Notícia publicada no caderno Economia do Novo Jornal:

Faz tempo que fazer arte virou negócio. Hoje, usar a cultura, o intelecto e a criatividade para criar um novo produto é fazer o que os especialistas chamam de “economia criativa”. O termo surgiu no Reino Unido, no início dos anos 2000, e vem se popularizando no Brasil nos últimos anos. No Rio Grande do Norte ainda não se sabe quantas empresas compõem o cenário nem quanto faturam anualmente, mas uma coisa é certa: a economia criativa potiguar está em franca expansão.

Marcelo Tinôco: profissionalização transformou espaço cultural em empreendimento bem-sucedido. (Foto: Fábio Cortez)

Quando o empresário Marcelo Tinôco criou em 2008 a Associação Espaço Cultural Buraco da Catita, entidade sem fins lucrativos, não imaginava que o espaço na Ribeira iria virar um negócio. A casa nasceu, como ele mesmo diz, como um espaço para manifestações artísticas, sem pretensões financeiras. Mas a economia criativa é exatamente isso. Segundo o criador do termo, o autor inglês John Howkins, a atividade pode ser definida como “processos que envolvam criação, produção e distribuição de produtos e serviços, usando o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais recursos produtivos”.

PROFISSIONALIZAÇÃO

O que era apenas um espaço para manifestações artísticas foi ficando grande demais. Começou a juntar muita gente, principalmente às sextas-feiras, e quando Tinôco viu, já era hora de profissionalizar a ideia. “Começou a juntar muita gente e tinha que ter um espaço com instalações adequadas, serviço de apoio de bar, então foi necessário agregar uma estrutura comercial ao local”, conta.

Foi quando surgiu a parceria com o empresário Marcelo Lima, que hoje cuida dos serviços de bar e toda parte comercial do Buraco da Catita. Um dos princípios da economia criativa é exatamente esse: unir atividades distintas para, por meio da cultura, criar um novo produto ou serviço para o mercado. A associação hoje é responsável pela agenda cultural e por chamar os músicos para tocar no espaço. “No contrato de promoção de eventos, a associação entra com o espaço cultural e o bar com o serviço”, emenda.

A parceria gerou outros frutos. A associação Buraco da Catita criou uma marca própria, que passou a imprimir em camisetas, canecas e nos CDs das bandas que tocam no local. Esses produtos, porém, ainda não estão disponíveis para comercialização, mas a ideia é também colocá-los à venda no site da associação, que está em construção.

Tornar o Buraco da Catita um negócio foi algo que aconteceu naturalmente, por força da demanda do público. Mas a entrada na rede de economia criativa aconteceu mesmo no final do ano passado, quando o Sebrae procurou os sócios do empreendimento. Segundo Tinôco, o processo é todo muito recente, e por isso mesmo ainda não sentiu uma repercussão da entrada no pool de empresas.

“Eles nos procuraram e perguntaram se gostaríamos de nos cadastrar no pool de empresas que fazem parte da rede. Expliquei que éramos uma associação sem fins lucrativos, mas me cadastrei porque acredito que, juntas, podemos fazer crescer a economia criativa no nosso Estado”, diz Marcelo. Os resultados da profissionalização do negócio já começam a aparecer. O Buraco da Catita já está entre os negócios bem sucedidos da Ribeira e os empresários chegaram a dar palestra na Associação Comercial do RN para contar um pouco dessa história. “Mas ainda tem muita coisa para acontecer. Estamos na construção do nosso negócio”, define.

Formação de redes abre caminho para o sucesso

Apesar de recente, o termo vem se popularizando aos poucos no Rio Grande do Norte. O Sebrae, que toca um projeto com vistas à Copa do Mundo de 2014, ainda não sabe quantas empresas compõem o cenário da economia criativa no Estado. Mas para poder trabalhar na orientação desses negócios, fez um recorte e escolheu 30 empresas que estão inseridas no processo. As áreas de música, design, audiovisual, manifestações artísticas e gastronomia são as mais fortes.

Até o final de março o Sebrae quer ter uma fotografia do segmento no Rio Grande do Norte. É o que diz a gestora do projeto Sebrae na Copa 2014 – Economia Criativa, Cátia Lopes. A entidade adquiriu um banco de dados dos últimos quatro anos e deve concluir o levantamento até o final do próximo mês. “Vamos ver quais foram as atividades culturais que se repetiram, com que frequência, quem permaneceu atuando. É uma forma de darmos uma olhada geral de como isso se desenvolveu em vários segmentos”, conta.

Enquanto o levantamento não termina, o Sebrae segue acompanhando os 30 negócios que já se cadastraram. Segundo Cátia Lopes, a ideia é saber em que grau de gestão administrativa as empresas estão e como estão posicionadas no mercado. “Sabemos que os artistas têm uma produção intelectual muito forte, mas muitas vezes não dominam a gestão. Queremos ajudar nisso”, acrescenta.

