Sete meses atrás, o Conselho Monetário Nacional (CMN) dava um novo passo rumo a renegociação da dívida rural. No dia 18 de novembro de 2011, foi instituída uma linha de crédito de investimento para recompor e renegociar dívidas de agricultores familiares em operações de crédito do Pronaf e do Proger Familiar Rural. Foram editadas quatro resoluções sobre o mesmo assunto no mesmo dia: a n°4028, n°4029, n°4030 e n°4031.
A nova linha, ainda em vigor, vale para agricultores inadimplentes em operações de custeio e investimento – mesmo aquelas já classificadas pelos agentes financeiros como “prejuízo”. O limite de crédito por agricultor é de R$ 30 mil, com prazo para pagamento de até 10 anos e taxa de juros de 2% ao ano. Ao contratar a operação, os agricultores devem pagar, no mínimo, 3% do valor total da dívida.
Plínio Simas, coordenador nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), reconhece que o passo foi importante. Mas afirma que ainda é preciso percorrer um longo caminho. “Prorrogar a dívida (através desses instrumentos legais) não resolve o problema. O governo federal tem que dar condição dos agricultores quitarem os débitos, aumentando o número de parcelas e concedendo novos descontos”. A proposta, segundo ele, já foi apresentada e voltou para agenda política. Segundo dados do Movimento, ¼ dos agricultores familiares brasileiros estavam inadimplentes antes da resolução ser publicada.
A resolução não resolverá o problema de todos. “O agricultor se torna adimplente, mas continua sem acessar crédito, porque sua capacidade de envidamento é baixa. Por isso, digo que este instrumento precisa ser aprimorado”. Para Geovane Rodrigues Júnior, professor de Economia dos cursos de Contabilidade, Gestão Financeira e Gestão Pública na Universidade Potiguar (UNP), a falta de informações precisas acerca da dívida rural compromete o acompanhamento do problema e a proposição de soluções.
Assentados enfrentam dificuldades em Macaíba
A situação é crítica no assentamento de reforma agrária Zé Coelho, em Macaíba, onde Francisco Chagas de Lima mora. Das 70 famílias assentadas, 66 contraíram empréstimos na última década para custear a produção. Deste total, 90% enfrentam algum tipo de dificuldade para quitar a dívida, segundo a associação local. Chagas atrasou uma parcela de 2011, mas garante que há vizinhos que não pagaram nem a primeira. “Eles acham que o dinheiro foi presente do governo”, afirma Rita Rodrigues de Andrade, 63, mulher do agricultor.
Chagas que se desfez de dois bezerros e uma vaca para quitar uma das duas prestações que venceram no ano passado, já imagina o que venderá da próxima vez. No aviário com 100 frangos, só restam 10. Ele perdeu toda a produção no último ano e tem sobrevivido de venda dos animais e da aposentadoria da mulher (R$600). “A gente já cria os animais para vendê-los numa precisão. Se vivesse só da roça, já tinha morrido de fome”, afirma Rita.
A situação dos assentados ficou ainda mais crítica no início do ano, quando a mini-fábrica de castanha fechou por falta de matéria-prima. Os cajueiros não produziram – devido a estiagem – e a saída foi fechar as portas. Dos 30 assentados que trabalhavam no beneficiamento de castanha (e recebiam até um salário mínimo por mês), só restou a controladora de produção e também assentada Jane Rita Braga de Moura. Hoje, a única coisa que ela controla é a entrada e saída de visitantes.
A mini-fábrica, uma das dez espalhadas pelo estado, chegava a beneficiar até 15 mil quilos de castanha por mês. Alguns dos assentados, explica Rita, deixaram o assentamento depois que a fábrica fechou. Ficou a dívida. Os administradores da mini-fábrica contraíram um empréstimo de R$ 80 mil com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para ampliar a unidade e agora, sem castanha, não sabem como pagar.
Faern defende assistência técnica
Reduzir taxas e ampliar o prazo de pagamento não basta, segundo José Vieira, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Rio Grande do Norte (Faern), vinculada a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). De acordo com ele, é preciso oferecer assistência técnica para que os produtores possam investir em culturas mais vantajosas e aplicar o dinheiro de forma responsável.
A adversidade climática, lembra Vieira, agrava o endividamento rural. Só quem tem acesso à tecnologia e é orientado para isso, pode minimizar os efeitos do clima e evitar a quebra de safras. “É preciso garantir a continuidade da assistência rural no estado. Não me refiro a simples visita de um técnico, que vai na propriedade, conversa um pouco, toma um café, e vai embora. É preciso que ele ajude o produtor a planejar sua produção”, afirma. O Nordeste, segundo ele, poderia estar crescendo mais se os produtores não estivessem tão endividados. “Eles não pagaram os empréstimos por que? Por que não quiseram? Não. Porque não não tiveram como”, afirma Vieira.
