Homem culto, religioso e atencioso com as pessoas, mas nem por isso tímido ou receoso na tomada de suas posições no parlamento, o deputado estadual José Dias (PSD), em entrevista ao O Poti, lamentou o comportamento histórico do brasileiro de conviver com as mazelas nos desvios dos recursos públicos. Na entrevista, o deputado foi instigado a falar sobre política nacional – a corrupção desenfreada nos três Poderes da Repúblicas, a impunidade como fator estimulante para os malfeitos – e, claro, da administração estadual, de quem foi aliado no início do governo Rosalba Ciarlini (DEM). Segundo José Dias, as pesquisas de opinião mostrando um percentual muito alto de rejeição da administração da governadora Rosalba Ciarlini refletem a realidade,”que acho que é ainda pior do que o que o povo está vendo. O governo, sob o ponto de vista político e administrativo, é um fracasso absoluto, eu confesso que, sob o ponto de vista político, eu nunca vi uma tragédia tão grande”. Dias também disse que os recursos aplicados na construção da Arena das Dunas estão sendo tirados da alimentação destinada aos hospitais, da segurança pública e para o desenvolvimento econômico do RN.
O país vive hoje com denúncias de corrupção atingindo os três poderes da República. Como cidadão e como homem público, como é que o senhor vê esse quadro?
Eu vejo que nós estamos vivendo um momento diferente. Infelizmente, nós temos que constatar que o que está ocorrendo no Brasil, em profundidade, não é uma coisa inédita. Nós temos, infelizmente, um comportamento histórico de convivência com essas mazelas na gestão dos recursos públicos, com a corrupção. O que o momento atual está expondo são as vísceras dessa situação e isso nós devemos, vamos dizer assim, a uma abertura da informação. Há uma fiscalização, hoje permanente, exercida pela imprensa e pela própria cidadania. O que, aí sim, a gente pode ver como um fator positivo. Talvez seja o caminho, o remédio para a cura desse mal que é histórico. O que nós temos, também, um pouco agravado é a exacerbação da “caça às bruxas” que, em certo sentido, também é perigoso, é negativo. O fato de nós sabermos, reconhecermos, de procurar resolver esse problema de corrupção no Brasil não nos dá a liberdade para crucificar previamente as pessoas. Até porque a crucificação não deve ser nem a posteriori e nós estamos tentando fazer previamente, eu acho que esse caminho, esse atalho é a única coisa perigosa que eu vejo nesse episódio. Agora, sei que o Brasil será diferente.
Essa infecção generalizada nos intestinos dos Poderes da República preocupa ao ponto de se temer pela estabilidade da democracia?
Eu acho que não, acho que nós estamos construindo uma nova democracia, uma democracia diferente. Uma democracia que procura ser verdadeira, se vai chegar lá eu não sei. Mas procura ser verdadeira. Porque a democracia verdadeira é aquela democracia que respeita o direito do povo, e não há direito mais sagrado do que o povo saber que seu trabalho, seu esforço, está sendo respeitado. Por que o tributo que quando se estabelece a desonestidade, o roubo é em cima do que? Do trabalho do povo, do tributo. E também, claro, que a gente tem que admitir que não apenas os “agentes públicos”, políticos, são responsáveis pelo que acontece de mal nesse país, a sociedade como um todo está contaminada. Aí é que eu acho que esse esforço tem que ser bem mais profundo, não se mata o mal apenas resolvendo o problema no âmbito da coisa pública, se resolve no âmbito da devida proporção.
A impunidade não é um estimulante para a corrupção que está se vendo aí todo dia?
Claro que sim! E eu acho que o caldo de cultura de tudo isso que nós estamos vendo aflorar é exatamente a impunidade. Se o que está se pensando fazer hoje, a sociedade tentando fazer hoje, tivesse acontecido no passado, nós estaríamos vivendo uma situação diferente. Eu não vejo de outra forma, a natureza humana tem tendências, e fortíssimas, a estabelecer privilégios, vantagens, acomodações, benefícios. Isso só pode ser coibido se nós tivermos a consciência de que esse benefício tem que ter um limite, que é o direito dos outros.
Mas o senhor não acha que o legislador brasileiro tem um percentual de culpa nessa impunidade, uma vez que elenão está preocupado em fazer leis que punam efetivamente quem comete os malfeitos?
