Via Costeira – “um erro ecológico”

6 de junho de 2012

UM ERRO ECOLÓGICO. Na opinião do superintendente do Ibama no Rio Grande do Norte, Alvamar Queiroz, essa é a definição para o processo de ocupação que ocorreu na Via Costeira. Ele deu a declaração ontem, ao ser entrevistado pela reportagem do NOVO JORNAL, durante o lançamento do projeto Doc Natal, na sede do órgão. A declaração foi dada após ele ser perguntado sobre qual o posicionamento do Ibama com relação à Via Costeira.

O superintendente disse que  não se pode pegar um erro do passado e balizá-lo para cometer outro erro – referindo-se ao fato da ocupação na década de 70 justificar a construção de novos empreendimentos. A Via Costeira foi um equívoco então? – perguntou a reportagem. “Foi um erro ecológico. A diferença é que não tinha instrumento jurídico na época para balizar isso. Isso foi há muito tempo”, respondeu.

Alvamar Queiroz lembrou que os hoteleiros tiveram um prazo para construir na região; e não cumpriram.  E mesmo que isso tivesse ocorrido, argumentou, ainda assim os empreendimentos seriam ilegais. “Não se pode construir em área de preservação permanente (APP). Muitos instrumentos jurídicos que impediriam isso só surgiram depois, não existiam naquela época. Não se pode pegar um fato desse que interviu diretamente na natureza e transpor para agora, que tem uma legislação moderna, mais avançada e que preserva o meio ambiente”, defendeu.

Segundo Ibama, Via Costeira foi feita numa época sem instrumentos jurídicos para balizar construção (Foto: brasilimperdivel.org.br)

O superintendente aproveitou para comentar sobre suas dúvidas acerca da geração de emprego e renda promovida pelos hotéis. “Não sei se gera mais emprego construindo hotéis ou deixando livre aquela beleza cênica para ver. A Via Costeira é uma coisa belíssima para observar”, justifica.

Alvamar aproveitou para negar ter afirmado ao NOVO JORNAL a sugestão para a construção de equipamentos públicos como estacionamentos e locais para receber visitantes na região. “Nunca propus construir praças, não sou arquiteto”, disse.

O superintendente do Ibama  argumentou que ao contrário dos hotéis, esse tipo de equipamento não traria prejuízos ao meio ambiente como – segundo ele afirma – novos hotéis poderiam trazer. “Porque essas construções teriam cunho social, seriam feitas para a sociedade usufruir. É diferente de construir algo privado como um hotel”, justificou.

A legislação brasileira permite construir em área de preservação permanente desde que as obras sejam de cunho social e uso público. A palestra proferida ontem no lançamento do projeto Doc Natal, que visa a produção de vídeos sobre a situação do meio ambiente em Natal e região metropolitana, ratificou a posição do Ibama de não permitir novas construções em toda a Via Costeira.

“O parecer da AGU que teve um de nossos técnicos como integrante mostra que a Via Costeira é não edificável em função das dunas, falésias e dunas vegetadas que possui. Geograficamente falando há uma série de propriedades que impede que se construa naquela área”, acrescentou.

Alvamar Queiroz, superintendente do Ibama. (Foto: Novo Jornal)

Alvamar Queiroz se referiu ao relatório produzido pela Advocacia Geral da União em parceria com mais 12 órgãos, em 2010.Tal relatório contou, na época,com a chancela do ex-presidente do Ibama Nacional, Curt Trennepohl, que deixou o cargo em abril passado por motivos de saúde. “Tenho o parecer da AGU assinado pelo presidente do Ibama onde ele diz que assina embaixo como a Via Costeira sendo APP”,afirmou.

COMPELIDOS A USAR A LEI

Questionado sobre a aparente intenção do Ibama de querer mudar as regras do jogo após mais de 30 anos desde a criação da Via Costeira, o superintendente do Ibama, Alvamar Queiroz, contestou a colocação.  “Não se trata disso. Somos compelidos a usar a legislação ambiental”, disse.

Alvamar Queiroz argumentou  ainda que a questão é uma responsabilidade da AGU e não do Ibama, pois foi o outro órgão que convocou os demais para elaborar um estudo da área. “Foi a AGU quem nos chamou e coordenou esse trabalho. Por que questionam tanto o Ibama? É como se o órgão impedisse o desenvolvimento, representasse atraso. Tenho parecer da AGU assinado pelo presidente do Ibama, onde ele diz que assina embaixo de tudo. Como nós, mortais, aqui nesse i m de mundo, vamos assinar qualquer coisa que depois se reverta contra a gente?”, questionou.

De acordo com ele, só por ser uma área de dunas e que, por si só, possui recarga de aquífero, a Via Costeira já se constitui uma APP. Mas a estrutura geológica com falésias e bordas de tabuleiro compõem o cenário de preservação, além da vegetação existente. “Por que não preservar? Por que a população não pode vislumbrar aquilo tudo?”, questionou.

