Setor Energético no RN: “É preciso menos retórica, menos embustes, mais resultado efetivo”

26 de abril de 2014

Confira notícia publicada no O Jornal de Hoje:

Carolina Souza

Produção de ‘ouro negro’, força proveniente dos ventos, recursos naturais em grande potencial. Não é mistério para ninguém que o Rio Grande do Norte é uma potência em termos de energia. Em entrevista a O Jornal de Hoje, o diretor-presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (CERNE), Jean-Paul Prates, ex-secretário estadual de Energias Renováveis, analisa a situação do setor energético do RN, discute a crise de gestão administrativa, o papel do Estado e a necessidade de apoio em ações e grandes projetos. “Eu espero o que todo mundo no Estado espera: menos embuste, menos retórica e mais resultado efetivo”. Confira a entrevista:

Jornal de Hoje – A Petrobras anunciou a descoberta de petróleo no litoral do RN. Qual a relevância dessa notícia para nossa economia?

Jean-Paul Prates: É uma descoberta relevante porque é a inauguração de uma nova fronteira exploratória para a Bacia Potiguar, que vinha sendo explorada basicamente em águas rasas (até 400m de lâmina d’água). Neste caso, do campo de Pitu, estamos falando de mais de 1.700 metros de lâmina d’água, e mais de 5.300 metros de coluna de perfuração. Ou seja, quase as mesmas dimensões de trabalho e tecnologia que a exploração do Pré-Sal da Bacia de Campos, embora geologicamente não seja Pré-Sal. Então é a primeira vez que se perfura a esta profundidade na costa do RN e do CE. Pelo pouco que a nota oficial da Petrobras deixa transparecer, o potencial de produção é bastante animador. Agora, serão realizadas as perfurações adicionais para dimensionar o reservatório e as avaliações econômicas para viabilizar o desenvolvimento desta descoberta e começar a produzir. Ao todo, isso deve levar de 2 a 4 anos a depender da prioridade que for dada.

JH – O RN ultrapassará 1GW em geração de energia eólica no país. Qual a expectativa do segmento?

JP: Na época da minha gestão à frente da Secretaria de Energia, tínhamos programado o 1º GW eólico do RN para 2012. O atraso se deveu à negligência da concessionária vencedora quanto às dificuldades e custos de construção das novas linhas, somada à inércia do Governo do Estado em cobrar os prazos e investimentos no tempo certo. Quando acordou para o fato, o RN já tinha parques parados aguardando conexão. O investidor fez sua parte, mas não pôde despachar a energia. Ficou recebendo sem gerar. Somente agora estamos comemorando esta conquista, que, na verdade, decorre da entrada em operação dos mesmo parques conquistados nos leilões de 2009 e 2010. Só que estamos dois anos atrasados nesta meta. Mesmo assim, é um fato tão ou mais relevante do que a chegada da energia de Paulo Afonso em 1963.

Jean-Paul Prates. (Foto: portalabeeolica.org.br)

Jean-Paul Prates. (Foto: portalabeeolica.org.br)

JH – Quando você acredita que a energia solar se tornará competitiva com outras fontes nos leilões?

JP: Aqueles que acreditam que a energia solar terá o mesmo tempo de consolidação e a mesma estratégia de negócios da eólica estão terrivelmente enganados. Há diferenças boas e ruins entre as duas fontes, especialmente quanto à sua implantação. Na solar, por exemplo, a possibilidade de uso da terra concomitantemente à operação do empreendimento é praticamente nenhuma. Além disso, as tecnologias variam muito e os fornecedores, apesar de numerosos, não conseguem ainda chegar a propostas eficientes, tanto em termos de preço quanto de atendimento técnico para projetos de grande escala. O governo federal vai promover o que eu chamo de um “leilão-termômetro” exclusivamente para solar este ano, para aferir o grau de distanciamento que ainda tem o preço dela em relação às outras fontes.

JH – Como o senhor enxerga o setor energético no RN?

JP: Bem e mal, ao mesmo tempo. Até 2003, não havia qualquer traço de planejamento energético neste Estado. Digo isso sem medo de errar, e sem falsa modéstia por ter recebido o voto de confiança da então governadora Wilma de Faria à época para traçar as linhas de um Plano Estadual de Energia para o RN. Petróleo, gás, eólica, solar, biocombustíveis, refinaria, nada disso sequer era falado senão em cobranças esparsas aqui e ali, junto ao Governo Federal ou à Petrobras. O Estado não tinha dados, inteligência própria e projetos a perseguir no âmbito energético.

Em 2003, traçamos estes objetivos. Apenas em 2006 ela conseguiu reunir as condições para criar a Secretaria. Em 2008 pude assumir, quando tive a oportunidade de acelerar a implementação do plano original, conquistando o direito das eólicas participarem dos leilões federais de energia, levando o Estado à liderança em projetos eólicos vencedores em todos os leilões ocorridos durante a gestão.

JH – Qual a carência do setor?