Eu acho que a legislação brasileira, nesse aspecto, ela não peca em quase nada, falta apenas a pena de morte. A legislação brasileira, nesse aspecto, – vamos dizer assim – é efetiva. Ela tem que se adaptar aos tempos, até porque nós não podemos pensar numa norma eterna. Norma eterna é aquela que foi dada por Deus a Moisés. Fora os Dez Mandamentos, as outras leis são leis fadadas a se atualizar. A norma em si ela não se aplica, quem aplica a norma são os homens. Então o que nós realmente precisamos é ter uma aplicação mais rápida e mais severa, no sentido de ser mais justa, isso sim. É preciso a própria sociedade se convencer que ela é também responsável pela aplicação das normas e dos costumes. Os Tribunais são responsáveis pela aplicação das normas escritas, das normas legais mas, uma sociedade que não tenha uma altoregulação, ela dificilmente terá sucesso.
O Judiciário tem culpa nisso por não dar maior agilidade na aplicação dessas leis?
Olha, ter, tem. Agora a culpa não é só do Judiciário, porque você não pode imaginar uma instituição absolutamente desconectada da sua sociedade. O Judiciário está num processo, que ele próprio é responsável, de modificação. Devo lembrar do grande esforço que o Judiciário está fazendo para melhorar os seus procedimentos, acelerar os julgamentos; existem no Brasil hoje, dentro do Judiciário, metas quantitativas a serem cumpridas exatamente para vencer esse problema da morosidade da implantação da Justiça. Então no sentido de que a coisa não funcionou com a presteza que era necessária, o Judiciário é culpado mas, a grande culpa, é de todos nós.
Por falar em Judiciário, vamos trazer o tema para o nível local. O senhor esperava algum dia ter conhecimento de malfeitos praticados dentro do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, ao ponto do Superior Tribunal de Justiça determinar o afastamento sumário de três desembargadores?
O fato que você está levantando é inusitado, ninguém pode dizer que já viu porque não houve, se não houve a gente não viu, não é? Não viu. Eu não estou aqui entrando no julgamento do mérito até porque é uma questão que eu tenho muito cuidado. Conheço as pessoas e tenho delas um conceito muito bom, mas também não posso prejulgar defendendo nem acusando. Eu apenas me reservo ao meu direito como cidadão e, aqui eu apenas estou trabalhando, laborando como cidadão e, vamos dizer assim, viver a emoção de compreender as dificuldades que os amigos estão passando e sem, que eu também não sou julgador no caso, tomar uma posição dizendo quem está certo e quem está errado.
Nas suas caminhadas, nas suas andanças pelo interior, visitando as bases políticas, qual o sentimento do eleitor diante de tudo isso que está acontecendo no país?
Uma coisa que eu acho é que todo mundo é extremamente crítico, severo, punitivo em relação ao outro. Se você for por todo canto, todo mundo está aí com o chicote na mão mas, na intimidade das pessoas, a maioria hoje condena o outro mas eu não vejo um exercício muito explícito para mudar o seu próprio comportamento. Essa não é nem uma visão política, certo? É mais, vamos dizer assim, uma visão sociológica, certo? E até moral, eu confesso que, honestamente, eu queria ver o processo não apenas como ele está se realizando, com essa nossa capacidade enorme de nos indignarmos com o malfeito dos outros.
As pesquisas que têm sido divulgadas, este ano, para prefeito da capital também fazem uma avaliação da administração estadual. E essa avaliação não tem sido muito boa. Um ano e 4 meses da administração Rosalba Ciarlini, ela está com um índice negativo emtorno de 60%. Como é que o senhor vê isso?
– A pesquisa reflete, na minha visão, a realidade, que acho que é ainda pior do que o que o povo está vendo. O governo, sob o ponto de vista político e administrativo, é um fracasso absoluto, eu confesso que, sob o ponto de vista político, eu nunca vi uma tragédia tão grande. O governo, com um ano de vida, substituiu grande parte daqueles que o apoiaram, por aliados que foram seus adversários. Ficou apenas com o núcleo do DEM. Vamos exemplificar para facilitar a compreensão: expulsou o grupo que hoje está no PSD, por várias razões que acho que ainda não seja o tempo de revelar, razões políticas. O tempo vai revelando cada uma e vai se ver que foi um negócio extremamente imcompreensível. O próprio PMDB que apoiou o governo, e que era o PMDB que merecia administrar com o governo, está sofrendo contrariedades políticas sérias, e não foi só uma vez. Então, houve uma reviravolta. Será que aqueles que apoiaram o governo, que fizeram a campanha, são os que não merecem administrar com o governo?