O endividamento, de acordo com o presidente da Faern, está aumentando a cada dia, “porque os problemas não são resolvidos. São adiados”. Vieira não sabe mensurar quanto a taxa de inadimplência subiu no estado nos últimos anos. “o governo não libera as informações”, justifica. Para solucionar alguns problemas que atravancam o setor, a Faern está trabalhando num ‘PAC da Agropecuária’, junto às outras federações estaduais e junto à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Os detalhes serão divulgados em breve. “Vamos mostrar neste projeto o que o Nordeste precisa para se desenvolver, passando pela questão do endividamento rural”, afirma.
Por Andrielle Mendes/ Tribuna do Norte
Francisco Chagas de Lima, 45, nos recebe com desconfiança, como quem deve e não tem como pagar. Depois de certificar-se de que não somos cobradores, o agricultor familiar nos convida para sentar no alpendre e explica, meio sem jeito, que vai prorrogar sua dívida, mais uma vez. O boleto, esquecido numa das gavetas do armário, é retirado de lá só na hora da foto. Chagas faz parte de uma lista extensa de produtores que contraíram empréstimos nos últimos anos e não sabem como pagar. A inadimplência entre agricultores familiares, micro e pequenos produtores rurais no Rio Grande do Norte gira em torno de 34%, segundo dado mais recente (e já defasado). No Nordeste, a taxa fica em torno de 23%. No Brasil, em torno de 15% – 19 pontos percentuais a menos.
A dívida total contraída até maio de 2011 chega a R$ 118,4 milhões no estado, mas 24,9% dela não será mais paga e já é considerada perdida pelos bancos. No país, agricultores familiares, micro e pequenos produtores rurais devem cerca de R$ 41,6 bilhões, segundo informações repassadas pelo Ministério da Fazenda ao Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), com escritório em 17 estados brasileiros. Mas o valor global deve ser maior, já que o levantamento não inclui operações realizadas entre o segundo semestre de 2011 e o primeiro de 2012.
O deputado Luis Carlos Heinze (PP/RS), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária na Câmara, fala numa dívida de mais de R$ 100 bilhões, considerando também médios e grandes produtores. Entre dezembro de 2010 e abril de 2012 (série histórica disponibilizada pelo Banco Central), o valor contratado pelos produtores rurais em todo o Brasil, passou de R$ 123 bilhões para R$ 145 bilhões.
Ninguém sabe ao certo o tamanho da dívida rural, incluindo os débitos prestes a vencer e os vencidos. Todos, no entanto, conhecem muito bem os efeitos do endividamento no campo. Restrição ao crédito, queda na produtividade e êxodo rural são algumas das principais consequências. Os mais carentes são os mais endividados, e consequentemente, os mais atingidos. “Observa-se uma maior concentração no segmento da agricultura familiar, devido a maior dependência climática e a baixa utilização de tecnologia, principalmente a irrigação”, confirma Carlos Gurgel Junior
Analista de Agronegócio da superintendência potiguar do Banco do Brasil. Entre as causas do endividamento e da inadimplência no campo estão problemas climáticos (secas ou enchentes), preços defasados, alta nos insumos e pouco acesso a tecnologia e assistência técnica.
A redução das taxas de juros e ampliação do prazo de pagamento – anunciadas como a ‘salvação da lavoura’ pelos bancos – não surtirão os efeitos esperados. “Para ter acesso a novos créditos, o produtor deve antes regularizar sua situação”, esclarece um dos bancos consultados. Produtores e agricultores inadimplentes, como seu Chagas, estão fora. O banco relembra, porém, que há instrumentos que permitem a renegociação da dívida rural. O Banco do Nordeste (BNB), por exemplo, renegociou R$ 332,5 milhões apenas no Rio Grande do Norte entre 2000 e 2010. A dívida contraída por agricultores e produtores – de todos os portes – no banco entre 2005 e 2011 chega a R$ 1,1 bilhão no estado. O banco não soube informar a taxa de inadimplência. Só este ano (entre janeiro e abril), o BNB emprestou R$ 57,6 milhões. O Banco do Brasil emprestou R$ 104, 3 milhões.
As instituições financeiras são as únicas que têm acesso irrestrito aos dados. Nem a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) nem a Federação de Agricultura e Pecuária do Rio Grande do Norte (Faern) – vinculada a ela – sabem ao certo quantos endividados e inadimplentes vivem no campo. O Movimento dos Pequenos Agricultores só o soube no ano passado, depois que o núcleo agrário do Partido dos Trabalhadores pressionou o Ministério da Fazenda e eles tiveram acesso aos números oficiais. Segundo Plínio Simas, coordenador do Movimento, foi difícil convencer o governo federal de que a dívida rural existia. Mais difícil ainda parece quitá-la.
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