Noticia publicada no caderno Cidades do Novo Jornal:
Você certamente já ouviu muito falar que bebida e direção não combinam. Também é certo que muitas vezes arriscou a própria vida voltando de uma festa sob o efeito de algumas cervejas. A prática, embora configure um mau hábito, ainda está presente no dia a dia de muitos natalenses. Com o aumento do rigor da Lei Seca, porém, o cenário vai mudando aos poucos. Agora o que muita gente já faz é alugar veículos, geralmente vans que comportam até 15 pessoas, para se locomover aos mais variados eventos.
Pode ser um casamento, o aniversário de um amigo, um show de forró ou uma confraria que se reúne para tomar vinho uma vez por semana. Não importa o evento, eles decidiram deixar os carros em casa. O empresário Kerley Leal Bezerra foi esperto e enxergou um novo filão para fazer crescer sua empresa de locação de veículos e passeios. Depois da tolerância zero da Lei Seca, a procura cresceu 20% pela van do sócio da Leal Tour, que em breve se tornará MK Locações. A hora, o local e o tipo de evento não fazem diferença. Com a nova demanda, o empresário fatura quase R$ 5 mil por mês só transportando pessoas nessas condições.
Era uma terça-feira quando Kerley foi contratado para levar uma turma para uma formatura em Nova Parnamirim. A maioria morava do Parque dos Coqueiros, na Zona Norte. A promotora de vendas Maraíza Otaviano era uma delas. Prima do formando, ela se juntou à turma e fretou a van para se deslocar até a festa. Há cerca de três meses se tornou comum a prática entre os amigos, que sempre saem numa turma de 12 pessoas, todos casais.
“A gente costumava ir em até três carros para a festa, mas sempre um ficava sem beber para dirigir na volta. Hoje economizamos a gasolina e temos a segurança de ir todo mundo num carro só”, diz.
Juntos, costumam ir a shows em Ceará-Mirim, Macaíba, Vila Folia e Circo da Folia em Pirangi, entre uma e duas vezes por mês. O transporte sai em média por R$ 20 para cada um por noite. A segurança de ter alguém sóbrio transportando os amigos é um dos benefícios do serviço, segundo Maraíza. Além da comodidade, já que Kerley pega e deixa cada um em casa.
A estudante Flaviana Bandeira, 30, também cansou de ser a motorista da rodada e de pagar caro por táxi. “Passei a usar o serviço por segurança, porque o que mais a gente vê por aí são pessoas inocentes sofrendo acidentes por culpa de outros que dirigem bêbados”, conta.
A estudante tomou conhecimento do serviço depois de uma série de matérias veiculadas na televisão sobre o aumento do rigor da Lei Seca. Ficou sabendo que Kerley fazia o transporte e, desde setembro, sempre que vai a uma festa contrata a van. A maior vantagem, diz Flaviana, é a segurança de ser pega e deixada em casa por um motorista que não ingeriu uma gota de álcool. “Antes eu costumava sair em equipe com amigos, de carona, então sempre a gente revezava: tinha o motorista da rodada que não bebia”, conta Flaviana.
Praias como Pirangi e Muriú são alguns dos lugares que a turma de Flaviana já foi. Nessa terça-feira, porém, eles se reuniram para a formatura do amigo Emanuel Bandeira, um dos integrantes da trupe que quase todo final de semana sai de van. Operador de logística, ele diz que há dois anos sai com Kerley, depois que um amigo indicou o serviço. Morador da Zona Norte, ele diz que ficou cada dia mais difícil marcar presença nas festas de Macaíba e Parnamirim depois da Lei Seca.
“Ficou inviável ir de carro porque não cabia todo mundo. E depois não dava para voltar dirigindo embriagado”, conta. A turma já chegou a solicitar o serviço para um fim de semana inteiro, quando foi para uma casa de praia em Barra de Maxaranguape. “Ele pegou a gente e deixou lá na sexta e quando foi no domingo foi buscar”, conta.
Clientes possuem em média entre 20 e 55 anos
Fazendo esse trabalho há três anos, Kerley está acostumado a lidar com todo tipo de gente. Desde os mais comportados até os beberrões, que já chegaram até a vomitar na van. Tranquilo, ele diz que isso faz parte do trabalho. “Ao levar pessoas para uma festa, sabendo que elas vão beber, eu assumo o risco. Mas depois é só colocar o carro para lavar”, diz. O carro é todo coberto de bancada de couro, o que facilita a lavagem em casos como esse. A situação, emenda, é bastante comum de acontecer, mas geralmente não há estresse entre os frequentadores do veículo.
