Plano municipal de educação é prioridade para Natal

4 de julho de 2012

Educação: direito de todos. Pelo menos é o que está estabelecido na Constituição Federal. No caso de Natal ainda falta muito para a universalização da educação. O gargalo está exatamente na educação infantil e nas primeiras séries do ensino fundamental. Em 2012, a SME não chegou a ampliar o quadro de vagas. As 1a. e 2a. séries do primeiro ciclo somam juntas um excedente de 2.500 crianças, sendo 1.800 somente na primeira série, segundo dados da SME liberados no início deste ano. No segundo ciclo, o excedente concentra-se na 5ª e 6ª séries.

Esse é o tema da terceira reportagem da série “Os desafios da nova administração municipal”, que se iniciou no último domingo, 01.  Até sexta-feira, outros dois temas serão abordados: Saúde e funcionalismo público. Ao falar de prioridades para a educação especialistas, professores e sindicalistas foram unânimes em dizer que: o maior desafio a elaboração do Plano Municipal de Educação, que deve adequar as metas do Plano nacional à realidade da cidade.

“No caso de Natal, a gente percebe”, afirma a doutora em Educação, Cláudia Santa Rosa, “que há um desafio bastante urgente, que é qualificar o processo de alfabetização das crianças para que ocorra na idade certa”. Essa é uma demanda,s segundo ela, do plano nacional. “Entendemos que para Natal reverter os indicadores tão desfavoráveis, que amarga desde muito tempo, não há outro caminho, que não seja alfabetizar as crianças. Para isso, é preciso universalizar o acesso à educação infantil”, destaca a especialista.

Especialistas, professores e sindicalistas apontam que a Educação precisa de autonomia de gestão, recompor suas finanças e de um planejamento de ações. (Foto: Júnior Santos)

Ela diz que a secretaria tem o papel de definir as metas e planos, e auxiliar as escolas na execução dos projetos pedagógicos. “A secretaria precisa estar junto para assessorar, para acompanhar e saber a que está avançando e para identificar aquela que não está muito bem, e facilitar a troca de experiências”, sugeriu Santa Rosa.  Outras metas colocadas são: a autonomia da gestão dos recursos da educação pelo titular da pasta; a expansão da rede física da rede de ensino fundamental; e a criação de incentivos para o professor querer ingressar, permanecer e assumir essas salas e turmas de alfabetização.

A coordenadora geral do Sindicato dos Trabalhadores da Educação do RN (Sinte), Fátima Cardoso, coloca como maior desafio a desestruturação da rede. “Nós hoje temos um problema que se agrava, que é as condições de funcionamento da rede, em prédios que são inadequados”, criticou. A sindicalista disse que a expansão da educação infantil, não veio acompanha de um controle de qualidade. “Os prédios são casas e com um agravante: a maioria dos proprietários estão entrando com ações de despejo”, disse ela, defendendo a reordenação da rede física.

Já as escolas de ensino fundamental estão sucateadas, segundo Fátima, e precisam ser recuperadas. “Também temos um comprometimento”, afirmou, “na parte didático-pedagógica, em função da retenção dos recursos da educação na secretaria de planejamento”. O Sinte-RN ingressou com solicitação de medidas judiciais para o cumprimento da legislação federal que diz que cabe à pasta da Educação gerir os recursos da educação. “Hoje, a prefeita está inadimplente nesse aspecto. Esperamos que no futuro essa situação mude”, afirmou.

O próximo gestor, defendeu, deve alocar os recursos na pasta da Secretaria de Educação. Segundo ela, a falta de repasse termina comprometendo a escola e a qualidade do ensino. Natal, em avaliação do Ideb, índice apurado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), não chegou a alcançar nota 4 (2009). “A Qualidade de ensino”, asseverou a sindicalista, “depende dos investimentos que o gestor faz. Em natal, houve queda brusca na formação e qualificação”. Ela defendeu a necessidade do reordenamento da rede para qualificar o sistema de ensino.

Fátima disse que a categoria “não quer mais basar nas escolas, festa junina para comprar material. Queremos que o município cumpra com suas obrigações. Para isso a Educação tem que gerir seus recursos”.  O novo gestor, segundo ela, vai se deparar com a falta de pessoal. O Sinte-RN vem defendendo a realização de concurso público ainda este não, para que o próximo governo municipal possa convocar novos professores e educadores infantis.

