo com Antonio Carlos de Oliveira Júnior sobre um “empréstimo” a Alexandre Magno de Souza, considerado um dos mentores do suposto esquema pelo MPE.

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