O senhor acha que o PMDB está prestes a sair do governo?
– Eu confesso que o PMDB que apoiou o governo, pra mim não está no governo, porque para estar no governo ele deveria estar numa posição político-administrativa diferente. Agora o PMDB que combateu, aí eu não sei.
Há poucos dias o líder do governo na Assembleia Legislativa, Getúlio Rego, deu uma entrevista reconhecendo que falta diálogo do governo com o parlamento.
– Eu sou testemunha de quando eu estava na base do governo, nós não tínhamos uma diálogo construtivo, e isso foi demonstrado nas dificuldades que tivemos aqui na Assembleia. Pessoalmente, tenho de dizer o seguinte: tenho uma posição política definida contra o governo, mas o meu relacionamento quando era da base do governo era um relacionamento pessoal muito bom. Eu, mesmo com a minha divergência, espero que seja permanente enquanto durar o governo. A governadora não me levou a considerar o governo como um inimigo pessoal, as pessoas que fazem o governo, mas o relacionamento com a classe política foi sempre autoritário, extremamente autoritário, isso acredito até pelos relatos que tenho, exacerbou.
E no aspecto administrativo?
Esse também é extremamente doloroso. Você só tem uma obra que o governo está tocando e que é um perigo, mas um perigo iminente. É presente e iminente, que é o estádio Arena das Dunas. Ele tem um custo presente que é fabuloso, o Estado perdeu capacidade e visão para outras coisas que são permanentes, que são importantes e definitivas para o Estado. O estádio é uma obra que vai onerar por muitos anos o Rio Grande do Norte. Essa obra sairá, no barato, como se diz, acima dos R$ 500 milhões com um custo de manutenção incalculável. E olha que esses R$ 500 milhões serão, na sua grande parte, financiados, e os outros tirados da goela do povo. Aquilo que o governo está investindo, dizendo que é com recursos próprios, não é.
E de onde estão sendo tirados esses recursos?
São recursos dos remédios, é com recursos da alimentação que não vai para os hospitais, é com recursos que são retirados da segurança pública, de investimentos que são extremamente necessários para o desenvolvimento do Rio Grande do Norte. O que o governo faz é sonhar, e sonhar de forma megalomaníaca. Em um ano de governo, a Assembleia já autorizou endividamento de mais de R$ 1 bilhão, é claro que esses investimentos não se concretizaram, até porque são megalomaníacos, mas isso prova exatamente que, não o sonho, mas talvez a quimera, um pesadelo que geralmente é maior do que a realidade.
E como o senhor classifica a capacidade racional do governo?
O governo aprovou aqui na Assembleia, e foi derrotado na primeira vez, uma fórmula que juridicamente era muito discutível, aqueles incentivos para importação sob o fundamento de que o Rio Grande do Norte precisava disso para viabilizar o seu porto. Eu até na época votei a favor com o seguinte argumento que está sendo concretizado: eu não sou advinho, acho que quanto mais a gente votasse no Estado esses benefícios, mais fácil eles cairiam, porqueessa é uma guerra fiscal profundamente danosa, pela própria natureza da guerra fiscal, e danosa porque ela é feita em cima da desindustrialização do Brasil. Você dar incentivo para produtos que são fabricados na China, é uma barbaridade, mas graças a Deus a profecia se concretizou mais rápido do que rapidamente, e a Comissão de Economia do Senado aprovou uma resolução que vai regulamentar, não de forma perfeita, mas pelo menos é menos desmantelada da forma como estava sendo feita.
Quer dizer, então, que o Proimport acabou?
O Proimport acabou, porque a norma passa a ser genérica para todos os estados. Graças a Deus acabou.
Mas o grande discurso do governo para dar emprego e desenvolver a nossa economia era o Proimport.