O NOVO JORNAL ainda lembrou ao superintendente do Ibama de que na época da construção da Via Costeira, a contrapartida ambiental do estado foi a reserva de Mata Atlântica preservada no Parque das Dunas, segunda maior reserva urbana do país. O que compensaria as construções de hotéis e o uso do corredor turístico para este fim.  “Não vi isso em lugar nenhum, em nenhum documento. Onde é que isso está documentado?”, indagou.

E acrescentou: “Estou vendo que à medida que o tempo passa as pessoas vão construindo histórias diferentes. Vi recentemente um advogado dizer que a concepção daquilo nada tem a ver com o que está hoje. Quantas vias para o mar foram deixadas? Nenhuma. Ocuparam todo o espaço. Tem que ter uma área que leva a população à praia. Não se pode privatizar praia”.

Alvamar Queiroz também comentou o fato de parlamentares e empresários potiguares terem anunciado que vão ao Ibama nacional para ver se conseguem destravar a Via Costeira. Ele disse não ter nada contra a iniciativa, mas acha muito difícil que o órgão derrube o posicionamento que a seccional no estado já mantém. “Não é pessoal. Não se resolve isso politicamente, pessoalmente. Isso se resolve na legislação. É o que diz a lei e quando o legislador a criou foi com fundamento e embasamento, não foi aleatoriamente para favorecer A ou B”, assegurou.

VIA COSTEIRA É ÁREA DE DESOVA DE TARTARUGAS MARINHAS

O analista ambiental do Ibama que participou do levantamento feito pela AGU como co-autor, Frederico Fonseca Galvão, palestrou ontem durante o lançamento do Doc Natal a respeito da Via Costeira. Segundo ele, a conclusão a que os órgãos chegaram de proibir construções na via se deu em função de dispositivos legais – o Código Florestal Brasileiro e a Lei Municipal 4.100. Como é uma área constituída de dunas, bordas de tabuleiro, recifes e falésias, trata-se de uma Área de Proteção Permanente (APP).

No estudo feito pelos 13 órgãos, chegou-se ao consenso de que realmente se tratava de uma área do tipo  e que deveria se proibir qualquer obra privada na área. “Áreas determinadas como APP não são passíveis de ocupação sob hipótese alguma. Excetua-se a ocupação apenas sob dois aspectos: sendo construção de cunho social e uso público, o que não é o caso dos hoteis”, disse.

Frederico Fonseca explicou que não há uma lista de empreendimentos permitidos em áreas como a Via Costeira, mas para a região seria mais adequado construções com fins sociais e públicos, que envolvam toda a coletividade da cidade – como as vias de acesso, prometidas desde a década de 1970; e áreas de lazer públicas. “Dependendo do tipo de engenharia e de conservação que essa atividade tenha, elas podem ser instaladas lá”, esclareceu.

Com relação à vida existente no ecossistema da Via Costeira, Frederico Fonseca informou que há vegetação ruderal, mais rústica, além daquela que se forma sobre as dunas e as de restinga, um pouco mais arbustivas e herbáceas, mas de menor porte e que também, onde estiverem instaladas, se constituem APP. Há ainda vários tipos de fauna associadas, mas a mais importante é a das tartarugas marinhas.

Segundo ele, já há registros e estudos do projeto Tamar que  confirmam o uso da Via Costeira por este tipo de animal. “Outras são áreas de reprodução avifauna, muitas espécies regionais que habitam naquela área e que acabam se reproduzindo ali. Tem uma fauna associada ao Parque das Dunas e, apesar da Via Costeira existir, com o asfalto no meio, acaba se relacionando também com o Parque das Dunas”, alega.

EMPRESÁRIOS CRITICAM IBAMA

As declarações do superintendente do Ibama, Alvamar Queiroz, foram criticadas pelos empresários do setor hoteleiro que consideram um retrocesso a resistência do órgão e a dúvida de que hotéis não geram empregos na Via Costeira. O presidente e Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih), Enrico Fermi Torquato disse que o superintendente está agindo de forma retrógrada. “Ele quer fazer com que a lei retroaja. A Lei não foi criada para retroagir, mas para que não se cometam distorções”, alega.

Para Enrico Fermi, há uma radicalização no discurso do Ibama que não toma nenhuma iniciativa sobre a ocupação que acontece do outro lado do parque. “O morro lá em Mãe Luíza está crescendo para cima do parque, enquanto a Via Costeira preserva o parque porque é por ela que há o acesso para fiscalizar esse lado. E o outro lado, alguém tem se preocupado? Não são os hotéis que desmatam a área”, relativizou.

Já o presidente do Sindicato da Construção Civil (Sinduscon), Arnaldo Gaspar, questionou o argumento de que os hotéis não criariam empregos. “Se um hotel que cria cerca de 300 empregos não traz uma função social para a cidade, então não sei o que seria, porque além dos empregos gera impostos e é com impostos que o Estado se desenvolve”, afirmou.

