Deu no caderno de Economia do O Poti:
Um cartão postal de belas dunas que faz do turismo a principal base de sustento de uma comunidade. Um clima privilegiado de ventos fortes que levam milhões em investimentos do setor de energia a uma cidade litorânea. Vocações natas do pequeno município de Galinhos, a 170 quilômetros de Natal, onde duas atividades econômicas consideradas estratégicas para o estado entraram em rota de colisão quando a população local se impôs contra a construção do parque eólico Rei dos Ventos I, do Consórcio Brasventos, sobre as Dunas do Capim, considerada o grande atrativo turístico da região. Sem acordo conjunto, o caso foi parar na Justiça, e ganhou um novo capítulo quando cenas de tratores abrindo espaço na areia passaram a compor o visual do cartão postal.
Cercada de águas, a península onde fica Galinhos é habitada por pouco mais de duas mil pessoas. Com as principais áreas de pesca perdidas após a instalação de um polo salineiro e uma empresa de carcinicultura nas décadas de 1980 e 1990, o município passou a apostar fortemente no turismo há alguns anos. Mais ou menos o tempo em que a cidade passou a receber empresas interessadas em gerar energia elétrica a partir dos ventos que passavam pela região. A convivência era de paz até os moradores tomarem conhecimento, em novembro do ano passado, que o consórcio Brasventos pretendia instalar os 35 aerogeradores do empreendimento Rei dos Ventos I justamente em cima das Dunas do Capim. Além do argumento do impacto ambiental, a comunidade teme a perda do “diferencial turístico” que a área representa.
A professora do Departamento de Turismo da Universidade Federal do RN (UFRN), Rosana Mara Mazaro, classifica o conflito como um “contrasenso” do poder público. “Os estados deveriam conhecer seus potenciais, o que chamamos de pilares de desenvolvimento. A questão de Galinhos nos mostra que o estado não está compatibilizando áreas estratégicas”, avalia. De acordo com Mazaro o argumento se constrói no fato do Instituto de Desenvolvimento Sustentávele Meio Ambiente (Idema) ter concedido as licenças prévia e de instalação ao empreendimento mesmo com a existência de outras áreas potenciais no RN. “Há uma matriz energética diversificada e o estado tem de pegar o norte do desenvolvimento, mas vamos com calma. É incoerente quando se pensa em desenvolvimento estratégico”, reforça.
Para consultores e representantes do setor eólico ouvidos pelo O Poti/Diário de Natal, a falta de diálogo entre comunidade e empresa desde o início do processo foi determinante para o caso chegar aonde chegou. “Se há barreira entre empresa e comunidade, a tendência é o projeto se deteriorar. É preciso que haja um caráter comunitário, evitando ou fazendo com que o projeto seja readaptado a uma realidade local. Nesse caso se criou um sistema de animosidade, mas acredito que a solução está na negociação”, avalia o diretor geral do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne), Jean-Paul Prates, que exalta a necessidade das empresas criarem planos de compensações voltadosaos municípios.
Casos como o de Galinhos aconteceram em estados como o Ceará, onde a Justiça embargou no começo do ano o empreendimento da Central Eólica Trairi na comunidade de Flecheiras. Os embates entre comunidades e empreendedores quanto à construção de aerogeradores sobre áreas de duna tem gerado análises mais rigorosas por parte dos órgãos ambientais que fazem o licenciamento, conforme explica a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Melo. “Construir em dunas é um pouco mais difícil do ponto de vista do projeto. Os órgãos ambientais já não estão concedendo licenças e os projetos já não estão sendo feitas sobre essas áreas”, afirma.
O embate entre comunidade e consórcio gerou duas audiências públicas e reuniões técnicas intermediadas pelo Idema. Enquanto os representantes do município pediram a realocação de 23 dos 35 aerogeradores do projeto, o Brasventos só aceitou realocar cinco equipamentos. Levado à instância judicial, o projeto chegou a ser paralisado após uma ação civil do Ministério Público Estadual, no entanto o Tribunal de Justiça do RN autorizou a continuidade da obra acatando um parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE).
Tratado como uma das principais preocupações dos representantes da comunidade a cerca da polêmica, o futuro pós-construção é visto com receio. De fato, a instalação de um parque eólico se caracteriza por gerar empregos locais no momento da construção, no entanto os postos de trabalho reduzem naturalmente na operação, quando entra em cena um novo tipo de emprego, com profissionais em menor quantidade e mais especializados. “Depois que estiver instalado como ficará a comunidade? Trata-se de um emprego temporário, algo que não vai ficar para nós”, argumenta a secretária municipal de Turismo, Chesma Alves.
