Artigo escrito por Jean-Paul Prates em seu blog Além do Petróleo:
O anúncio do prejuízo da Petrobras neste segundo trimestre de 2012 provocou o recrudescimento de uma série de argumentos e preocupações acerca da gestão e do alegado uso político da empresa.
Em primeiro lugar, há que se lembrar que tais alegações, se deveras significativas especificamente para este resultado, deveriam ter influenciado também o primeiro trimestre, quando a Petrobras teve um superavit de mais de 9 bilhões de reais. Seria mais justo e correto buscar as razões deste “dente” na curva de lucros sucessivos da empresa na imensa oscilação do dólar ocorrida no período e na conhecida defasagem de preços do combustível (explicada adiante aqui) potencializada pela explosão automotiva nacional. Até mesmo um certo “choque de ordem” na gestão e nos números da empresa, por parte da nova Diretoria Executiva, poderia explicar este episódio.
Mas, não há que se negar que há uso político da Petrobras em prol de diretrizes nacionais. O que se tem que fazer, no entanto, é analisar os dois tipos de uso político, quando se trata de uma empresa como a Petrobras: estatal mista sujeita ao escrutínio igualmente misto (politico e mercadológico), hegemônica no seu mercado e pilar da economia de um país ou região. Como se verá, nem todo “uso político” é nocivo ou maligno. Ou, pelo menos, todo uso justificável é certamente compensado pelos bônus de ser Petrobras.
Por exemplo, para quem quer especular com a principal ação do mercado brasileiro, nada melhor do que um anúncio de prejuízo trimestral seguido de declarações ministeriais considerando a possibilidade de reajuste nos preços dos combustíveis. Estas movimentações de curto prazo é que fazem o jogo de muita gente no mercado de ações, e, se comprovado serem fruto de manipulação ou mesmo negligência politica, podem caracterizar um uso político nocivo e maligno – seja por ação, seja por omissão. Afinal, se a diretoria da empresa há tempos berra aos quatro ventos que a defasagem já vai alta a ponto de prejudicar a empresa, porque então aguardar a oficialização de um prejuízo em balanço para só então falar-se na possibilidade de reajuste?
Empregar apaniguados, superfaturar obras ou compras, decidir por projetos ruins ou dissonantes do plano estratégico da empresa, atuar politicamente em favor de partidos ou facções, e outras ações de mesmo gênero, também constituem uso político de empresas controladas por governos nacionais. Se, e somente se, comprovadas tais ações dentro da Petrobras, então se estará falando de uso político nocivo ou maligno da empresa. Ninguém aqui é Poliana, mas vê-se que a Petrobras é, hoje, majoritariamente, uma meritocracia bastante bem consolidada: a começar pela própria presidente e sua diretoria, todos egressos dos quadros técnicos da companhia e merecedores, por carreira e por competência, dos cargos que ocupam. Houve, há e sempre haverá casos de indicação política, mesmo de técnicos (e isso vem ocorrendo, hoje em dia, até em empresas privadas – familiares ou não). O mercado e os acionistas também não são Polianas. Sabem disso, convivem com isso desde que estas indicações não sejam de tal sorte significativas a ponto de sombrear ou prejudicar a competência técnica e a eficiência operacional e comercial do todo.
O outro tipo de “uso político”, alegado por alguns observadores da cena, apesar de soar dirigista ou anti-mercado, corresponde ao que eu chamara de “ônus do bônus de ser Petrobras”: (i) estatal mista e (ii) hegemônica no seu mercado.
Por exemplo: apesar de exaustivas explicações da diretoria quanto a atrasos e preços tão ou mais significativos para embarcações e plataformas construídas em estaleiros estrangeiros quanto para as encomendadas no Brasil, continua-se apontando, vez por outra, a política de conteúdo nacional como uma das alegadas “ingerências políticas” na Petrobras. É, de fato. Mas neste caso, trata-se justamente de um dos ônus do bônus dela ser hoje a maior potencial compradora de bens e serviços da indústria de petróleo mundial. O Brasil poderia se dar ao luxo de abrir mão de uma oportunidade destas para gerar emprego e renda internos? Se não estivesse sendo implementada alguma política de estímulo à indústria nacional, será que o mero comportamento de mercado se disporia a enfrentar o árduo período de recuperação e aprimoramento dos estaleiros nacionais? Pode-se perguntar então: e o acionista? como fica? Ora, permanece acionista da maior potencial compradora de bens e serviços da indústria de petróleo mundial! É ruim isso?