O Sebrae escolheu formar redes para atuar de uma maneira mais homogênea junto às empresas. Criou a rede do audiovisual e da música, de onde surgiu uma cooperativa – a Compor. Essas duas áreas são as que possuem um maior potencial de crescimento segundo a gestora. A entidade também dividiu o trabalho territorialmente para descobrir os locais de maior potencial. De acordo com Cátia, as Rocas e Ponta Negra são dois polos de destaque.

A primeira por ser o reduto das escolas de samba, onde centenas de pessoas todos os anos criam produtos para desfilar no Carnaval; a segunda por abrigar o coco de roda e muitas formas de artesanato. “Podemos atuar no design, moda, expressões culturais, televisão, rádio, audiovisual, publicidade, de maneira transversal, unindo esses setores às atividades que já existem nesses locais”, relata.

Um dos exemplos de economia criativa é bem simples. Conforme explica Cátia Lopes, quando a música produz não só o CD físico, mas encontra outros meios de ser distribuída, como nas redes sociais ou sendo baixada nos celulares, torna-se um produto da economia criativa. A ideia é unir uma criação à outra para fazer surgir um novo produto, de preferência comercializável.

A gestora reconhece que a economia criativa potiguar está em expansão e que, dentro das empresas que já existem no Estado, muitas estão começando a enxergar a conectividade que precisa existir entre as atividades para gerar produtos. A criação das redes é um forte indicativo dessa tendência. “A rede da música é um exemplo. Eles começaram a pensar coletivamente o que poderiam fazer para promover a música no RN e tem dado muito certo”, conta.

Produtor aposta no turismo para acelerar o crescimento

O trabalho do produtor cultural e consultor em Cultura Josenilton Tavares é o de identificar
todos os produtos criativos existentes nas áreas artísticas com potencial empreendedor e orientar, preparar e potencializar os negócios. A ideia é que essas empresas ganhem visibilidade e possam tomar decisões sustentáveis de autogestão, para se planejar dentro do contexto da economia criativa.

“Queremos que esses negócios sejam referência de identidade criativa nos seus territórios e possam ganhar visibilidade no Brasil e no mundo”, diz o consultor, que é contratado pelo Sebrae para orientar as empresas dentro deste segmento. O cenário é crescente, diz ele. E com foco no turista, já que o intuito é preparar os negócios para a Copa do Mundo de 2014, da qual Natal é cidade-sede.

“O Sebrae agora capacita os setores artísticos que tenham essa natureza de produção criativa. Estamos unindo o turismo com a arte, com a música, a dança, o audiovisual e a gastronomia. Essas relações todas geram produtos”, define. O trabalho está na etapa de concluir uma agenda criativa, ampliando o recorte de 30 empresas já feito pelo Sebrae. A ideia é ir mapeando os produtos que são potenciais criativos dentro das áreas artísticas e culturais, para que sejam convidados a serem capacitados para planejar suas trajetórias enquanto produtos.

TURISMO

De olho nesse mercado efervescente, o Ministério da Cultura criou a Secretaria de Economia Criativa, na qual existe um programa que pretende levar para todos os estados brasileiros o que eles chamam de “birôs criativos”, uma espécie de agência que vai fomentar esses negócios de maneira local. “Estamos muito focados no turista, porque a relação da cultura com o turismo é direta. Os fazeres e os saberes de um povo podem se transformar em potenciais maravilhosos, com as tradições, as festas, os costumes”, enumera.

No Rio Grande do Norte, a economia criativa ainda pode se desenvolver muito por outras áreas, aproveitando principalmente o patrimônio imaterial do estado como as belezas naturais, a própria gastronomia e as áreas artísticas como música, audiovisual, teatro e cultura popular.
Tavares diz que ainda não se sabe quantas empresas estão vivendo a economia criativa no Rio Grande do Norte. “Nem o Brasil conhece o tamanho da sua riqueza nesse aspecto. Isso é muito recente, estamos absorvendo os conceitos na prática do dia-a-dia”, justifica. O consultor diz, porém, que a cadeia criativa potiguar pode ser considerada média e acompanha o desenvolvimento do Estado; cresce, principalmente, nas áreas de eventos e entretenimento cultural.

Saiba mais

O termo economia criativa surgiu no Reino Unido e ganhou o mundo depois da publicação do livro “The Creative Economy” (2001), de John Howkins. Segundo o autor, são atividades nas quais as pessoas usam sua imaginação para ganhar dinheiro.  Em uma definição mais técnica, são processos que envolvam criação, produção e distribuição de produtos e serviços, usando o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais recursos produtivos. Está subdividida em 13 setores: arquitetura, publicidade, design, artes e antiguidades, artesanato, moda, cinema e vídeo, televisão, editoração e publicações, artes cênicas, rádio, softwares de lazer e música.

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