Um levantamento elaborado pela professora Rosana Mazaro, da UFRN, identifica que o turismo beneficia direta e indiretamente 1.100 pessoas em Galinhos. São 281 empregos diretos em pousadas, bares, restaurantes, agências de receptivo, produção de peças de artesanato, além de passeios de buggy, charretes, canoas e barcos. Os demais postos de trabalho se dividem no funcionalismo públicoe na indústria de transformação, setor no qual cerca de 20 pessoas estão empregadas na salina e na fazenda de camarão. “Quando já não era mais possível trabalhar com pesca, decidimos unir o útil e o agradável para trabalhar com turismo”, ressalta Chesma Alves, ressaltando o trabalho de base comunitária desenvolvido a partir do Projeto Orla, da Superintendência do Patrimônio da União (SPU/RN).
A professora Rosana Mazaro, da UFRN, não vê com bons olhos a intervenção feita em Galinhos. “Impacto tem a ver com longo prazo, pois se trata de algo definitivo”, diz. Com a perda do diferencial competitivo e a “destruição de um patrimônio”, Mazaro crê em prejuízos significativos. “Turisticamente uma duna com aerogeradores não é tão atrativa quanto uma duna virgem”, afirma a professora, que exalta ainda a preocupação com os riscos ambientais aos quais as Dunas do Capim estão sujeitas. “Com essa construção, a tendência é que as dunas desapareçam”, observa.
Com o benefício do emprego perdido no momento da operação, Jean-Paulo Prates acredita que os ganhos nos municípios devem vir através de compensações dadas pelo empreendedor. “Em princípio, cidades como Galinhos não têm tanta oportunidade de receber investimentos desse tamanho”, afirma. Para o diretor geral do Cerne, existem exemplos bem sucedidos no RN, dos quais ele cita Parazinho, Pedra Grande e João Câmara, locais onde foi possível gerar transformações sociais com a instalação de parques eólicos. “A partir de um plano de compensações visando o comunitário é que o dinheiro do projeto flui para a comunidade”, destaca.
Comunidade e consórcio não se entendem
“Somos a favor da energia eólica, mas nas dunas não”. A frase pode ser creditada a secretária municipal de Turismo, Chesma Alves Marino, mas compõe o discurso de
praticamente todas as entidades locais envolvidas no movimento contrário ao parque eólico. Pessoas como o presidente da Associação dos Bugueiros de Galinhos, Mário Helisson da Silva Lima, o “Ecinho”, ou a presidente do grupo de artesanato local, Francisca Elielma, a “Branca”, fazem questão de deixar claro que a intenção não é ser contra a geração de energia a partir dos ventos. “O problema é o lugar”, enfatiza o presidente da Associação dos Barqueiros, Antônio Evaristo Pereira, o “Toinho”.
Foi com tristeza também que a presidente do Grupo de Escoteiros de Galinhos, Maria dos Prazeres Pereira, assistiu ao movimento das máquinas nas Dunas do Capim. “Até um cego, mesmo sem ver, entenderia que está errado fazer isso em cima das dunas”, opina. A secretária municipal de Turismo lembra ainda que outro empreendimento do consórcio Brasventos, o Rei dos VentosIII, não sofreu a mesma resistência da comunidade, exatamente por não estar em uma área de tabuleiro que não é tão representativa para a população de Galinhos quanto as Dunas do Capim. Chesma Alves mostra preocupação com o futuro, e questiona se as pessoas poderão passar perto dos aerogeradores quando o parque estiver funcionando.
Do outro lado, o diretor do Brasventos, James Clark, acredita que o turismo não será tão prejudicado quanto se pensa. O representante do consórcio conta que não foi possível ceder mais do que a realocação de cinco aerogeradores. “É uma questão de ter ou não ter o parque. Os motivos alegados não são suficientemente fortes para que se faça isso”, afirma. Segundo ele o próprio parque Rei dos Ventos I pode ser utilizado como atrativo turístico. “A tendência é que fiquem a favor quando souberem as vantagens que ficarão na cidade. Alguns moradores pleitearam uma mudança maior, mas não é uma opinião geral”, avalia.
Para James Clark a questão paisagística é muito “subjetiva” para gerar a paralisação do projeto. “Tem gente que gosta e tem gente que não gosta”, diz. A empresa também esclarece que a circulação de pessoas, veículos, além dos acessos a praia, não ficarão inviabilizados com a operação da usina na área das dunas.
Recordando o histórico do desenvolvimento da energia eólica, o diretor geral do Cerne, Jean-Paul Prates, conta que o conflito entre a instalação dos parques e o fator visual já aconteceu em outras partes do mundo. “As eólicas ficam em lugares altos ou paisagens de praias. Por ser uma energia limpa e de baixo impacto, o grande empecilho e única alegação que sobra é a questão paisagística”, analisa. Na opinião do especialista a convivência é possível e não é rara, porém quem mais pode afirmar isso é a própria comunidade. “O ruim seria a má convivência entre comunidade e empreendimento. A melhor saída agora é o acerto de contas”, conclui.