No início o serviço era feito somente entre amigos, mas Kerley foi se tornando conhecido no meio. Como naturalmente não ingere bebida alcoólica, foi ganhando a confiança dos clientes. O público que contrata a van são pessoas entre 20 e 55 anos, que pedem o serviço para ir a festas, formaturas, casamentos ou aniversários. Normalmente vai até Macaíba, Parnamirim, São José de Mipibu, João Câmara e até Caicó. No último verão levou pessoas a Pirangi, Muriú e Barra de Maxaranguape.
Antes da Lei Seca, ele já realizava o serviço, mas depois da norma percebeu um incremento de 20% na procura, inclusive para outros lugares. Antes as pessoas o contratavam para irem para festas e eventos, hoje já costumam chamá-lo até para ir a barzinhos e boates. Por cada noite que sai em Natal, Kerley cobra R$ 300. A hora de saída e de chegada em casa é o cliente quem determina. Se for sair da cidade, o preço pode subir até R$ 350.
Lidar com pessoas em fim de festa não é lá das tarefas mais fáceis. Mas o empresário diz que tira de letra. Certa vez viajou com um grupo para Currais Novos e quando o relógio marcou 4h, duas pessoas do grupo não chegaram ao local marcado. Esperou, ligou e nada. Uma hora depois eles apareceram. “A gente espera. Esperamos meia hora, ligamos. Se não aparecerem nem derem notícia, imaginamos que é porque conseguiram voltar para casa”, diz. Com o aumento no rigor da lei, Kerley diz que hoje leva até duas turmas por dia para diferentes eventos. As saídas acontecem geralmente na sexta e no sábado e ele chega a fazer até dois traslados. “É um negócio rentável. Criei um padrão de qualidade e procuro manter, sendo pontual e respeitando os clientes. A procura só tem crescido”, finaliza.
Confraria do vinho também adere ao transporte coletivo
Há 15 anos o médico Elmano Marques se reúne com os amigos para apreciar vinhos uma vez por mês. No início, os encontros aconteciam na casa dele, mas o grupo foi aumentando e os amigos passaram a se reunir em restaurantes da cidade. Depois da Lei Seca, os enófilos tiveram que encontrar alternativa para não irem dirigindo os próprios carros nestes encontros. Além de contratar uma van, que pega cada um em casa e os leva até o restaurante, Elmano e os amigos também costumam ir aos encontros de carona ou até mesmo de táxi.
Um dos encontros aconteceu na Lagoa do Bonfim. Como é mais longe da capital e eles queriam ir em grupo, acabaram contratando uma van para levá-los. A expectativa, diz Elmano, é que isso vire uma rotina daqui pra frente em Natal. “Já estive fora do país e nesses lugares é comum isso acontecer. Em Praga existe um serviço chamado SOS Drink, que a pessoa liga e eles mandam dois motoristas: um num táxi para levar a pessoa para casa e outro para levar o carro dela”, detalha.
O serviço custa entre R$ 300 e R$ 400, podendo ficar mais caro se a saída for para fora de Natal. Os encontros costumam começar às 20h e terminam no máximo até meia noite. Os participantes podem degustar até seis tipos diferentes de vinho por noite.
Elmano acredita que a demanda por esse tipo de serviço só tende a aumentar, já que a conscientização das pessoas também está crescendo. “As pessoas estão percebendo o que pode ser causado por dirigir embriagado, o risco de vida que cada um corre. Acredito que o hábito vai se popularizar ainda mais”, defende.
O consultor em vinhos Gilvan Passos costuma promover encontros de harmonização e diz que, depois da Lei Seca, os participantes tiveram que encontrar outras alternativas para se reunir. Ele vai ainda mais além: acredita que reuniões do tipo têm diminuído em Natal. “Trabalho promovendo a cultura do vinho e não tem como fazer isso sem degustar. Coordeno seis confrarias e promovo degustações, e já observo uma perda no quórum de frequentadores desses encontros”, atesta.
Segundo ele, muita gente não quer voltar numa van ou de táxi. Muitos não querem abrir mão de dirigir o próprio carro. Com o rigor atual, no qual não se pode mais se recusar a fazer o teste do bafômetro, alguns deixaram de participar dos encontros. “Os donos de restaurantes têm me dito que perceberam uma queda grande no consumo de bebidas, principalmente de vinho”, acrescenta. A situação de Gilvan é ainda mais delicada porque, como trabalha com vinhos, ele costuma fazer degustações até três vezes por semana.
“Agora eu tenho que ir de táxi ou então pedir a minha esposa para me deixar e buscar”, conta. Nesses encontros, cujo objetivo é conhecer a bebida, cada pessoa prova no máximo quatro tipos de vinho e ingere entre 30 e 40 mililitros da bebida. Mais rigorosa, a Lei Seca atualmente não permite qualquer quantidade de bebida no sangue do motorista.
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