Deu no caderno de Cidades do Novo Jornal:
A crise que poderá fechar as portas da instituição de ensino mais antiga de Natal, o Colégio Imaculada Conceição (CIC), é um sintoma da atual situação do ensino privado em Natal. De acordo com o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Particular (SIEESP), a crise já é antiga e tem se alastrado por todas as escolas particulares da cidade – das mais novas às mais tradicionais.
“Quem está de fora acredita que o aumento anual das mensalidades é um sinônimo de crescimento, mas não é. Pelo contrário: a escola particular está numa situação de crise, sem capacidade de manter as despesas básicas. É uma situação difícil”, declara o presidente do sindicato, Alexandre Marinho.
Na semana passada, após 110 anos de funcionamento do CIC, a Congregação Irmãs de Santa Dorotéia anunciou o fechamento da escola. O colégio já estava em crise há cerca de quatro anos, alvo de inadimplência e diminuição da quantidade de alunos. Desde o anúncio, estudantes, ex-alunos e funcionários têm se articulado para reestruturar a escola, mas a decisão da congregação permanece a mesma: a partir do próximo ano, o CIC não funcionará mais.
Dois fatores principais são apontados pelo SIEESP como causas para a suposta crise no ensino privado: a alta inadimplência dos alunos e da carga tributária. De fato, o atraso no pagamento das mensalidades foi um dos principais argumentos utilizados como justificativa para o fechamento no CIC.
Em entrevista ao NOVO JORNAL na semana passada, a irmã Maria CachoBelchior, diretora da escola, afirmou que a inadimplência chegou a 40% somente em setembro. No total, a falta de pagamento resultou num prejuízo de R$ 400 mil para a escola, e que permanece se acumulando.
Apesar de nenhuma escola privada ter atingido índices tão altos, a inadimplência é um vírus que tem afetado todas as escolas privadas de Natal. Marinho, que também é coordenador da Escola Doméstica/Complexo Henrique Castriciano, afirmou que a escola possui, atualmente, 23% dos corpo estudantil inadimplente – índice, ele afirma, comum à maioria das escolas particulares.
“A taxa de inadimplência varia entre 22% e 23% e permanece até meados de outubro, quando os pagamentos começam a ser feitos. Mas também não são todos os pais. Tem uns que passam o ano todo e não pagam, e quando chegam ao final do ano pedem a transferência dos alunos para outras instituições. A escola fica só com o papel na mão”, criticou.
A inadimplência de estudantes é algo assegurado pelos direitos do consumidor. De acordo com a lei 9.870, de 23 de novembro de 1999, o aluno inadimplente não pode receber cartas com cobrança pessoais, uma vez que isso pode constrangê-lo; tampouco a instituição pode reter documentações do estudante ou convocar reunião de pais e mestres para fazer a cobrança. A legislação ficou conhecida como “Lei do Calote” pelas instituições de ensino.
“É triste ver que escolas tão representativas, como o CIC, estão fechando as portas principalmente por culpa da legislação. Enquanto as escolas não tem direito a cobrar, os alunos podem tudo. Estamos vendo que as escolas privadas de Natal estão sufocando”, lamenta o coordenador. E ressalta: “O fechamento do CIC foi um alerta para a sociedade. O único centro de excelência de ensino que ainda existe são as escolas privadas, mas também correm o risco de fechar”.
Para Marinho, além da alta inadimplência, a legislação tem exigido muito das escolas. “A isenção fiscal que a Lei da Filantropia garante também exige que as escolas reservem 20% de bolsas para a escola pública. Além disso, a exigência de que as escolas têm que bancar toda uma estrutura para os alunos portadores de deficiência é um absurdo. Somos obrigados a fazer um papel que deveria ser feito pelo Estado”, completou.
O coordenador afirmou ainda que o sindicato esteve presente desde as primeiras negociações entre o CIC e a Congregação, mas ainda não há previsão para revogação da medida de fechamento. De acordo com ele, o principal objetivo agora é alertar a sociedade para a iminência de algo semelhante também acontecer com outras escolas de Natal. “O grande problema da escola hoje, que eu não sei até onde vai, é a inadimplência e os altos encargos que são cobrados. É preciso rever essa situação”.
