Notícia publicada no caderno Natal da Tribuna do Norte:
O calçadão de Ponta Negra começou a ruir em fevereiro deste ano. A situação se agravou em julho e de lá para cá só piorou. Em meio à força das marés, ordens judiciais, e inércia do poder público, a praia de Ponta Negra, principal cartão postal de Natal, ficou abandonada, esquecida. Os trechos que caíram do calçadão não estão mais isolados, a iluminação da orla nos trechos atingidos não foi recuperada, a limpeza pública está prejudicada desde agosto, o poder público sumiu. As discussões continuam no âmbito burocrático. Na prática, comerciantes reclamam da queda nas vendas, turistas reclamam do calçadão destruído, natalenses reclamam da escuridão, e todo mundo reclama da sujeira que toma conta da praia. “Abandonaram a nossa praia. É uma sensação de impotência, de frustração, ver o lugar que a gente nasceu, o lugar que a gente vive e ama, se acabando, abandonado, destruído. O pior é ver que quem poderia fazer alguma coisa não faz”, desabafa o comerciante André Henrique da Silva, que mora em Ponta Negra desde que nasceu e trabalha no quiosque que herdou do pai.
Mas, se o poder público não comparece, quem vive da praia vai tentando fazer a sua parte. O comerciante Reginaldo Silva, de 41 anos, improvisou uma escada com sacos de areia para que os frequentadores da praia possam ter acesso à faixa de areia. “É uma alternativa para o povo descer aqui porque não tem escada. O poder público não faz nada então a gente tem que fazer alguma coisa”, disse. A cena é mais comum do que se imagina. Em vários trechos do calçadão é possível encontrar escadas improvisadas pelos comerciantes já que com a destruição do calçadão várias escadas e rampas de acesso cederam e não foram recuperadas. “A falta de acesso à praia estava prejudicando o comércio aqui”, disse Reginaldo.
André Henrique, dono de um quiosque, disse que há tempos a limpeza da praia está por conta dos ‘quiosqueiros’. Segundo ele, desde agosto a limpeza da praia não é feita regularmente pelos garis. “São três garis para limpar a praia toda e um dia eles limpam a praia, no outro eles varrem a rua. O jeito é a gente mesmo cuidar da limpeza da praia. Aqui na área do quiosque a gente limpa todos os dias, passamos o ciscador, recolhemos o lixo. Ultimamente nem buscar o lixo eles vem, então nós pagamos um carroceiro para levar o lixo para um desses Papa Lixos”, diz André.
Um gari da Urbana que pediu para não ser identificado disse que a limpeza da praia era feita por funcionários da Marquise, mas que desde agosto, por falta de pagamento, a empresa não atua no local e o serviço foi repassado aos garis da Urbana. “Mas o nosso efetivo é bem menor que o que a Marquise disponibilizava. Eles trabalhavam em três turnos, nós só trabalhamos de manhã. Eles trabalhavam de domingo a domingo, nós não trabalhamos domingos e feriados. Tudo isso faz com que a limpeza da praia não seja mais a mesma”, disse. “A praia está abandonada e só não está mais abandonada por causa dos quiosqueiros que cuidam das suas áreas”, completou André Henrique.
Para quem caminha pelo calçadão o cenário é o mesmo de meses atrás: entulhos, tubulações expostas, postes derrubados e muito perigo. Muitas das áreas que desabaram não têm nenhum tipo de isolamento e oferecem risco a quem transita pelo local. “Nem isolamento tem mais nas áreas que foram derrubadas. A gente não vê a guarda municipal, a defesa civil, polícia militar, não tem ninguém por aqui. Já aconteceu muitas vezes de um idoso tropeçar e cair aqui na frente por causa das condições do calçadão. É um descaso muito grande que atinge não só o turismo, mas a todos nós que trabalhamos aqui, que moramos aqui, que frequentamos a praia”, disse a gerente de uma loja de artesanato, Jonsineira Araújo Fernandes, 41.
O titular da Defesa Civil, Carlos Paiva, alega que o isolamento foi feito, mas que a própria população retira o material do isolamento. “Nós usamos primeiro a proteção padrão: proteção de tela laranja que o transeunte visualiza o perigo de longe, mas as telas foram retiradas. Então nós colocamos o nosso pessoal da guarda municipal para orientar os pedestres, mas, para isso, tivemos que descobrir outras áreas, como postos de saúde, escolas, e não tivemos como manter isso por muito tempo. Partimos então para o tapume de madeirite e pouco tempo depois todo o material foi retirado. Não há da população uma preocupação em manter o isolamento. Todos têm que estar vigilantes não apenas o poder público”, disse o secretário. Ele afirmou ainda que diante da situação financeira do município, “que é do conhecimento de todos”, não existem condições de ficar repondo o material que é retirado das áreas isoladas.
02/12: estava ruim e…
Em fevereiro deste ano, a força das marés atingiu o Calçadão da praia de Ponta Negra e causou os primeiros prejuízos físicos na estrutura. Cinco meses depois (julho), o calçadão foi interditado pela Justiça…
A escuridão
O trecho mais atingido pelas forças das marés foi entre o quiosque 10 e o 17. Nessa área alguns postes caíram e não foram substituídos. O resultado é um grande trecho às escuras. “Antigamente eu fazia minhas caminhadas durante a noite, mas agora não dá mais. Dá até medo caminhar por aqui durante a noite. É uma escuridão enorme e o risco de assalto é grande”, disse o empresário Marcio Oliveira Neves, 38, que caminhava pelo local durante a manhã.