Outro exemplo: alega-se que, também por alegada ingerência política, a Petrobras terá o ônus da operação exclusiva do Pré-Sal. Ora, pergunte-se, investidor: que empresa de petróleo no mundo não gostaria de estar nesta mesma posição hegemônica em relação a um volume de reservas extremamente significativo, de baixo risco e próximos de um dos maiores mercados mundiais para combustíveis e gás natural? Mais uma vez, é o ônus do bônus. Esta posição privilegiada da estatal brasileira, compensa ou não o fardo de carregar, vez por outra, a defasagem de preços internos dos combustíveis em relação aos preços internacionais? Cabe ao investidor julgar. E, pelo visto, ele vem julgando que compensa sim. Finalmente, o alegado uso político dos preços dos combustíveis. Este é um assunto que, em todos os países do mundo, é político. Mesmo nos EUA, na Europa ou na Ásia, preço de combustíveis é um assunto 80% político. E referido à política energética mas também e principalmente à política econômica e fiscal! A diferença é que nos EUA isso se dá numa esfera tão substancialmente superior e dramática que, em nome do “livre mercado” interno, a intervenção deixa de se dar diretamente nos preços da bomba para se dar na esfera internacional diplomática ou, pior, bélica.
Intervencionismo por intervencionismo, a invasão do Iraque por cima da ONU também pode ser caracterizada como tal. Na Europa, nem se pode ter dúvidas: o grau de ingerência nos preços de combustíveis se dá através de pesadíssima carga tributária (acima de 70%), fazendo com que os governos europeus sejam sócios majoritários de qualquer alta do barril de petróleo. Para cada dólar de aumento atribuído à especulação pan-árabe ou à ingerência da OPEP (ambas decadentes), os governos europeus ganham dois dólares em imposto. Isso é pior do que intervencionismo direto: beira a cumplicidade e transborda hipocrisia.
O Brasil, por historicamente desconhecer o hábito de ter preços de combustível oscilando diariamente na bomba, e por medida estritamente vinculada ao trauma inflacionário – parte da nossa cultura econômica – opta por um modelo de reajustes em “patamares”, substancialmente baseado na existência de uma empresa hegemônica que se submete “por livre e espontânea pressão” a controles quanto aos seus preços internos em porta de refinaria. Mais um, e talvez o principal, ônus do grande bônus de ser Petrobras.
O mercado de ações vive, por natureza, dos altos e baixos provocados pelos incidentes e atitudes de curto prazo. Mas qualquer analista precisando ou querendo valer-se de uma visão estratégica de investimento de longo prazo, sabe que a Petrobras nunca deixa de ser uma aposta conservadora, de baixo risco e alta segurança. Afinal, qual empresa brasileira (e mesmo estrangeira, no setor) possui um corpo técnico e um histórico de desenvolvimento tecnológico do quilate da Petrobras? Qual empresa no mundo possui um portfolio de projetos de E&P tão próximo, geograficamente, e tão fidelizado, comercialmente, a um mercado tão punjante e crescente quanto o brasileiro de hoje? Qual empresa de petróleo mundial possui hoje um horizonte de reservas a desenvolver tão promissor, ao mesmo tempo que desafiador, como a Petrobras? Enfim, quantas empresas gostariam de estar no seu lugar: competência reconhecida pelos acionistas e investidores, congeminada com um viés de proteção nacional/governamental que, em vários aspectos mais facilita do que dificulta sua vida empresarial?
Com a palavra, através do mercado de ações, os acionistas e investidores.
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