Secretário justifica dificuldades financeiras

Para o atual secretário municipal de Educação, Walter Fonseca, Fonseca o novo gestor terá que fazer esforço para honrar o repasse de 30% relativos ao decêndios da Educação. “A dificuldade é você executar ações e planejar quando você não sabe quanto conta”, disse Fonseca. Ele reconhece que “se a Educação recebesse os 30%, como determina a lei, não seria uma maravilha, mas não teríamos os problemas que tivemos que vencer”.

Fonseca justifica a irregularidade dos repasses

“O que acontece no presente momento não é por falta de vontade ou má vontade da prefeita. A dificuldade que tem é em função da redução da receita de tributos”, afirmou o titular da Educação. O novo gestor, a seu ver, terá outros três grandes os desafios: criar condições para que, até 2016, seja universalizada a oferta da educação infantil; definir um conjunto de políticas que aproxime o executivo com a representação sindical, e permita que se recupere a autoestima e o nível de compromisso que deve ter o educador; e expandir a rede físicas de unidades escolares.

Ele aponta a necessidade de expansão física da rede para a substituição das escolas que funcionam precariamente em prédios alugados  da periferia. “É interessante que o novo gestor faça um trabalho de garimpagem de terrenos da própria municipalidade ou do governo que possam ser permutados para utilização de novas escolas, tanto da educação infantil, como do ensino fundamental”, sugere.
A ampliação da rede de ensino fundamental é necessária também para absorver os alunos oriundos da educação infantil. Para se ter ideia, na atual gestão enquanto foram construídos 52 novos centos de educação infantil, foram abertos apenas seis novas escolas do ensino fundamental. Segundo Fonseca, o que dificulta é a falta de recursos. “Nos últimos anos, o governo federal reverteu mais recursos para a educação infantil”.

Para MP, desafio é regularizar repasses

Enfrentando uma verdadeira batalha judicial com o município devido ao repasse irregular dos chamados decêndios da Educação, a promotora da Educação, Zenilde Alves, vê como maior desafio do novo gestor é recompor as finanças da Secretaria Municipal de Educação. “Como houve repasse a menor dos decêndios nesses últimos anos”, afirma a promotora, “a Educação do município tem uma despesa muito grande a pagar”.

A promotoria da Educação não chegou a calcular o montante de dívidas da secretaria com fornecedores, mas sabe  que “são débitos de toda ordem, seja com aluguel, terceirizados, fornecedores diversos”. Em vários momentos, os atrasos causaram transtornos na rede, com greve dos terceirizados da limpeza, serviços gerais e merendeiras, que paralisaram por dias a rede de CMEIs e de escolas municipais.

“Eram recursos previstos para cair na conta da secretaria e que não vieram e causaram toda uma situação de dificuldade no dia a dia da rede municipal”, observou a promotora Zenilde Alves. De 2009 a abril de 2012, o Executivo deixou de repassar aos cofres da SME um total de R$ 76,6 milhões. Ele disse que, logo, nos primeiros meses de governo vai buscar um diálogo com o novo gestor, para recompor o que não foi feito.
Na rede municipal de Educação, na opinião da promotora, Zenilde Alves, as unidades mais afetadas são os Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), por várias razões. Ela citou duas: a falta de gestão democrática, o que não acontece nas escolas, e de unidade executora, que não traz a autonomia que as escolas de educação infantil deveriam ter. Hoje, os centros ficam na dependência da administração central para sua manutenção diária.  “Isso traz uma baixa qualidade para as unidades. O que a gente observa”, aponta Zenilde Alves, “é que os CMEIs são unidades que não têm jogos, não têm brinquedos educativos, material pedagógico”. Zenilde afirmou que o gestor precisa olhar com maior sensibilidade para essas unidades, “vez que hoje elas são o ponto mais sensível da rede municipal”.

O novo gestor precisa, segundo ela, dar prioridade à educação infantil. É urgente, segundo a promotora, criar coordenações pedagógicas nos CMEIs, definir o processo de gestão democrática e de escolha dos conselhos escolares.

Sobral melhorou Ideb, sem mexer no orçamento

O que se vê no município de  Sobral (CE) pode muito bem servir de exemplo para gestores de educação de todo o País. A cidade cearense que figura na 114ª posição no ranking do Produto Interno Bruto (PIB) per capita apresentou o maior crescimento no Ideb, segundo os indicadores apurados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). As projeções estabelecidas previam que Sobral obtivesse o índice (nota 6) somente em 2021, mas o índice veio em 2009 (6,6).