Procurada pela reportagem a Coser informou que “a responsabilidade pelas instalações de iluminação pública em todos os municípios do Estado do Rio Grande do Norte, inclusive pelos circuitos elétricos que alimentam os postes de iluminação instalados no calçadão de Ponta Negra, é do Poder Público Municipal, a quem compete a sua manutenção”. A reportagem tentou falar com o secretário de Serviços Urbanos, Luiz Antônio, mas ele não atendeu às nossas ligações.
O abandono
Os turistas que visitam a praia de Ponta Negra não medem as palavras para reclamar do caos em que se encontra a praia. A paulista Ana Maria Moreira, 45 anos, já conhecia Natal e ficou impressionada com as condições da praia. “Eu já conhecia Natal, sempre achei a cidade muito linda, e quando vim da última vez, há 7 anos, amei a praia de Ponta Negra. Mas dessa vez, sinceramente, fiquei decepcionada. A praia está suja, o calçadão destruído, está horrível. É um absurdo que deixem a principal praia da cidade ficar assim”, disse. O taxista José Ilzo, 38, que trabalha na região de Ponta Negra, diz que não tem mais desculpas para dar aos turistas. “Não é brincadeira o que os turistas reclamam da situação de Ponta Negra. Tem gente que fica horrorizada. Muitos vão para outras praias, não querem ficar aqui. Também aqui não dá nem para dar uma caminhada no calçadão. Na verdade a gente fica com vergonha e sem ter como explicar para o turista porque ninguém tá fazendo nada aqui. Se pelo menos a gente pudesse dizer que a Prefeitura já começou a consertar, que está cuidando, mas não está”, disse.
O casal Reinaldo Feitosa Macedo, 49, e Angélica Moraes, 26, moram em Anápolis e estão em Natal pela segunda vez. Eles lamentaram a situação em que se encontra a praia de Ponta Negra, mas disseram que, mesmo assim, ainda vale a pena visitar a cidade. “É muito triste encontrar Ponta Negra nessa situação, mas mesmo assim eu ainda recomendo aos amigos. Natal é muito mais que isso, é uma cidade linda, eu amo Natal”, disse Reinaldo.
11/12: …ficou pior!
…hoje, situação da praia é ainda mais complicada. Nos últimos quatro meses muitas reuniões ocorreram, recursos foram anunciados, mas o poder público pouco agiu para amenizar os problemas da área. A obra de restauração não tem data para ser iniciada.
O prejudicado
Quatro meses depois da interdição do calçadão os comerciantes da área se dizem os mais prejudicados pela falta de ação do poder público. Proprietário de um quiosque há 35 anos, Antônio Francisco da Silva, de 66 anos, disse que as vendas tiveram uma queda de cerca de 40% nos últimos meses. O quiosque dele fica em uma das áreas mais destruídas do calçadão. “O povo quer descer e não tem escada. A gente tá no meio de escombros, ninguém quer ficar aqui. O movimento caiu muito, a gente espera que na alta estação melhore um pouco, mas a gente sabe que melhorar de verdade só vai quando consertarem o calçadão”, disse.
Vários quiosques tiveram que ser relocados para outras áreas ou para perto dos muros das casas porque corriam o risco de desabar. O quiosque 14 foi relocado e agora fica praticamente encostado no muro de um hotel. O garçom do quiosque, José Henrique Rodrigues, 45, diz que o movimento no quiosque caiu muito. “Ninguém quer ficar desse lado da praia. O movimento piorou bastante. A expectativa é que na alta temporada melhore, mas se ninguém fizer nada não vai melhorar. Faz tempo que a gente não vê mais ninguém da prefeitura por aqui”.
A recuperação
A Prefeitura do Natal decretou estado de calamidade pública na orla de Ponta Negra no dia 13 de julho. A própria prefeitura elaborou um projeto para a reconstrução do calçadão. A partir daí começou a busca por recursos federais para a recuperação do calçadão. A prefeitura assegurou R$ 4 milhões junto ao Ministério da Integração e prometeu começar a obra ainda em setembro deste ano. No entanto, no dia 27 de setembro a Justiça Federal proibiu a Prefeitura de Natal de iniciar as obras de recuperação do calçadão da praia de Ponta Negra sem que antes houvesse um estudo técnico apontando os fatores que contribuíram para os estragos na estrutura. A prefeitura então pagou uma equipe de técnicos para realizar uma perícia no calçadão. Na última segunda-feira, os técnicos coordenados pelo professor Venerando Amaro, apresentaram o laudo sobre o calçadão de Ponta Negra. O estudo aponta sugestões para adoção de medidas de segurança e de reuso do calçadão, e enfatiza a necessidade de três providências básicas: ampliação emergencial da faixa de areia; instalação de dissipadores na tubulação de drenagem de águas pluviais afim de evitar a formação de valas (maceiós) à beira-mar; e construção de passarelas e escadas provisórias durante as obras de recomposição do equipamento.
De acordo com o titular da Defesa Civil, Carlos Paiva, a prefeitura assegurou R$ 4 milhões para a reconstrução do calçadão e qualquer modificação no plano de trabalho tem que ser comunicada ao Ministério. “Mas as obras não devem começar esse ano”, afirmou. A reunião que irá definir o projeto a ser adotado para a reconstrução do calçadão de Ponat Negra será no próximo dia 23.
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