De qualquer forma, esse Proimport não teria essa relevância que se deu, até porque alguns estados se beneficiaram, saíram na frente, é a história do ovo de Colombo. Aqui no Rio Grande do Norte não teria essa importância que o governo propalava. O que há de negativo é você incentivar a importação de produtos externos, é gravíssimo, não que não devamos abrir o nosso mercado. O grande problema no Brasil, que aumenta a inflação, é essa distorção que vivemos, é exatamente uma política protecionista que não tem racionalidade, é populista, demagógica. Isso é verdade, é tanto verdade que uma das coisas mais esdrúxula que acho é a pessoa sair daqui do Brasil pra comprar produto fabricado aqui, em Miami, e tem gente mais endinheirada que vai comprar em Dubai. Mas em Miami e na Europa você tem pessoas que tiram a diferença das despesas, pelo menos das passagens, com a compra de produtos. A diferença é tão grande que a mesma compra que é permitida pela Receita Federal, já dá pra cobrir as despesas. Isso é um verdadeiro absurdo, você comprar uma coisa em um shopping nos Estados Unidos por 30% ou 40% do que compra aqui.
Um ano e quatro meses já se passaram, e ainda se justifica o governo enfocar a “herança maldita” como forma de se resguardar por não ter feito nada?
– O discurso, num primeiro momento, podiase justificar até para tomar providências, ele podia ser a alavanca para você criar um novo caminho, uma nova realidade. O discurso agora está sendo uma desculpa que não tem nenhuma razão de ser.
Qual é o grande projeto desse governo?
Não existe. A gente está tentando encontrar e não encontra. O único projeto não é a Copa do Mundo? Não tem outra coisa, todo o esforço do governo, do povo, é em cima de uma ilusão. Dois jogos de futebol como se isso fosse salvar a Pátria. Até a melhoria que diziam que viria para cidades da Copa, como Natal, esses efeitos estão sendo muito ineficientes e a gente nem consegue ver.
Mas sempre se disse que os recursos investidos nas obras da Copa iriam transformar Natal e a Grande Natal, com a realização de obras de mobilidade urbana. O senhor também pensa assim?
– Eu não concordo com isso. O próprio governo federal, numa audiência pública na Assembleia, através de um seu representante, disse que não havia nenhuma vinculação de uma coisa com a outra, e estou vendo que não tem. Nós não estamos vendo a coisa caminhar nesse sentido. Uma coisa que é emblemática, que é o aeroporto de São Gonçalo do Amarante, o governo federal fez alguma coisa a não ser vender? Até a pendência com as desapropriações ainda não foi resolvida, as obrigações que os governos estaduais e municipais têm com relação à infraestrutura, que vai permitir o funcionamento do aeroporto, existem providências reais e projetos? Eu não digo nem obras, digo projetos. Eles não existem. Existe muita conversa, essas coisas têm de ser mostradas, você não pode dizer que existem obras e não mostrar, essas coisas são materiais.
Qual será o seu papel nessas eleições?
– Confesso a você que o papel que todo político que detém um mandato, é corresponder a expectativa daqueles que o ajudaram. Eu estou aqui porque um grupo de pessoas trabalharam para que eu viesse, confiando na minha ação e eu tenho que corresponder. Espero que o meu partido tenha a oportunidade de fazer as opções mais certas e vamos trabalhar em favor dessas opções, eu quero pelo menos ter a consciência de que fui correto e leal com aqueles que foram corretos e leais comigo.
O senhor defende o lançamento de um candidato único das oposições, ao invés de três, como os que estão lançados?
– Natal não tem problema de ter um ou ene candidatos porque tem segundo turno, talvez até o fato de você ter mais de um candidato beneficie para que exista o segundo turno. Agora, quando não há o segundo turno eu acho uma barbaridade. Por exemplo, o problema de Mossoró. Eu acho uma barbaridade o PT ter candidato lá, porque o PT não tem a menor chance de eleger o seu candidato; é candidato pra que? Pra fixar posição política, talvez até pessoal? Isso, pra mim, é trair um projeto político consistente, mais amplo, de você ser governo, de você ter uma ideia, uma ideologia, que não seja apenas um benefício pessoal ou partidário.
Desses pré-candidatos a prefeito de Natal, quem é o mais forte hoje?
Dos que estão aí, acho que os mais fortes são dona Wilma e Carlos Eduardo, não tem a menor discussão. Se eles forem realmente candidatos, a eleição girará em torno desses dois nomes. A não ser os candidatos, acho que penso como quase 99% da população.
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