RN não atrai indústrias
A discussão sobre benefícios da energia eólica após a construção também giram em torno da questão fiscal. Como o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é recolhido apenas no destino, o RN não recolhe nada do imposto, já que a energia vai para outras regiões do país. O que fica na cidade de fato é o Imposto Sobre Serviço (ISS), colhido durante a construção. De acordo com a prefeitura de Galinhos, o valor pago pode variar entre R$ 8 mil e R$ 18 mil por mês em um empreendimento do tipo. Além do plano de compensações proposto por Jean-Paul Prates, outra saída seria a atração de indústrias de equipamentos eólicos para o estado.
A presidente da Abeeólica, Elbia Melo, conta que a chegada de fábricas de equipamentos eólicos já é uma realidade para outros estados nordestinos, como Ceará, Bahia e Pernambuco. O RN trava em um grande problema: infraestrutura. “O problema está associado à questão logística, pois os equipamentos são por si só difíceis de transportar”, diz Elbia, explicando que a estrutura portuária e de estradas do estado não é atrativa. Desde que os investimentos em eólica começaram a acontecer, apenas uma indústria aportou no estado. A fábrica de torres da Wobben, instalada de forma itinerante em Parazinho para dar apoio à construção do parque de Santa Clara.
De acordo com a presidente da Abeeólica, pesaram nos casos do Ceará e Pernambuco a infraestrutura portuária dos portos de Pecém e Suape, respectivamente. Na Bahia o transporte marítimo também atraiu indústrias. Apesar de já ter contratado mais de dois mil megawatts nos leilões de energia entre 2009 e 2011, quase 49% do resultado nacional, o estado não tem conseguido a mesma atratividade que os vizinhos de região.
Processo polêmico terminou na justiça
O projeto Rei dos Ventos I foi aprovado em 2009, quando o consórcio Brasventos venceu o leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Antes de concorrer, o grupo já tinha uma licença prévia da área, concedida pelo Idema e que é requisito para participação nos leilões de energia. Em novembro de 2011, quando requeria a licença de instalação, o consórcio enfrentou a resistência da comunidade de Galinhos, que àquela altura tomou conhecimento da localização do projeto na área das Dunas do Capim.
Presidente da Associação dos Bugueiros, “Ecinho”, conta que chegou a ser contratado pelo consórcio para levar os técnicos da empresa até as Dunas do Capim. “Me contrataram para marcar os pontos e foi aí que descobri onde seriam colocados os aerogeradores” recorda. Já a secretária de Turismo também fez a descoberta por acaso, segundo ela, quando o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) foram entregues já para serem assinados na prefeitura. Com a posição contrária da comunidade em relação foram iniciadas negociações intermediadas pelo Idema.
Duas audiências públicas e reuniões técnicas foram promovidas desde então, no entanto não se chegou a um consenso. Enquanto a população queria o reposicionamento de mais de 23 dos 35 aerogeradores previstos, a empresa só se dispôs a realocar cinco equipamentos. James Clark, diretor do consórcio, lembra que a realocação de cinco aerogeradores procurou preservar uma distância maior da comunidade de Galos, onde mora parte da população do município, que ainda compreende o centro de Galinhos e o assentamento rural de Pirangi. A comunidade não aceita o argumento, pois os equipamentos permanecem nas Dunas do Capim.
Em janeiro de 2012 um abaixo assinado com 577 assinaturas de pessoas que trabalham com turismo no município foi entregue à governadora Rosalba Ciarlini, pedindo a realocação do parque eólico. No mês seguinte o Conselho Estadual de Turismo do RN (Conetur/RN) se posicionou contrário a instalação do Parque Rei dos Ventos I. Em ofício assinado peloentão presidente do conselho e ex-secretário estadual de Turismo, Ramzi Elali, é solicitada a realocação do empreendimento para uma área que não atinja as Dunas do Capim.
Atualmente o posicionamento da Secretaria Estadual de Turismo é outro. Para o secretário Renato Fernandes “há condições de convivência harmônica entre o parque eólico e o turismo”. Assim como o representante do consórcio Brasventos, Fernandes vê a presença do empreendimento como mais um plus para o turismo do município. “O parque eólico passa a ser não um equipamento turístico, mas um atrativo. Não vejo problemas se forem respeitados o patrimônio e as questões ambientais”, opina.
No mês de março o Ministério Publico emitiu uma recomendação conjunta para que o Idema não concedesse a licença de instalação do parque eólico, porém o órgão liberou a construção do empreendimento. Ainda em abril o MPE ajuizou uma ação civil pública com pedido de liminar contra o Idema e o Brasventos, entendendo que o órgão ambiental concedeu uma licença irregular Aliminar é acatada pela juíza Maria Nivalda Torquato, da comarca de São Bento do Norte, suspendendo a licença até o julgamento da ação civil. No dia 15 de junho a liminar do MP e da Comarca de São Bento do Norte foi suspensa através de um agravo impetrado pela PGE e acatada pelo TJ-RN. O MP pediu reconsideração.
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