O mais impressionante é que a cidade cearense subiu de patamar sem mexer no orçamento: pouco mais de R$ 60 milhões para 35 mil alunos. E o que fez a diferença: fim da indicação política de diretores; autonomia do secretário de Educação para gerir os recursos; formação permanente para os professores; melhoria das escolas; programa municipal focado em alfabetizar todas as crianças até o 2º ano; criação de material de apoio ao docente de acordo com a série para a qual dá aula; e bonificação direta ao professor de acordo com o rendimento da turma.

Em Sobral, no ano de 2001, três a cada cinco alunos estavam em série incompatível com a idade. Já no segundo ano do ensino fundamental, mais da metade das crianças não sabia ler nem escrever. Uma década depois, os indicadores educacionais não lembram em nada os do passado.
A distorção entre idade e série caiu para 7,7% e praticamente todos os alunos (96%) já sabem ler no segundo ano. Em Sobral, das 39 escolas que participaram do último Ideb, apenas uma teve nota abaixo de seis. A meta do Ministério da Educação é de que os municípios atinjam, em  2022, média acima de seis, no Ideb.
Alfabetização para todos até 2016

Com o programa do Ministério da Educação “Alfabetização na idade certa” a ideia é alfabetizar todas as crianças brasileiras até os oito anos de idade. Alcançar essa meta, até 2016, como determina o MEC, exige, segundo a diretora excecutiva do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), Claúdia Santa Rosa, além da definição do perfil de profissional para essa faixa, “a compreensão de que a solução não é massificar um método de ensino”.

“Há distintas realidades. As escolas não são iguais; as pessoas são diferentes; as comunidades são diferentes e as crianças também são diferentes”, alerta a educadora. Segundo Claúdia Santa Rosa, o primeiro passo é mudar culturas e se desfazer “de certezas pedagógicas que, por vezes, não fazem tão bem a quem está no chão das escolas”.

Ela diz que se faz necessário que gestores, educadores e técnicos das secretarias passem a ver quais os métodos que podem estar à disposição dos educadores e das escolas para que, no ambiente escolar, eles possam fazer escolhas pedagógicas. “Sempre digo que o melhor método é aquele que consegue fazer a criança aprender”, observou Cláudia Santa Rosa.

“Se a criança só consegue aprender através de processos de uma pedagogia mais tradicional”, destacou a educadora, “não vejo mal de oferecer caminhos mais afinadas com esse modelo. Se ela responde bem às teorias mais progressistas, mais sócio-interacionistas, construtivistas, que ótimo porque essas linhas consideram o global, as coisas articuladas. São propostas que dão muito mais conta desse tempo que a gente vive”.

O novo gestor, segundo Santa Rosa, deve estar aberto para acolher as diferentes propostas de gestão, mas também deve estar atento às orientações e aos direcionamentos pedagógicos, e colocar em prática um monitoramento periódico das metas estabelecidas para a rede municipal de Educação.
Como funciona o sistema de educação no município de Natal

Educação Infantil

Na rede municipal, a Educação Infantil tem 74 Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), onde estudam cerca de 15 mil alunos. A procura maior acontece na rede de CMEIs e recai sobre as unidades que oferecem o berçário [nível que recebe crianças até 3 anos de idade]. Além dos CMEIs, o município mantém 4 mil escolas conveniadas no Programa Pré-Escola para Todos (PPET) prioritário para as 3ª e 4ª séries da Educação Infantil e para o ensino fundamental. O custo por aluno é de R$ 60,00/mês.

Ensino Fundamental

O ensino fundamental tem matriculados 39 mil e 66 alunos alunos, em 71 escolas. Desde 2009, enquanto o município criou 52 unidades de CMEIs, foram abertas apenas seis novas escolas municipais do ensino fundamental. No caso do ensino fundamental, o excedente é maior nos dois ciclos (1ª a 4ª série; e 5ª a 6ª série). As 1ª. e 2ª. séries do primeiro ciclo somam juntas um excedente de 2.500 crianças, sendo 1.800 somente na primeira série, segundo dados da SME liberados no início do ano. No segundo ciclo, o excedente concentra-se na 5ª e 6ª séries. Em 2012, a SME não chegou a ampliar o quadro de vagas.