Arnaldo Gaspar chamou a atenção para o fato de que se o espaço entre a pista e a praia, que por sinal já está parcialmente ocupado, não puder ser utilizado em benefício de toda a sociedade, o que dizer do restante da faixa litorânea que tem grande potencial econômico para o turismo, mas ainda não foi desenvolvido.  “Se na Via não podemos usar essa ‘franja de terra’ para gerar emprego e renda, significa que toda a ‘franja’ do litoral i cará também impossibilitada de ser utilizada para este fim porque em não vamos mais poder desenvolver nessas áreas”, argumentou.

Em cálculos rápidos ele observou que dos 1.250 hectares do Parque, apenas 150 equivalem à área em que se busca construir, mantendo a preservação do Parque das Dunas. “Será que há em algum país do primeiro mundo um plano de ocupação em área de 1.250 hectares deixando 1.100 hectares preservados como faríamos aqui?”, questionou.

Apesar da resistência, o Ibama não tem poderes para regular a Via Costeira. Isso é o que afirma  o advogado André Elali. O jurista relata que esta função cabe ao município (Por meio da Secretaria de Meio Ambiente – Semurb) e ao Estado (através do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente-Idema).

“A política de meio ambiente é importante, mas não pode intervir no desenvolvimento sustentável. Isso não pode virar um discurso vazio e ideológico”, declarou. André Elali disse que analisando de forma técnica, o assunto está sendo mal conduzido pelo Ibama e que a proibição gera outro agravante.

“Se proíbe, não se constrói mais hotel, mas  quem se beneficia são os hoteleiros que já estão lá”, comentou.André Elali chamou a atenção para o momento de crise mundial que os países enfrentam, enquanto que por aqui há interesse em investir. “Não entendo como estamos em ambiente de crise e  o Estado não entrou ainda na defesa do desenvolvimento”, disse.

A interferência efetiva do Governo também é cobrada pelo empresário Flávio Alexandre. Ele também participou ontem do lançamento do projeto Doc Natal onde o Ibama discutiu o assunto e, por cerca de uma hora, falou em nome da classe empresarial. Alexandre decidiu não mais rebater os argumentos do Ibama publicamente porque acredita que o nível da discussão já está amadurecido o suficiente.

Agora, ele diz que é necessária a interferência efetiva do Estado para que tanto o Ibama como os empresários tenham um rumo a seguir. “É necessário que o Governo do Estado tome um posicionamento do que quer. O que fará de efetivo para resolver a questão?”, sugeriu.

O Estado quer a Via Costeira liberada e já convocou no mês passado empresários e órgãos ambientais para tentar destravar a exploração da Via Costeira. O Secretário Estadual do Desenvolvimento Econômico, Benito Gama, já declarou que o Estado vai lutar para que os empreendimentos a serem construídos na área para desenvolver o turismo não morram na praia.

Via Costeira é da década de 70

A Via Costeira causou polêmica desde seu projeto original, em 1975, devido à relação desenvolvimento versus preservação. Naquela época uma batalha ideológica se travou entre governo, imprensa e movimentou a sociedade natalense em torno das discussões.

Até o arquiteto Oscar Niemeyer e o paisagista Burle Marx foram consultados e se mostraram temerosos quanto às consequências da ocupação na área. Os dois voltaram à cena contratados para fazer o projeto e os jardins do Costeira Palace Hotel, onde antes mostravam-se temerosos.

As discussões culminaram na modificação do projeto da via que passou a margear as dunas, morros, avenidas, hotéis e mar. Os hotéis ficaram no platô com geografia própria para edifi cação. A via costeira foi inaugurada em 1982 e a partir de então começaram as construções dos hotéis.

Há pouco mais de um mês o NOVO JORNAL iniciou uma série de reportagens mostrando que o litoral norte do Estado perdeu diversos empreendimentos internacionais porque não houve agilidade na concessão de licenças. A reportagem mostrou também o caso de hotéis na Via Costeira que estão impedidos de serem erguidos. Na via costeira o Ibama não permite a ocupação em lotes vagos da área.

Por conta das reportagens do NOVO JORNAL, o debate ganhou fôlego. O deputado federal Rogério Marinho já levou a discussão para a Câmara Federal e órgãos como Fiern passaram a apoiar os empresários que ficaram indignados com as declarações do superintendente do Ibama Alvimar Queiroz que se posicionou defendendo a construção de estacionamento, acessos e locais de recepção de turistas no lugar de  hotéis.

Os empresários apresentaram o argumento de que não cabia ao Ibama tratar a questão e que o Tribunal Regional Federal da 5ª região entendia que a competência era do Município e do Estado. Estado e município se pronunciaram defendendo a liberação da Via Costeira para ocupação e atribuíram o impasse ao Ibama.

O Ibama mantém a postura contra a ocupação e os empresários alegam que é um retrocesso no desenvolvimento do estado. A expectativa é que Estado e Município passem a gerenciar a questão afim de que o assunto se resolva. É aguardada ainda uma audiência com o Ibama nacional para debater uma solução. Desse encontro devem participar os deputados federais do Rio Grande do Norte, convocados por Rogério Marinho, para tentar obter uma solução que permita o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, a preservação da Via Costeira.

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