Daniel Turíbio

Daniel Turíbio é jornalista da agência Smartpublishing Mídias em Rede. Já trabalhou com mídia impressa, rádio e assessoria de comunicação. Reside em Natal/RN.

Natal – Pontos históricos são excluídos em roteiros de visitação

22 de junho de 2012

“Sou um homem que não desanimou de viver e acho a vida cheia de encantos”.  A frase traduz o bom humor, o otimismo, inteligência e a intensa devoção à cultura brasileira do multifacetado jornalista, historiador, antropólogo, advogado e acima de tudo, folclorista Luís da Câmara Cascudo são uma herança inestimável não apenas para todos os norte-rio-grandenses, mas para os brasileiros.

Preservar o seu legado – cuja bibliografia abarca mais de 230 livros, opúsculos e ensaios – nada mais é do que uma obrigação para a cultura potiguar. Entretanto, se vivo estivesse, Cascudo lamentaria ao ver que a riqueza cultural do Estado não tem recebido o seu devido valor. O fato é que os prédios e patrimônios históricos de Natal, como o Forte dos Reis Magos, as igrejas, as museus, são sinônimos de esquecimento, e ficaram literalmente relegados ao passado – com raras exceções.

A neta de Câmara Cascudo e diretora do Memorial Luís da Câmara Cascudo e Instituto que leva o nome do folclorista, Daliana Cascudo vivencia no seu cotidiano as dificuldades e desafios impostos a quem lida com cultura no Rio Grande do Norte.

Daliana Cascudo ressalta que “a cidade nasceu aqui, no centro histórico” (Foto: José Aldenir)

Ela conhece de perto duas realidades distintas: de uma instituição sustentada por recursos próprios – como é o caso do Instituto – e da que recebe recursos públicos.

As diferenças são gritantes entre os dois ambientes, mesmo que ambos tenham o mesmo escopo: preservar a memória e o patrimônio cultural do maior nome intelectual potiguar.

Adentrar ao Instituto, instalado na mesma casa onde Cascudo viveu por mais de 40 anos, é uma verdadeira viagem no tempo. Os móveis, objetos, fotografias, ambientes como salas de estar e banheiros permanecem intactos, como se o intelectual ainda estivesse lá, onipresente, em cada recanto daquele que ainda é seu lar.

Restaurada pelos familiares do folclorista em dezembro de 2005, a casa só foi aberta oficialmente para visitação pública quatro anos depois, em dezembro de 2009. Desde então, é mantida de forma exclusivamente autônoma, com parcos recursos próprios.

Um tripé compõe a base financeira do Instituto. São três fontes de renda: a cobrança de uma entrada simbólica, de R$ 3 reais para adultos e R$ 1,50 para estudantes – sendo gratuita para escolas públicas; uma lojinha no local que vende livros de Cascudo para os visitantes e a principal, os direitos autorais cobrados em cima das suas obras. Um percentual de 10% é totalmente revertido para a preservação da casa.

Isso para manter um amplo espaço com funcionários, segurança particular, estacionamento e vários ambientes cuidadosamente preservados. “É uma disparidade. No privado, temos mais autonomia de ação. O público está atrelado a uma burocracia muito grande”, critica.

O grande lamento – e até mesmo mágoa – de Daliana Cascudo é a cultura nunca ter sido priorizada no Estado. “O setor turístico precisa entender que a cultura é rentável”, reitera ela, dando ênfase a potenciais ainda inexplorados, como um roteiro feito por Câmara Cascudo com o seu amigo, o autor Mário de Andrade, pelo interior do Estado.

“O roteiro está pronto. A cidade nasceu aqui, no centro histórico. E os turistas não vêm a Natal só para ver praia: eles querem conhecer a história e a cultura da cidade. Toda cidade tem visitação turística no seu centro histórico. Por que a nossa não? Temos muito a mostrar nos nossos roteiros culturais”, enfatiza Daliana.

A revolta de Daliana tem motivo. Em outras cidades históricas, no estado de Minas Gerais, por exemplo, a exploração turística se baseia basicamente em visitações a locais históricos.  Na capital pernambucana, assim como na Bahia, não é diferente. Os turistas vão às praias e aos centros culturais e históricos. Contudo, a esperança da diretora reside na remodelação que todos os espaços voltados para turismo histórico em Natal irão passar para visitação turística durante a Copa de 2014.

Como forma de movimentar e trazer ‘vida’ para os espaços, assim como atrair novos públicos, tanto o Instituto quanto o Memorial sediam eventos, como lançamentos de livros e cursos de artes plásticas. Mas ainda não é o suficiente. “Tentamos encontrar formas de tornar os ambientes atrativos e interessantes para os visitantes, mas é essencial a inclusão de roteiros turísticos históricos na cidade”, diagnostica Daliana Cascudo.

Turistas reclamam pelo city tour não incluir espaços históricos

Em lua de mel, o casal carioca Andressa Sattler e Idenir Júnior passou uma semana em Natal. Apesar de terem percorrido e se encantado com todo o famoso circuito turístico potiguar (incluindo passeios de bugre pelas praias paradisíacas, ida aos centros de artesanato, passeios e experimentação da culinária local), eles deixaram a cidade insatisfeitos: ficou faltando conhecer a história e a cultura da cidade.

“Ficou faltando ver muita coisa que a cidade tem e que não é mostrado pelos profissionais de receptivos daqui. No city tour, nós apenas passamos pela frente dos lugares, e nos dizem que ali é a casa de Câmara Cascudo, ali é a igreja, de forma muito superficial. Não explica quem foi nem o que fez. Eu gostaria de descer no local, conhecer a cultura da cidade. Até pedimos para parar, mas nos disseram que não podiam, que não havia estacionamento”, critica Andressa, que é formada em Turismo e atua na área no Rio de Janeiro.

“Eu adoro conhecer a cultura das cidades que visito. Vou a museus, fortes. Nós sabemos que a cidade não vive só de praia. A cidade tem um passado, tem uma cultura, que queremos conhecer”, relata.

Outra surpresa desagradável foi a visita ao Forte dos Reis Magos. O lugar estava tão mal cuidado e deteriorado que parecia abandonado. Lá, os turistas se deparam com mato crescendo, as armações de madeiras caindo, as estruturas de metal enferrujadas e as paredes descascadas, e os guias turísticos são mal preparados – e até mesmo desinteressados, confidencia ela.

“O guia apenas diz onde fica cada coisa, sem explicar o que é, significado na história. O antigo poço do Forte virou um depósito de lixo. Mas mesmo assim, o lugar estava cheio de gente, o que mostra que as pessoas querem conhecer, têm vontade e interesse”, opina.

Assim, voltamos ao mesmo questionamento lançado por Daliana Cascudo: turistas têm locais para visitar também. Falta apenas interesse e iniciativa para promover o circuito histórico potiguar.

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