Custeio

Pela Constituição Federal, a cada dez dias, o poder público municipal é obrigado a repassar 25% da receita de tributos arrecadados para a SME. Já a lei 5.650/2005 [Plano Municipal de Educação) reforça o orçamento da Educação, destinando uma complementação, equivalente a 5% da receita de impostos para aplicação direta na manutenção e desenvolvimento do ensino, o que eleva o percentual de decêndios para 30%. No entanto, o repasse não tem sido feito integralmente. Nos cálculos do MP/RN, a Prefeitura deixou de repassar à conta da SME R$ 76,6 milhões, de 2009 a abril de 2012. O MP acionou a Prefeitura na Justiça que já determinou bloqueios de contas.

Merenda escolar

A SME faz compra direta de merenda para as seis escolas e os 46 CMEIs que ainda não possuem Unidade Executora (Uex), o chamado caixa escolar. A Secretaria faz a compra, e a escola tem a responsabilidade de definir qualidade e quantidade dos alimentos. As escolas com UEx recebem recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que tem contrapartida do município, e fazem compras diretas.

Fardamento e material escolar

No final do ano passado, a SME licitou mais de R$ 3,817 milhões para a aquisição de fardamento escolar, (incluindo tênis) e mais de R$ 2,553 milhões para a compra do kit escolar, contendo mochila e 13 itens de materiais de uso do aluno de 1º ao 5º ano, e 11 itens para alunos a partir do 6º ano. O material foi distribuído pela Prefeitura no final de maio. As aulas começaram no dia 22 de março.
Pessoal

A rede municipal tem 3.600 professores e educadores infantis concursados, ou seja, do quadro próprio. Além desses, a SME contratou por meio de processo seletivo outros 200 professores temporários. Outros 300 professores são prestadores de serviço a SME. Em ambos os casos, os profissionais “temporários” fazem a substituição de professores em licença médica ou afastados para cursos de formação ou especialização. O maior deficit é na categoria de professores polivalentes, de artes, inglês, matemática, pedagogia, religião e educação física.

Bate-papo

Cláudia Santa Rosa, mestre e doutora em Educação e diretora executiva do IDE/RN
“Alfabetizar requer competências e habilidades”

Na educação, quais os maiores enfrentamentos para o novo gestor?

A gente compreende que ele já vai encontrar a necessidade de elaborar o novo plano municipal de Educação. No país, estamos em processo de elaboração do plano nacional. Então, o primeiro desafio será não retardar a elaboração do plano, para que seja executado desde o primeiro momento do novo governo. E essa é uma discussão que deve ser feita com a sociedade, sobretudo, com os que estão diretamente ligados à escola se sintam parte, corresponsáveis, e isso é preciso acontecer logo na primeira hora. É difícil encontrar a adesão necessária quando a população é convidada nos finalmente, quando a coisa já está praticamente definida.

O que precisa mudar do ponto de qualificação do ensino?

Os gestores precisam pensar em políticas que qualifiquem o projeto pedagógico dos centros infantis. Nós temos acompanhado tensões entre os educadores da educação infantil e dos anos inicias do ensino fundamental juntamente na direção de algumas políticas de valorização dos profissionais que deveriam ser implantadas ou implementadas. Não dá pensar primeiro em finalizar esse processo de existir a vaga para todas as crianças, para poder pensar na qualidade.

Que mudanças você defende?

É preciso garantir avanços de políticas no campo da valorização salarial dos profissionais, do reconhecimento do perfil e do papel do educador infantil, que é algo que não está muito resolvido na gestão municipal. As gestões precisam pensar em tornar mais claro o perfil do profissional que deve atuar na educação infantil e nos três primeiros anos do ensino fundamental. Se há um movimento para se pensar um processo de alfabetização até os oito anos, é preciso pensar em qual será esse profissional para atuar nessa faixa. Alfabetizar requer competências e habilidades desse profissional bastante especializadas para se conseguir efeitos verdadeiramente positivos.

A rede precisa mudar muito, então?

É preciso que a rede municipal tenha uma política pública capaz de fazer com que os profissionais criem raízes na educação infantil e nesses anos iniciais. Com isso, quero dizer que a gestão pública precisa criar incentivos para o professor querer ingressar e permanecer, assumir essas salas e turmas de alfabetização. Acho extremamente danoso quando se tem troca de professores nesses anos iniciais, porque você não tem nunca como tornar essa formação perene, essa prática do professor fortalecida. É preciso a qualificação do professor, mas não estou falando de encontros relâmpagos. Estou falando num processo de formação sistemática, continuado e acompanhado, também. As secretarias deveriam se voltar cada vez mais para o monitoramento das escolas.

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