JP: O ambiente de negócios deste setor está muito competitivo, inclusive entre os estados. E o RN ainda tem mais de dois terços do seu potencial eólico por explorar. Sem falar da energia solar. Ou seja, ainda há muita coisa por fazer. Mas não podemos tolerar coisas como arrastões de bandidos nos dias dos pagamentos nos parques, atiradores sabotando ou roubando equipamentos de medição de vento, documentações e demarcações de terras fraudulentas ou confusas, total falta de apoio na logística de transporte das máquinas e na manutenção dos acessos aos sítios, falta de recursos para o licenciamento eficiente dos projetos, entre outras coisas graves que retiram atratividade do RN. Quando começamos a fazer o planejamento energético do Estado para a governadora Wilma em 2003, o RN gerava zero megawatts de energia. Este ano chegaremos a 41 usinas eólicas e 1.163,39 MW provenientes de 700 aerogeradores instalados no território do RN. É uma marca fabulosa que somente 25 países alcançaram. Isso mostra que o trabalho lá de trás, com organização, dedicação e planejamento, surtiu efeito. Não lançamos mão de dinheiro público para incentivar nada, não precisamos de renúncia fiscal alguma, não tivemos que dar terreno, nada! Um setor que tem potencial natural, só precisa que o governo não atrapalhe – e apoie nas ações necessárias para que os empreendimentos evoluam dentro do cronograma certo, satisfazendo aos seus acionistas, financiadores e fornecedores.

JH – Este é um ano curto em função da Copa e das Eleições. Qual o reflexo para a economia?

JP: Se não tivéssemos conquistado o direito de ser uma das sedes, eu diria que poderíamos ser muito afetados pelo ritmo lento dos setores ditos convencionais da economia: muitos feriados, concentração desviada, produtividade afetada etc. Mas como somos uma das cidades-sede, então é claro que setores como o turismo, a hotelaria, a gastronomia e os serviços em geral serão beneficiados e compensarão, em muito, o efeito contrário provocado. O que teremos que atentar é para a “ressaca da Copa” e tentar aprender e nos conectar ao máximo com os benefícios que ela vier a trazer. Quanto à eleição, creio que o Estado já está acostumado a este efeito-sanfona bienal. Há muitos segmentos que crescem em tempos de eleição. Isso fazendo uma análise friamente estatística. Por outro lado, esta é uma eleição importante para se discutir claramente o que se quer para a economia deste Estado no futuro.

JH – O período eleitoral será decisivo para a economia?

JP: Claro! Sempre é. Mas desta vez mais ainda. Veja: durante a Era Lula/Dilma, tivemos tanto um governo aliado quanto um governo adversário em relação ao governo federal. O resultado do primeiro foi relativamente modesto, perto do que poderia ter conquistado. E o do segundo, apesar de a própria Governadora reconhecer e louvar não haver qualquer tratamento desfavorável por ser um governo do DEM, tem sido pífio em termos de estruturação e atração de investimentos novos. Não falta dinheiro, nem no Estado – que quebra recordes de arrecadação de impostos todos os anos, nem no Governo Federal, cujos recursos disponibilizados têm sido devolvidos por falta de projeto ou execução incompleta. A crise é, portanto, de gestão e não mais de recursos. Para quem investe, mesmo que prescinda de investimento estatal, é importante ter confiança no governo. Saber que ele administra bem o seu dinheiro e faz o seu papel na saúde pública, na segurança e na educação, pelo menos. O investidor não quer saber de lugar inseguro, insalubre e sem capacitação. Cabe ao Estado este papel primordial, e mínimo. Uma gestão que não desempenha pelo menos isso bem, por interesses paroquiais, disputas politiqueiras ou incompetência mesmo, não pode inspirar confiança em investidor de qualidade, de pequeno ou grande porte.

JH – O que o senhor espera da próxima administração estadual?

JP: Tanto em geral quanto na seara econômica em específico, acho que eu espero o que todo mundo no espera: menos embuste, menos retórica e mais resultado efetivo nas coisas. Tenho dito que, ultimamente, alguns líderes têm vivido de se apropriar de projetos óbvios, unânimes ou, em casos piores, concebidos sem qualquer planejamento, só para sair no jornal como autores da ideia. De preferência, projetos viabilizados com verba federal. Isso não basta, e, além disso, tende a gerar aqueles terríveis ciúmes que levam 10 a trabalhar a favor e 200 contra. Por esta razão, todos os estados à nossa volta conquistaram e realizaram mais do que nós, exceto no setor energético. De tanto a opinião pública cobrar coerência e integração nos projetos estruturantes do RN, veio agora a promessa de se apresentar um mapa geral do futuro do Estado – numa iniciativa do Governo do Estado viabilizada através da FIERN. Todos aguardam ansiosamente pelos resultados do “MaisRN”, cuja consultoria foi contratada com dinheiro amealhado junto a empresas atuantes no Estado, a pedido da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SEDEC). Portanto, seus relatórios deverão ser públicos e certamente os candidatos ao governo terão uma excelente “pièce de résistance” para debater, criticando ou apoiando as conclusões destes estudos. Enfim, com tantos recursos naturais e humanos de qualidade, não é possível que o RN seja tão enfeitiçado pelo estatismo e pelo assistencialismo que não consiga se libertar deles e ter uma economia equilibrada, com empregos de qualidade e exploração sustentável das suas riquezas.

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