MENSALIDADES NÃO COBREM DESPESAS
De acordo com um estudo realizado em 2009 pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Particulares, Natal é uma das cidades que possui as escolas privadas mais baratas do Nordeste. A média de mensalidade naquele ano era de R$ 339, sendo mais barata do que Recife (PE) e Salvador (BA), que chegavam a R$ 500.
No entanto, o valor cobrado pelas escolas vem sofrendo reajustes anuais desde então. Entre 2011 e 2012, o aumento chegou a 11% em algumas escolas da capital potiguar. Ainda assim, algumas escolas afirmam que o reajuste nem sempre é suficiente para ressarcir todos os gastos da instituição.
O argumento é da diretora do CEI (Centro de Educação Integrada/Romualdo Galvão), Maria Lúcia Azevedo. Diretora há 38 anos da instituição, ela explica que geralmente as escolas adequam o preço à realidade local, nem sempre seguindo o que é requerido pela planilha de custos. “Você tem que adequar o custo à realidade da região. Por mais que minha planilha exija um pagamento, nem sempre eu posso cobrá-lo, porque senão os alunos vão embora”, explicou.
De acordo com ela, a mensalidade média do CEI, que gira em torno de R$ 600, nem sempre é o suficiente para cobrir a manutenção das instalações e a equipe de 350 funcionários que a escola mantém hoje. “Por isso é injusto falar em aumento, porque a escola não lucra. O aumento é requerido e concedido a cada instituição de acordo com o plano pedagógico [atividades] que ela deseja implantar no ano seguinte”, completou.
Azevedo lamentou o fechamento de uma instituição antiga como o Colégio Imaculada Conceição. De acordo com ela, a crise que atingiu a escola também é culpa da quantidade de exigências que tem sido feitas pelo governo.
“Encargos trabalhistas, falta de programas federais nas escolas como os que são oferecidos pelo governo nas universidades privadas, as exigências da inclusão social sem nenhum suporte: tudo isso pode ser apontado como fator principal para a crise que pode atingir outras escolas. Tudo isso representa custo para a escola, mas nem sempre é cobrado na mensalidade”, justificou.
O gasto de uma escola privada, de acordo com o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Particular (SIEESP), é representado em 70% pela folha de pagamento. O custo de cada aluno vai variar de acordo com o número total de estudantes matriculados. “Quanto maior o número de alunos, menor o custo da escola, uma vez que a despesa é paga pelo o arrecadado de todas as mensalidades. Mas esse aumento também reflete no aumento da inadimplência, que, por sua vez, não pode ser cobrada. As escolas estão engessadas”, apontou a diretora do CEI.
SITUAÇÃO PERMANECE INDEFINIDA
Apesar do anúncio de fechamento, a situação do Colégio Imaculada Conceição (CIC) permanece indefinida. Desde a semana passada, estudantes e ex-alunos estão se reunindo com as representantes enviadas pela Província de Recife – sede regional de Congregação Irmãs de Santa Dorotéia – para apresentar propostas que visem reestruturar a escola.
Uma comissão foi criada para elaborar propostas e conversar com a direção. A ex-coordenadora Ana Lucia Tridade é uma das integrantes. Segundo Trindade, hoje haverá mais uma reunião, desta vez entre pais, alunos e direção, para conversar sobre a possibilidade de reverter o fechamento.
“Desde sexta-feira já recebemos o apoio de várias pessoas importantes da sociedade, que estudaram aqui e não querem ver o CIC fechar. Nós queremos dizer aos pais que ainda não se preocupem, porque a situação ainda não foi decidida. Temos esperança”, declarou.
Entre as principais propostas, há a criação de uma conta bancária para arrecadar doações; conscientização de pais inadimplentes; locação de salas para outras instituições e cursos técnicos, além de estabelecer parceria com outras escolas para transferência de estudantes.
“Na sexta-feira (passada) também recebemos o apoio de Dom Jaime (bispo de Natal), que conversou com as irmãs mas não pode revelar o conteúdo da conversa. Já temos o apoio da OAB e de outras entidades. A luta continua”, completou.
Clique aqui para ver a publicação original
© 2015 RioGrandedoNorte.Net - Todos os Direitos Reservados
O RioGrandeDoNorte.Net seleciona as notícias mais importantes da semana a partir das mais confiáveis fontes de informação setorial. Em algumas delas, agregamos o noticiário de um assunto em um só item, ressaltamos (negritando) ou até comentamos (grifando) a notícia original, caso pertinente.